quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Convenção pune desaparecimentos forçados



Novo tratado da ONU protege vítimas, testemunhas, advogados e parentes de desaparecidos.

Assembleia Geral da ONU

Assembleia Geral da ONU

Alessandra Ribeiro, da Rádio ONU em Nova York.

A Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado entra em vigor nesta quinta-feira.

O novo instrumento conta com a ratificação de 21 países. Desse total, 10 são da América Latina. Entre eles estão Brasil, Argentina, Chile, Equador México e Cuba.

Punição

Com 45 artigos, a convenção diz que "o desaparecimento forçado é uma violação proibida em todos os momentos. Nem a guerra, nem o estado de emergência ou razões imperativas de segurança nacional ou instabilidade política " justificam o ato.

Segundo o documento, "a prática sistemática de desaparecimento forçado constitui crime contra a humanidade."

O tratado também garante o direito à informação para as vítimas, além de proteger parentes, testemunhas e advogados.

A Assembleia Geral da ONU adotou a Convenção em 2006, mas o tratado precisava ser ratificado por pelo menos 20 países. Isso ocorreu no mês passado, com a assinatura do Iraque.



terça-feira, 21 de dezembro de 2010

O Brasil no banco dos réus



Vladimir Safatle

"Por que vês tu o argueiro no olho do teu irmão, e não vês a trave no teu olho? (...) Hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho e então verás como hás de tirar o argueiro do olho de teu irmão"
. Estas frases do Evangelho de Mateus caem como uma luva para as discussões recentes a respeito da posição brasileira a respeito dos direitos humanos.

Durante todo o ano de 2010 ouvimos a indignação de vários setores da sociedade e da imprensa contra posições ambíguas do Brasil sobre problemas de direitos humanos no Irã, em Cuba, entre outros.

Com razão, eles lembravam que o Brasil é hoje um país de ambições geopolíticas internacionais, que exigem que ele seja capaz não apenas de reconhecer, mas de pautar suas ações a partir de princípios presentes no direito internacional resultantes de lutas seculares pela universalização da liberdade. Igualdade entre homens e mulheres, liberdade de opinião e divergência são pontos importantes na pauta do longo processo de racionalização de formas de vida.

No entanto, boa parte destes setores dão a impressão de que direitos humanos é algo que cobramos apenas dos inimigos e desafetos. Pois a voz firme contra as ambiguidades brasileiras deu lugar ao silêncio vergonhoso diante de um fato que demonstra nossa posição aberrante perante do direito internacional. Na semana passada, a Corte Interamericana de Justiça condenou o Brasil pelas mortes de membros da luta armada contra a ditadura militar que desapareceram no Araguaia.

Como se não bastasse o fato das Forças Armadas brasileiras continua-rem a perpetrar o crime hediondo de ocultação de cadáveres (o que, por si só, já mereceria punição), a Corte declarou que os dispositivos da Lei da Anistia que "impedem a investigação e sanção de graves violações dos direitos humanos" são incompatíveis com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário.

Neste sentido, a decisão da Corte apenas demonstra que, ao votar a questão sobre a interpretação da Lei da Anistia apelando a um acordo nacional que nunca ocorreu (a lei foi aprovada somente com votos do partido do governo, a antiga Arena), o STF colocou o Brasil na ilegalidade perante o direito internacional. Certamente, outras condenações internacionais virão.

Àqueles que procuram reeditar a "teoria dos dois demônios" e dizer que a luta armada era tão nefasta quanto a ditadura, vale a pena lembrar que mesmo a tradição liberal reconhece que toda ação contra um Estado ilegal é uma ação legal. Contra os que, por sua vez, preferem o simples esquecimento, vale a pena lembrar que nunca haverá perdão enquanto não houver reconhecimento do crime.
Nunca haverá perdão enquanto a trave ainda estiver nos nossos olhos.

*Vladimir Safatle é professor no departamento de filosofia da USP.

Lula indicará Vannuchi para Comissão Interamericana de Direitos Humanos


20/12/2010 - 13h39

Lula indicará Vannuchi para Comissão Interamericana de Direitos Humanos

BERNARDO MELLO FRANCO
DE SÃO PAULO

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai indicar o ministro Paulo Vannuchi (Direitos Humanos) para representar o Brasil na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, órgão vinculado à OEA (Organização dos Estados Americanos), a partir de 2012.

A indicação será formalizada pelo Itamaraty ainda nesta semana, segundo informou o ministro.

Vannuchi será candidato a ocupar a vaga de Paulo Sérgio Pinheiro, cujo mandato no órgão termina no fim de 2011.

Pinheiro afirmou que Vannuchi será o único indicado do Brasil para o cargo e que seu nome deve ser aprovado com facilidade devido à importância do país e a atuação do presidente Lula no setor.

Os nomes dos novos integrantes da comissão serão escolhidos, em votação, pelos 35 países membros, em junho de 2011.

Nesta segunda-feira, Vannuchi voltou a defender a condenação do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos pelo desaparecimento de 62 pessoas durante a guerrilha do Araguaia.

O ministro participou hoje do lançamento do 4º relatório nacional sobre direitos humanos, lançado pelo núcleo de estudos sobre violência da USP.

No governo Dilma Rousseff, a pasta de Vannuchi será comandada pela deputada Maria do Rosário (PT-RS).




segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Jobim "maculou" biografia, diz Vannuchi




Para ministro de Direitos Humanos, chefe da Defesa reforçou "piores segmentos militares" ao atacar Comissão da Verdade
Titular da secretaria, que está de saída do cargo, diz que atitude foi "indesculpável" com desaparecidos políticos


KENNEDY ALENCAR
DE BRASÍLIA

O ministro Paulo Vannuchi (Direi-tos Humanos) diz que o colega Nelson Jobim (Defesa) "maculou" a própria biografia ao atacar de modo "indesculpável" o projeto do 3º Plano Nacio-nal de Direitos Humanos.
Para ele, Jobim reforçou "os piores segmentos militares" contra a ideia de criar uma Comissão Nacional da Verdade para dar resposta às famílias de desaparecidos políticos na ditadura de 1964.
O plano foi lançado por decreto presidencial no início do ano e modificado após pressão de Jobim. O ministro da Defesa criticou a comissão, que consta do plano.
Mas Vannuchi reconhece que houve "ponto de consenso" entre os dois para que o presidente Lula enviasse em maio ao Congresso a proposta de criar a comissão.
"Sem demonstrar cabalmente que o Estado fez tudo o que podia, fica difícil construir uma verdadeira reconciliação nacional em torno desse passado traumático."
O ministro afirma que "muitos militares ainda vivos possuem informações que levariam, com certeza, à localização" de desaparecidos.
Tem expectativa "positiva" sobre a possibilidade de a presidenta eleita, Dilma Rousseff, dar resposta às famílias: "Mas não pode haver pressão indevida sobre ela".
Crê que ela agirá com "firmeza e gradualismo".
Vannuchi deixa o cargo junto com Lula em 1º de janeiro. Jobim vai seguir no Ministério da Defesa.

Folha - Do que trata o livro "Habe-as Corpus, que se Apresente o Corpo"?
Paulo Vannuchi - Resume informações, pistas e hipóteses colhidas em mais de 40 anos por jornalistas, pesquisadores, entidades de direitos humanos e autoridades. Vale como roteiro para as buscas, quando o Estado resolver, finalmente, levar à frente esse esforço.

Jobim e as Forças Armadas ajudam ou atrapalham?
Em cinco anos como ministro, conheci os três comandantes das Forças Armadas. Me deixaram a melhor impressão. Mas há cultura da Guerra Fria e de preconceitos da antiga Doutrina de Segurança Nacional ainda não substituídos pelo ensino de direito constitucional e dos direitos humanos na formação militar.
Quanto a Jobim, foi indesculpável atacar o Plano de Direitos Humanos e a mim pessoalmente, sabendo dos problemas reais de comunicação entre nós nas vésperas do lançamento do decreto presidencial.
Nos chamar de revanchistas maculou sua própria biografia. Reforçou os piores segmentos militares, extremamente minoritários e quase exclusivamente da reserva, que ainda se orgulham de assassinatos e desaparecimentos.
Mas o projeto de criação da Comissão Nacional da Verdade, enviado por Lula ao Congresso, garantiu ponto de consenso e exigiu flexibilidade de todos.

Militares ativos e inativos escondem segredos?
Esta é a questão fundamental. Muitos militares ainda vivos possuem informações que levariam, com certeza, à localização de pelo menos parte dos restos mortais dos desaparecidos. Esse esforço é a favor das Forças Armadas, para que os brasileiros se orgulhem delas sem isso representar aprovar crimes hediondos como tortura, degola e violação sexual de opositores da ditadura.

O sr. acha que Dilma dará resposta satisfatória?
Minha expectativa é muito positiva, mas não pode haver pressão indevida sobre ela.
Não temos sentimento revanchista. A profunda consciência democrática de Dilma é garantia de que levará adiante o esforço de resgate da dívida que o Estado brasileiro ainda não resgatou. Com a firmeza e o gradualismo necessário.

Por que Lula não conseguiu dar essa resposta?
Deu respostas consistentes. Embora não tenhamos dado demonstração cabal por desacordos internos e resistências de segmentos atrelados ao passado e de parte da mídia. O saldo mais palpável de Lula é a proposta de criar a Comissão Nacional da Verdade. A bola está com o Congresso.

Entrevista na Folha de São Paulo com a futura Ministra dos Direitos Humanos

resultado da eleição do CONASP de entidades de trabalhadores da área de segurança pública e de entidades, fóruns, redes e movimentos sociais da sociedade civil na área de segurança pública


Ministério da Justiça
GABINETE DO MINISTRO
 
 
PORTARIA Nº 4.038, DE 17 DE SETEMBRO DE 2010  Homologa o resultado do processo eleitoral de entidades de trabalhadores da área de segurança pública e de entidades, fóruns, redes e movimentos sociais da sociedade civil na área de segurança pública.
 
O MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA, no uso das atribuições que lhe conferem os incisos I e II do parágrafo único do art. 87 da Constituição Federal e o Decreto nº 6.061, de 15 de março de 2007, e tendo em vista o disposto nos artigos 3° e 11 do Decreto nº 6.950, de 26 de agosto de 2009, bem como na Portaria nº 780, de 13 de maio de 2010, publicada no Diário Oficial da União de 14 de maio de 2010, resolve: Art. 1º Homologar o resultado definitivo do processo eleitoral, previsto no Edital publicado no Diário Oficial da União de 14 de maio de 2010, Seção 1, págs. 106/107, dos representantes das entidades de trabalhadores da área de segurança pública e das entidades, fóruns, redes e movimentos sociais da sociedade civil da área de segurança pública, para o exercício de mandato no Conselho Nacional de Segurança Pública - CONASP, composição biênio 2010- 2012.
I - no segmento sociedade civil , pela categoria fóruns, redes e movimentos sociais: Movimento Nacional de Direitos Humanos - MNDH; Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais (ABONG) e Fórum de Entidades Nacionais de Direitos Humanos (FENDH); Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Travestis e Transexuais (ABGLT); Fórum Nacional de Juventude Negra (FONAJUNE); Rede Desarma Brasil; Coletivo de Entidades Negras (CEN Brasil).
II - no segmento sociedade civil, pela categoria entidades: Instituto de Estudos da Religião (ISER) e Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC); Observatório de Favelas do Rio de Janeiro e Redes de Desenvolvimento da Maré; Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (GAJOP); Pastoral Carcerária Nacional (ASAAC); Conselho Federal de Psicologia; Viva Rio.
III - no segmento trabalhadores: Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) e Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (ADEPOL); Associação dos Oficiais Militares Estaduais do Brasil (AMEBRASIL); Sindicato dos Agentes Penitenciários Federais (SINDAPEF); Associação Nacional de Entidades de Praças Militares Estaduais (ANASPRA); Federação Nacional dos Policiais Rodoviários Federais (FENAPRF); Confederação Brasileira dos Trabalhadores Policiais Civis (COBRAPOL); Federação dos Profissionais em Papiloscopia e Identificação (FENAPPI); Associação Brasileira de Criminalística (ABC) e Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF). Parágrafo único. As entidades, fóruns, redes e movimentos sociais mencionadas no inciso I, alínea "b"; inciso II , alíneas "a" e "b"; e inciso III, alíneas "a" e "h", realizarão rodízio de vagas por compartilhamento, nos termos do item 3.8 do Edital de Convocação de Eleições, homologado pela Portaria MJ nº 780, de 13 de maio de 2010 e na forma identificada no ato da inscrição. Art. 2º. Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.
LUIZ PAULO BARRETO

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Comissão de Direitos Humanos e Minorias lança relatórios da Plataforma Dhesca


Direitos Humanos lança relatórios da Plataforma Dhesca

A Comissão de Direitos Humanos e Minorias apresenta nesta quarta-feira (8), durante audiência pública, relatórios produzidos pela Plataforma Brasileira dos Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (Dhesca), que avaliam o exercício desses direitos no Brasil.

A reunião foi proposta pela presidente da comissão, deputada Iriny Lopes (PT-ES). "A Plataforma Dhesca tem produzido relatórios de alta qualidade técnica, que se tornaram referência indispensável na análise da evolução do cumprimento e da implementação de direitos no Brasil", afirmou.

"O acompanhamento pela sociedade civil e a elaboração de relatórios técnicos é estimulado pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU, como contribuição para a avaliação do efetivo cumprimento das obrigações contraídas pelos países signatários dos tratados internacionais", observou a deputada.

Foram convidados:
- a procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Gilda Pereira Carvalho;
- o relator do tema Direito à Cidade, Orlando Alves dos Santos Júnior;
- a relatora do Direito à Saúde Sexual e Reprodutiva, Maria José Oliveira Araújo;
- a relatora do Direito à Educação, Denise Carreira;
- o relator do Direito à Terra, Território e Alimentação, Sérgio Sauer; e
- os relatores do Direito ao Meio Ambiente, José Guilherme Zagallo e Marijane Lisboa.

A reunião será realizada às 14 horas no plenário 9.

Da Redação/WS

O tráfico no Rio e o crime organizado transnacional


Os verdadeiros chefes do narcotráfico no Rio de Janeiro são ligados à rede do crime organizado transnacional que movimenta no sistema bancário internacional cerca de 400 bilhões de dólares por ano. A situação que vemos no hoje no Rio, diz o jurista Wálter Maierovitch, reflete um quadro internacional, onde as polícias só conseguem apreender entre 3 e 5% das drogas ofertadas no mercado. "É preciso ter em mente essa dimensão global do crime organizado na hora de buscar soluções para enfrentar o problema em nossas cidades", defende.

Data: 03/12/2010

Os verdadeiros chefes do narcotráfico no Rio de Janeiro são ligados à rede do crime organizado transnacional que movimenta no sistema bancário internacional cerca de 400 bilhões de dólares por ano. Esses são os grandes responsáveis pela violência e pelo tráfico de drogas e armas em todo o mundo. A situação que vemos no hoje no Rio reflete um quadro internacional, onde as polícias só conseguem apreender entre 3 e 5% das drogas ofertadas no mercado. É preciso ter em mente essa dimensão global do crime organizado na hora de buscar soluções para enfrentar o problema em nossas cidades. A avaliação é do jurista Wálter Maeirovitch, colunista da revista Carta Capital e ex-secretário nacional antidrogas da Presidência da República.

Compreender essa dimensão global é condição necessária para evitar discursos e propostas de soluções simplistas para o problema. Maierovitch dá um exemplo: "Os produtos principais do tráfico de drogas são a maconha e a cocaína. Tomemos o caso da cocaína. Sua matéria prima, a filha de coca, é cultivada nos Andes, especialmente no Peru, Bolívia, Colômbia e Equador. No entanto, a produção da cocaína exige uma série de insumos químicos e nenhum destes países tem uma indústria química desenvolvida. O Brasil, por sua vez, possui a maior indústria química da América Latina". Ou seja, nenhum dos países citados pode ser apontado, isoladamente, pela produção da cocaína. Essa "indústria" tem um caráter essencialmente transnacional.

Novas tendências das máfias transnacionais
Presidente do Instituto Brasileiro Giovanni Falcone de Ciências Criminais, Wálter Maierovitch é um estudioso do assunto há muito tempo. O livro "Novas Tendências da Criminalidade Transnacional Mafiosa" (Editora Unesp), organizado por ele e por Alessandra Dino, professora da Universidade Estadual de Palermo, trata dessas ramificações internacionais do crime organizado. A primeira Convenção Mundial sobre Crime Organizado Transnacional, organizada pela ONU, em 2000, em Palermo, destacou o alto preço pago ao crime organizado internacional em termos de vidas humanas e também seus efeitos sobre as economias nacionais e sobre o sistema financeiro mundial, onde US$ 400 bilhões são movimentados anualmente.

Em 2009, diante da crise econômico-financeira mundial, o czar antidrogas da ONU, o italiano Antonio Costa, chamou a atenção para o fato de que foi o dinheiro sujo das drogas funcionou como uma salvaguarda do sistema interbancário internacional. "Os bancos não conseguem evitar que esse dinheiro circule, se é que querem isso", observa Maierovitch. A questão da droga, acrescenta, é muito usada hoje para esconder interesses geopolíticos. Muitos países são fortemente dependentes da economia das drogas, como é o caso, por exemplo, de Myanmar (antiga Birmânia), apontado pela ONU como o segundo maior produtor de ópio do mundo (460 toneladas), e de Marrocos, maior produtor mundial de haxixe.

Tráfico de armas sem controle
Uma grave dificuldade adicional que os governos enfrentam para combater o narcotráfico é que ele anda de mãos dadas com o tráfico de armas. O Brasil é um dos maiores produtores de armas leves do mundo. Em 2009, a indústria bélica nacional atingiu o recorde do período, com a fabricação de 1,05 milhão de revólveres, pistolas e fuzis, segundo dados da Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados do Exército. A falta de controle sobre a circulação de armas, observa Maierovitch, é um problema grave. Quando um carregamento com armas sai de um porto brasileiro, explica, exige-se um certificado de destinação. Mas, depois que o navio sai do porto, perde-se o controle. O certificado diz, por exemplo, que as armas vão para Angola. Mas quem garante que, de fato, foram para lá? Esse certificado serve para que, então? – indaga o jurista.

O quadro que vemos hoje no Rio, insiste Maierovitch, precisa ser amplificado para que possamos ver todas essas conexões com o crime organizado transnacional, que atua em rede com nós funcionando como pontos de abastecimento e distribuição. Essas redes são flexíveis e estão espalhadas pelo mundo, acessíveis a quem assim o desejar. Há várias portas de entrada para ela e identificar suas ramificações não é tarefa simples. O jurista cita o caso da cocaína. Cerca de 90% da cocaína consumida hoje nos Estados Unidos vem da Colômbia e entra no país pelo México. E 90% das armas utilizadas pelos cartéis mexicanos vêm dos Estados Unidos. Ou seja, há duas vias de tráfico na fronteira entre EUA e México: por uma circulam drogas e pela outra, armas.

Pacificação x Militarização
Neste cenário global de expansão e ramificação do crime organizado, Maierovitch considerou surpreendente e muito importante a recente ação policial no Rio de Janeiro, na Vila Cruzeiro e no Complexo do Alemão. Essa ação, destaca, traz elementos importantes que devem marcar a ofensiva contra o crime: reconquista de território, retomada do controle social nas comunidades, garantir cidadania e liberdades públicas à população que vive nestas áreas. A política que vem sendo implementada pelo governo do Rio, acrescenta, está baseada num conceito de pacificação e não de militarização como ocorreu, por exemplo, no México, onde o governo de Felipe Calderón colocou o Exército na linha de frente da guerra contra o narcotráfico e está perdendo essa batalha, com um grande número de vítimas civis.

No Rio, prossegue, o que houve foi uma reação a ataques espetaculares cometidos pelo tráfico, mas a política é pacificadora. "No início do governo de Sérgio Cabral fui um crítico à política que ele estava implementada e que seguia essa linha adotada no México. Mas agora a política é outra e merece apoio. Maierovitch critica o que chama de "ataques diversionistas" contra o governo estadual, que o acusam de favorecer as milícias ao focar sua ofensiva no Comando Vermelho e no Amigos dos Amigos. "Esse diversionismo só favorece o crime organizado. Há territórios que estão sendo retomados e rotas de tráfico interrompidas. É possível e fundamental reestabelecer a cidadania no Rio de Janeiro", defende.

Trata-se, em resumo, de uma luta permanente, global e em várias frentes, onde cada metro de terreno conquistado deve ser valorizado e cada derrota imposta ao crime organizado servir como aprendizado para maiores vitórias no futuro. Maierovitch conclui: "A Itália é a terra da máfia, é verdade, mas também se tornou a terra da luta contra a máfia. Precisamos aprender com essas experiências."