terça-feira, 27 de julho de 2010

Autoridades ainda resistem a condenar tortura no Brasil, diz relatório


Autoridades ainda resistem a condenar tortura no Brasil, diz relatório

Daniella Jinkings
Repórter da Agência Brasil

Brasília – O Relatório sobre Tortura: uma Experiência de Monitoramento dos Locais de Detenção para Prevenção da Tortura, elaborado pela Pastoral Carcerária, mostra que juízes e promotores ainda resistem a combater esse tipo de prática no Brasil. De acordo com o documento, as denúncias dos presos raramente são levadas a sério. A Agência Brasil teve acesso à integra do relatório, que será divulgado na próxima segunda-feira (2).

"Fica patente que as autoridades competentes para investigar, processar e condenar os torturadores – juízes, delegados de polícia e promotores de Justiça – geralmente têm pouca ou quase nenhuma motivação para fazer cumprir a lei e as obrigações assumidas pelo Estado brasileiro de debelar e prevenir a tortura", diz o documento.

De acordo com o assessor jurídico da Pastoral Carcerária, José de Jesus Filho, a entidade denunciou 211 casos de tortura entre 1997 e 2009. Porém, a maioria dos torturadores não sofreu punições. "Os juízes e promotores acham que estão enfraquecendo a autoridade pública. O que o criminoso diz é sempre mentira. Em vez de julgar com isenção, eles preferem julgar a favor do agente público", disse.

Para José de Jesus Filho, o sistema prisional passa por um momento crítico. "Há uma tensão entre agentes públicos que ainda carregam a tradição ditatorial e praticam a tortura e aqueles que querem mudar isso e se colocam contra esse tratamento cruel", afirmou o assessor jurídico, que coordenou a elaboração do relatório.

O documento contém um trecho da pesquisa da coordenadora-geral da Ação dos Cristãos para Abolição da Tortura (Acat-Brasil), Maria Gorete de Jesus. A entidade analisou 51 processos criminais de tortura na cidade de São Paulo, no período de 2000 a 2004. Dos 203 réus, 127 foram absolvidos, 33 foram condenados por tortura e 21 por outros crimes (lesão corporal ou maus-tratos).

"O que significa dizer que apenas 18% foram condenados e 70% foram absolvidos. Dos 203 réus, 181 eram agentes do Estado acusados de crime de tortura. Entre os 12 civis acusados, a metade foi condenada", afirma o relatório.

Segundo o documento, nos casos de tortura envolvendo agentes do Estado, a produção de provas é frágil e o corporativismo policial interfere diretamente na apuração das denúncias. Além disso, o governo raramente coloca em prática os mecanismos internacionais contra tortura ratificados pelo Brasil.

"Nas sentenças é comum encontrar questionamentos quanto às lesões constatadas na vítima, colocando em dúvida não somente a palavra da pessoa agredida, mas também a autoria do crime. Chega-se ao ponto de dizer que a própria vítima teria sido responsável pelos ferimentos", diz o texto.

A Pastoral Carcerária registrou casos de tortura em 20 estados brasileiros, sendo o maior número de casos em São Paulo (71), no Maranhão (30), em Goiás (25) e no Rio Grande do Norte (12). De acordo com o coordenador nacional da Pastoral Carcerária, padre Valdir João Silveira, em alguns estados, as equipes ainda não estão treinadas para fazer o levantamento de dados e o acompanhamento dos casos.

"[Os dados] foram levantados por agentes da Pastoral Carcerária, pessoas que semanalmente vão aos presídios para evangelizar e catequizar, mas, perante a violência nos presídios, buscam também o direito das pessoas que estão aprisionadas, que o Estado está tratando com tortura e maus-tratos."

Edição: Juliana Andrade

Crônica de Antonio Prata sobre tortura policial

Amarela

por Antonio Prata

Seção: Crônica do Metrópole

26.julho.2010 02:22:38

Toda palavra é um juízo de valor. Por trás de "correto", por exemplo, está a idéia de que a linha é mais digna que a curva, que há mais virtude na certeza que na dúvida. Da mesma forma, "errado" coloca o andar sem rumo – errância – como indigno, de pouco valor.

A palavra "covardia" sempre me intrigou, por seus dois significados. Denota tanto a violência que o forte comete contra o fraco quanto a timidez existencial que impede de intervirem os que presenciam a violência. Não é injusto pôr em carrascos e testemunhas o mesmo rótulo?
* * *
No domingo retrasado, na rua Bolívar, em Copacabana, por volta do meio dia, dois policiais torturaram um morador de rua.
No domingo retrasado, na rua Bolívar, em Copacabana, por volta do meio dia, pedestres assistiram calados à tortura.
Um dos pedestres era eu.
* * *
Assistindo à cena, parado na calçada oposta, ao lado de uma senhorinha com sacolas do supermercado, um sujeito de sunga e regata, vindo da praia e uma garota saindo da farmácia, com uma caixa de pasta de dentes nas mãos, entendi que os dois sentidos da palavra covardia são os lados da mesma moeda: dois pólos, positivo e negativo, sem os quais a corrente da maldade não viaja da intenção ao ato. Só pode existir a covardia do carrasco se a covardia das testemunhas permitir.
* * *
Para torturar o morador de rua, os policiais usavam uma arma amarela, que parece um revólver de brinquedo. Chama-se Taser e de brinquedo não tem nada. Quando disparada a distância, lança dardos presos a fios. Os dardos dão um choque, capaz de derrubar um adulto e deixá-lo imóvel por alguns segundos. Evita, assim, que seja necessária uma bala de chumbo para desarmar um bandido. Ok. O problema é que a Taser também funciona sem os dardos: seu cano, encostado ao corpo, dá choques elétricos.

Lembro-me das matérias em jornais, faz um ou dois anos, quando as polícias de alguns estados brasileiros estudavam a adoção da tecnologia. Muito bom que haja uma alternativa à arma de fogo, diziam os otimistas. Muito ruim que haja uma alternativa ao fio desencapado, alertaram os realistas.
* * *
Ao condenar as testemunhas com a mesma pena dos verdugos, a palavra "covardia" as transforma em cúmplices. Tirando-as da posição de espectadores passivos e lhes dando a responsabilidade pelo ato que está a ser cometido, lhes traz o dever e a possibilidade intervir. A palavra tem em si, portanto, o fardo e a benção da modernidade. Fardo por dizer que, haja o que houver à nossa volta, é de nossa responsabilidade. Benção por sugerir, simultaneamente, que mudar o mundo está em nossas mãos.

* * *
Enquanto um policial dava choques no homem e fazia perguntas, o outro revirava seus pertences com o bico do coturno, espalhando as sacolas plásticas, o cobertor cinzento e um amontoado de miudezas sob a marquise, onde ele se protegia da garoa.

O barulho de matraca da pistola amarela, tec,tec,tec,tec,tec, como a ignição de um fogão que demora a acender, era abafado pelos gritos do mendigo, recebendo descargas na parte de trás das coxas e nas costas. Mais ainda, era abafado pelas vozes na minha cabeça: "Vai lá!", dizia-me uma delas. "Você que teve pré-natal e fralda descartável, você que estudou em escolas privadas e freqüenta mostras de cinema, você, com lentes de contato e livros na estante, você, que veio de uma família estruturada e caminha em direção a um restaurante: vai ficar aí, parado?" Outra voz, a voz covarde, me dizia: "esquece. Não é o caso de peitar dois policiais, ainda mais sendo paulista, no Rio de Janeiro. E se te jogarem no camburão? Se te derem choque com a arma amarela?" A voz corajosa insistia. "É seu dever! E é pouco provável que te batam. Você sabe bem que, desde a redemocratização, a tortura deixou de ser aplicada aos de lentes de contato e livros na estante e ficou restrita aos do outro lado da rua, sob a marquise."

Olhei a senhorinha, ao meu lado. "Alguma ele aprontou", disse ela. Então abaixou a cabeça e saiu andando, agarrada a essa frágil certeza trazida pela responsabilização da vítima: afinal, se quem apanha merece, o mundo tem sentido, não vivemos no caos e na barbárie e pode-se voltar para casa com as compras do supermercado. Eu abaixei a cabeça e saí na direção oposta, levando como única certeza a consciência de que devia ter agido, mas tive medo e não fiz nada.
* * *
Covardes. Covarde.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Ipea vai pesquisar e monitorar área de segurança pública


Ipea vai pesquisar e monitorar área de segurança pública

Lourenço Canuto
Repórter da Agência Brasil

Brasília – O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) vai estender seu trabalho à área da segurança pública. O instituto vai pesquisar indicadores e monitorar informações de forma sistêmica. O acordo foi assinado hoje (17) com o Ministério da Justiça.

O trabalho gerar um banco de dados para uso continuado. Para o presidente do Ipea, Márcio Pochmann, o acordo vai permitir que o Conselho Nacional de Segurança Pública tenha em mãos um quadro mais real da atualidade e vai auxiliar a atividade dos conselheiros, "para que esses representantes da sociedade fiquem mais balizados na tarefa de orientação sobre a segurança pública".

Pochmann disse também que num primeiro momento as informações serão um termômetro sobre o funcionamento das política públicas. E que em um segundo momento poderá ser possível identificar o próprio desempenho dos setores envolvidos.

Para o ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto "a segurança tem que ser
tratada com metodologia por isso o ministério investe no fim do amadorismo,
procurando convergir a contribuição de estados e municípios na implementação
de medidas para reverter o quadro atual".

Barreto disse que não podem ser tomadas medidas pirotécnicas na área de segurança. Segundo ele, as políticas nessa área às vezes são confundidas como partidárias. Mas que o tema é global e uma preocupação do governo federal e do Ministério da Justiça.

 

 

Edição: Rivadavia Sever

terça-feira, 20 de julho de 2010

Paulo Vannuchi rebate críticas da SIP a Lula



Comunique-se


O ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, rebateu as críticas feitas pela Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na última semana, o presidente da entidade, Alejandro Aguirre, classificou Lula como "falso democrata".

"Todos sabemos que o Lula só não tem o terceiro mandato porque não quer. Se ele tivesse decidido que era candidato a presidente, alterando a Constituição, não haveria adversário. Mas ele não quis por causa do seu profundo veio democrático", afirmou Vannuchi em entrevista nesta segunda-feira (19/07), na Câmara Municipal de Bauru (SP).

Porém, Vannuchi criticou veículos de comunicação que causam "histeria antidemocrática". O ministro afirmou respeitar a imprensa, mas defendeu a discussão de fórmulas de regulamentação ou autorregulamentação da mídia.

"Eu acho que é preciso convencer os órgãos de imprensa de que eles não podem seguir transformando seus veículos em veículos de histeria antidemocrática", disse.

Vannuchi também criticou a concentração da mídia, ponto polêmico no programa de governo da candidata petista à Presidência, Dilma Rousseff. "Precisamos ter claro que, quando temos um único noticiário de televisão que, às 8h30 da noite, centraliza 60 milhões de pessoas, a democracia brasileira ainda requer mais segmentação, mais equalização entre as diferentes televisões e rádios e também o direito de comunidades, igrejas e sindicatos terem suas rádios, suas TVs de alcance limitado, porque isso abre o leque e oferece mais chances de discussão e informação ao cidadão", afirmou.

Com informações de O Estado de S. Paulo.

o negócio é ser banqueiro


o negócio é ser banqueiro

Não há na história recente alguma operação policial que tenha sido mais vasculhada para encontrar falhas do que a prisão do "brilhante" banqueiro Daniel Dantas, envolvido em picaretagens de toda ordem. O Delegado Protógenes Queiroz e o juiz Fausto de Sanctis sofrem todo tipo de perseguição possível.

Mas nada como o tempo para entendermos como funciona o Brasil, esse país maravilhoso.

As últimas três semanas tem sido exemplar para compararmos o tratamento da mídia e das instituições em casos diferentes, mas com contornos semelhantes. O Goleiro Bruno, seu "amigo" Macarrão e o assassinato de Eliza Samudio se transformou no espetáculo da bizarrice em horário nobre.

Entre o Goleiro Bruno e Daniel Dantas existe muito mais do que uma diferença de crimes. Lógico que o choque com o assassinato de uma pessoa, de uma forma cruel, é muito menos aceito do que um crime de colarinho branco, mas se considerarmos apenas o rito da investigação e o que vem acontecendo, percebemos que há muito mais diferença do que parece.

Daniel Dantas acusa o juiz de Sanctis e Protógenes de abuso de poder, ao prendê-lo por duas vezes seguidas, por utilizarem agentes da Abin e outras coisas, como se isso o inocentasse dos crimes praticados por ele. Com dois velozes habeas corpus conseguidos no STF junto ao Ministro Gilmar Mendes, o "brilhante" Dantas rapidamente se livrou da prisão, e desde então, com a ajuda de alguns, tem tentado se tornar vítima de uma "armação". Já foi condenado, mas vai esperar até 2099 para ser preso.

Já no Caso do Goleiro Bruno, a violação dos direitos é flagrante a ponto de tornar o caso, que já é bizarro, em um futuro caso de estudo em faculdades de direito. Como disse antes, lembrando da gravidade do caso.

Primeiro foram cópias das declarações de um menor indo parar nas páginas de Veja e na Globo. Depois o fato do advogado não ter cópia do inquérito por onze dias, impedindo o pedido de Habeas Corpus das pessoas, e por fim uma gravação secreta não autorizada, feita pelos policiais, que foi parar no Fantástico. Nesta gravação Bruno diz que não sabia, mas que suspeitava que Macarrão realmente teria feito isso.

As investigações conduzem para a culpa do Goleiro no assassinato, mas vamos dizer que, por algum motivo, chegue-se à conclusão de que realmente Macarrão é o assassino, e que Bruno não seja o mandante do crime. Vamos supor algo ainda mais improvável, que Eliza aparecesse por aí. Claro que tudo isso torna-se cada vez mais improvável, mas imaginemos que esse fosse o desfecho. Aliás, tudo o que se mostra porque se mostra tudo. Não há o menor rigor investigatório e de sigilo no caso.

Na hipótese de Bruno falar a verdade na entrevista, e Macarrão ter assassinado Eliza e ter dito ao Goleiro que deu algum dinheiro e ela ter sumido, qual a chance dele ser absolvido em um júri popular? Depois de um espetáculo midiático como esse, não há como acreditar em nada do que Bruno fala. Ele já está condenado previamente. Para falar a verdade, ele nem falou ainda, apenas nesta gravação secreta feita pela polícia.

Claro que tudo são suposições, e que os fatos levam à condenação do Goleiro, mas isso serve para analisarmos as diferenças de tratamento neste país. Ao bandido bem nascido e letrado é dado todos os benefícios, ao marginal emergente e analfabeto, não basta apenas o rigor da lei.

Já se vê que o negócio mesmo é ser banqueiro, e nunca goleiro, pois como dizia Don Rossé Cavaca, "desgraçado é o goleiro, pois onde ele pisa nem grama nasce".

domingo, 18 de julho de 2010

Ajuda do Brasil ao exterior chega a US$ 4 bi por ano, calcula 'Economist'


Brasil

Ajuda do Brasil ao exterior chega a US$ 4 bi por ano, calcula 'Economist'

Lula em evento na África

Lula promove biocombustíveis e investimentos em evento na África

Uma reportagem veiculada pela revista britânica Economist calcula que os recursos gastos pelo Brasil em ajuda humanitária e desenvolvimento no exterior podem chegar a US$ 4 bilhões por ano.

O cálculo, que inclui as iniciativas brasileiras de assistência técnica, cooperação agrícola e ajuda direta a países da África e América Latina, mostra que o Brasil "está se tornando rapidamente um dos maiores doadores mundiais de ajuda aos países pobres", diz a revista.

A reportagem chega ao montante de US$ 4 bilhões somando os recursos da Agência Brasileira de Cooperação, projetos de cooperação técnica, ajuda humanitária a Gaza e ao Haiti, recursos destinados ao programa de alimentos da ONU e outros, e financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento, o BNDES, nos países emergentes.

Entretanto, a Economist questiona a rapidez com que o Brasil tem elevado sua ajuda no exterior, apontando que a estrutura burocrática do Estado brasileiro dedicada a encaminhar esta ajuda está sobrecarregada e lembrando que o próprio Brasil ainda precisa combater bolsões de pobreza dentro de seu próprio território.

A análise é publicada no momento em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva retorna de uma viagem por seis países da África, nos quais promoveu parcerias no campo do biocombustível e reiterou a existência de linhas de crédito do BNDES para projetos no continente africano e latino-americano.

"Este esforço em ajuda, embora não seja chamado assim pelo governo, tem grandes implicações", diz a revista.

"Distribuir assistência na África ajuda o Brasil a competir com a China e a Índia por influência no mundo em desenvolvimento. Também angaria apoio para a campanha solitária do país por um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU."

Outro fator, lista a revista, seria a abertura de mercados para os produtos brasileiros a partir das iniciativas de cooperação e a aproximação do Brasil com os países em desenvolvimento.

A reportagem compara a assistência brasileira com a chinesa. Afirma que a influência do Brasil é percebida como mais simpatia porque se volta para programas sociais e agrícolas, enquanto a chinesa promoveria, aos olhos dos países ocidentais, práticas corruptas e polêmicas sobretudo no campo da infraestrutura.

Entretanto, a Economist vê o que chama de "ambivalência" nos programas de ajuda do Brasil. Lembra que o país ainda precisa combater bolsões de pobreza dentro de seu próprio território, aponta deficiências na estrutura burocrática voltada para a cooperação internacional e avalia que funcionários e instituições voltados para este fim estão "sobrecarregados" com o crescimento exponencial do volume de assistência durante os anos do governo Lula.

Para a Economist, até resolver esses gargalos, "o programa de ajuda do Brasil permanecerá um modelo global à espera – um símbolo, talvez, do país como um todo".

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Lideranças se unem contra processo de criminalização na Bahia


15/07/2010 - 18:39 - Informe nº 922: Lideranças se unem contra processo de criminalização na Bahia

 
Desde a prisão da importante liderança Tupinambá da comunidade Serra do Padeiro, município de Buerarema (BA), Rosivaldo Ferreira da Silva, conhecido como cacique Babau, os indígenas do sul do estado vivem amedrontados e trancafiados em suas aldeias. Os alunos da comunidade estão sem ir às aulas (de ensino médio) desde março, mês em que Babau foi levado de sua casa pela Polícia Federal durante a madrugada.
 
Têm sido constantes as ameaças de fazendeiros, pistoleiros e até de populares feitas aos indígenas. As lideranças tiveram que suspender a ida dos estudantes às escolas, pois ameaças pessoais e de incêndio ao ônibus escolar que os leva têm sido recorrentes. Jovens que freqüentavam a faculdade tiveram que suspender o curso, pois estavam sendo ameaçados dentro das próprias salas de aula.
 
Cansados pela espera de uma solução que nunca vem, as lideranças indígenas da região resolveram se unir e buscar respostas imediatas junto aos governos estadual e federal. Na segunda-feira, 12 de julho, cerca de 300 lideranças acamparam em espaços da Assembléia Legislativa da Bahia e da Secretaria de Justiça, em Salvador.
 
Eles reivindicam providências para interromper os constantes ataques de que têm sido vítimas e, que muitas vezes, são praticados pela própria Polícia Federal, órgão que deveria garantir-hes segurança. Ainda pedem o fim do processo de criminalização da luta dos povos indígenas em busca de seus territórios tradicionais.
 
A luta jurídica pela soltura das lideranças Tupínambá
 
Na manhã do dia 15 de julho, uma comissão de lideranças Pataxó Hã Hã Hãe e Tupinambá se reuniu com a presidente do Tribunal de Justiça da Bahia, Drª Telma Britto. Durante o encontro, eles falaram sobre o crescente processo de criminalização contra os povos indígenas do estado, situação decorrente da luta pela posse de seus territórios tradicionais. Eles demonstraram à presidente a importância cultural de suas terras, que são fonte de vida material e espiritual.
Sensibilizada com a exposição dos indígenas, a presidente do TJBA entendeu da necessidade de agilizar a distribuição dos habeas corpus relacionados à luta do Povo Tupinambá que aguardavam no Tribunal, bem como de novos habeas corpus impetrados no dia de hoje, um dos quais pela assessoria jurídica do Cimi com a contribuição de Patrícia Rodrigues Santos Moraes.
A comissão conversou ainda com o juiz relator dos habeas corpus, Dr. Jeffeson Alves de Assis. De acordo com o magistrado, o primeiro HC impetrado pela Funai está com vista ao Ministério Público, aguardando elaboração de parecer. Ele afirmou que, caso o MP emita parecer até o início da próxima semana, os HCs poderão ir a julgamento na próxima quinta-feira (22).
Secretaria de Justiça
No dia 12 de julho, uma comitiva dessas lideranças se reuniu com a secretária de Justiça da Bahia, Lucina Tannue e com o subsecretário de Segurança Pública do estado, Ary Pereira. Na ocasião, Pereira propôs a realização de uma audiência pública em Buerarema para esclarecer junto à população do município esta situação, com o objetivo de por fim às práticas de incitamento contra os indígenas da região. Prática esta que tem sido encabeçada por fazendeiros e também pela imprensa local.
 
A estudante de direito que recentemente esteve na Conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) defendendo os direitos dos povos indígenas, Patrícia Pataxó e representantes do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), da Comissão Pastoral da Terra (CPT), do Movimento dos Trabalhadores sem Terra e do Fórum de Luta por Terra Trabalho e Cidadania da Região Cacaueira também participaram do encontro.
 
O subsecretário garantiu à comitiva que serão realizadas investigações para apurar as denúncias feitas por representantes da comunidade da Serra do Padeiro de envolvimento de policiais civis na tentativa de assassinato ao cacique Babau e outros representantes de sua família. Ele ainda afirmou que se necessário for um contingente de policiais será deslocado para garantir à comunidade o direito de ir e vir, já que a mesma, segundo relatos, encontra-se encurralada dentro da sua área.
Para as lideranças é revoltante observar como a Polícia Federal tem agido com as comunidades indígenas. "É preciso dar um basta nesta situação que envolve as nossas comunidades. Estamos sendo tratados como bandidos perigosos, quando os verdadeiros bandidos andam soltos por aí, aprontando e nada acontece com eles", afirmaram.
De acordo com as lideranças há omissão na apuração das denúncias e descaso do poder público frente às reivindicações dos indígenas do estado. "O que mais nos revolta é que as denúncias são feitas, são comprovadas as irregularidades nas ações e nada é feito de concreto. Exemplo desta situação é a prisão do cacique Babau e de seus irmãos, que foram permeadas de irregularidades e mesmo assim eles continuam presos. Queremos que eles sejam libertados!".  "Eles foram presos arbitrariamente por defender uma terra indígena que está em processo final de demarcação", disse Tainã Andrade Tupinambá.

fonte:  Cimi


 

Uma questão de justiça



O GLOBO 15/07/2010 QUINTA

 

Uma questão de justiça

FLÁVIA PIOVESAN

 


Após terem prisão decretada, o goleiro Bruno Fernandes e seu amigo Luiz Henrique Ferreira Romão (o Macarrão) se apresentaram à polícia no Rio. Bruno foi indiciado sob a acusação de ser o mandante do sequestro de Eliza Samudio, jovem de 25 anos e ex-amante do atleta. O seu amigo Macarrão e seu primo, menor de 17 anos, foram indiciados sob a acusação de serem os executores do crime. O primo de Bruno afirmou à polícia que a vítima teria sido morta por estrangulamento e posteriormente jogada a cães ferozes. Em outubro de 2009, Eliza - que alegava estar grávida do goleiro - já havia registrado queixa por sequestro e agressão, denunciando que o jogador a teria obrigado a tomar uma substância abortiva.

O dramático caso de Eliza Samudio é expressão emblemática da violência que acomete mulheres.

Soma-se aos casos de Eloá Pimentel, morta pelo ex-namorado em cativeiro no ABC, em outubro de 2008; da cabeleireira Maria Islaine Moraes, morta pelo ex-marido diante das câmeras, em janeiro de 2010; da advogada Mércia Nakashima, assassinada, com o corpo jogado em represa, em maio de 2010; e tantos outros. A violência contra a mulher é reflexo sobretudo de relações de poder historicamente desiguais e assimétricas entre homens e mulheres, marcadas pelo ímpeto do domínio e controle masculino. O componente cultural é fator essencial a mover esta violência.

Estudos apontam a dimensão epidêmica da violência contra a mulher. Segundo pesquisa do Movimento Nacional de Direitos Humanos, 66,3% dos acusados em homicídios contra mulheres são seus parceiros. O Mapa da Violência 2010, do Instituto Zanga-ri, revela que dez mulheres são mortas por dia no Brasil, sendo a motivação geralmente de natureza passional.

Para a ONU, a violência doméstica é a principal causa de lesões em mulheres entre 15 e 44 anos no mundo. A violência doméstica compromete 14,6% do PIB da América Latina, alcançando 10,5% do PIB nacional.

No Brasil, a problemática da violência contra a mulher foi por décadas silenciada e negligenciada, acobertada pela ideia de que as relações privadas seriam insuscetíveis de qualquer controle - afinal, "em briga entre marido e mulher, não se mete a colher".

Ao incorporar significativas reivindicações do movimento de mulheres, a Constituição de 1988 rompeu com esta visão, enunciando de forma inédita o dever do Estado de coibir a violência no âmbito das relações familiares.

Posteriormente, em 1995, o Brasil ratificou a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher.

Reconhece a Convenção que a violência contra a mulher constitui grave violação aos direitos humanos e limita total ou parcialmente o exercício dos demais direitos. Elenca um importante catálogo de direitos a serem assegurados às mulheres, para que tenham uma vida livre de violência, tanto no âmbito público como privado. Consagra deveres aos Estados-partes, para que adotem políticas destinadas a prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher.

Finalmente, em 2006, foi adotada a Lei Maria da Penha, que, em absoluta consonância com a Convenção, cria mecanismos para coibir a violência contra a mulher, estabelecendo medidas para prevenção, assistência e proteção às mulheres em situação de violência. Diversamente de 17 países da América Latina, o Brasil até 2006 não dispunha de legislação específica sobre a matéria.

Até então aplicava-se a Lei 9.099/95, que instituiu os Juizados Especiais Criminais para tratar das infrações penais de menor potencial ofensivo, consideradas de menor gravidade, cuja pena máxima prevista em lei não fosse superior a um ano. Com isto, endossou-se a equivocada noção de que a violência contra a mulher era infração menor e não grave violação a direitos humanos, contribuindo para a naturalização e legitimação deste padrão de violência.

É neste contexto que a Lei Maria da Penha constitui conquista histórica na afirmação dos direitos humanos das mulheres, a repudiar a tolerância estatal e o tratamento discriminatório concernente à violência contra a mulher. Sua plena implementação - com a adoção de políticas públicas voltadas à prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher, em todas as suas manifestações - surge como imperativo de justiça e respeito aos direitos das vítimas desta grave violação que ameaça o destino e rouba a vida de tantas mulheres brasileiras.

 

FLÁVIA PIOVESAN é professora de Direito da PUC/SP e procuradora do Estado de São Paulo.

 

 

 

 

 

 

 

 


quarta-feira, 14 de julho de 2010

Polícia Federal atuará na localização e identificação dos mortos e desaparecidos durante ditadura militar


Data: 14/07/2010

O ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR), e o ministro Luiz Paulo Barreto, da Justiça, assinaram ontem (13), em reunião pública, um acordo de cooperação mútua para realização de ações para localizar e identificar mortos e desaparecidos por motivos políticos no período entre 1961 a 1988, conforme definido pela Lei 9.140, de 4 de dezembro de 1995. O acordo viabiliza uma atuação conjunta do Departamento da Polícia Federal e da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos para atingir os objetivos propostos. O diretor-geral em exercício da Polícia Federal, Luiz Pontel, também participou da solenidade.

Os trabalhos previstos no acordo envolvem investigações e buscas em cemitérios em  São Paulo, Rio de Janeiro e Recife ou em outras localidades, assim como a análise de restos mortais já encontrados, como os localizados no cemitério de Perus, em São Paulo. Segundo o ministro Vannuchi, o acordo possibilita envidar esforços para localizar e identificar restos mortais de desaparecidos políticos que derramaram seu sangue para que o Brasil pudesse hoje viver a democracia. "O objetivo é altamente humanitário. Queremos possibilitar às famílias o direito de saber o que aconteceu com seu ente querido", afirmou.

Para o ministro da Justiça, o Brasil já tem maturidade política, social e institucional para conhecer a verdade, que começa por uma resposta aos familiares de desaparecidos políticos. "Muitas famílias não conseguiram sequer um sepultamento ou saber o que exatamente aconteceu. Este é um direito da sociedade e um dever do estado brasileiro", destacou. Segundo Barreto, a Polícia Federal tem condições tecnológicas para fazer as buscas e identificação de restos mortais.

Vannuchi ressaltou que o acordo com a PF irá permitir ao Governo Federal reforçar seus esforços na busca pelos desaparecidos políticos. O ministro assegurou que não serão feitas escavações a esmo. "Vamos reunir indícios fortes para fazer as buscas. Cada caso identificado é um alento para as famílias e cumpre nosso objetivo geral que é possibilitar ao Brasil processar este passado e seguir adiante na sua vida democrática", finalizou.

 


"Formação jurídica não é essencial para delegado"


"Formação jurídica não é essencial para delegado"

Se crimes fiscais são investigados por técnicos e auditores, e crimes eletrônicos podem ser mais facilmente identificados por analistas de sistemas, a formação jurídica é tão fundamental para a função de delegado de polícia, de forma a ser requisito básico para os concursos públicos? Na opinião do procurador-regional da República Wellington Cabral Saraiva, da 5ª Região, não. O debate foi levantado durante o II Congresso Brasileiro de Carreiras Jurídicas de Estado, realizado nesta semana em Brasília pela Advocacia-Geral da União e por entidades de classe de magistrados, advogados, promotores e delegados.

Segundo o procurador, a "bacharelização" dos delegados provoca uma burocracia desnecessária no trâmite dos processos. "Há consequencias simbólicas fortes, porque os profissionais acabam querendo prerrogativas das carreiras jurídicas", diz. Isso resulta, em sua opinião, em formalização inútil. "O relatório do inquérito serve apenas para analisar os fatos e provas, e não para se fazer uma análise jurisprudencial", o que posterga os resultados e toma tempo que poderia ser gasto nas investigações. "Há delegados que chegam a sugerir o arquivamento da Ação Penal, o que é função apenas do Ministério Público", critica.

Outra extravagância da fase de investigação, na opinião de Saraiva, é o indiciamento, que é a simples declaração do delegado sobre a autoria e materialidade do crime. "Não serve para absolutamente nada, porque não está vinculado ao inquérito, e serve apenas para a estigmatização do acusado", afirma. Segundo ele, muitos casos em que o acusado é indiciado, ou seja, declarado suspeito pela polícia, o inquérito sequer começou.

O delegado federal Marcos Leôncio Sousa Ribeiro, diretor de Assuntos Parlamentares da Associação dos Delegados da Polícia Federal, reconhece que a carreira policial não é jurídica, mas "multidisciplinar". "É por isso que seu papel é mais importante na investigação", diz.

As investigações são outro ponto de discórdia entre as carreiras. Saraiva criticou o que chamou de "falta de sintonia" entre MP e policiais. "Como titular da Ação Penal, o MP tem a prerrogativa de pedir à polícia que procure uma testemunha, por exemplo. Mas o sistema não funciona assim, já que tanto promotores quanto juízes e policiais podem produzir provas", afirma. Segundo ele, isso torna o Ministério Público "mais ou menos" titular das apurações, sendo que é ele quem decidirá se há ou não provas contra o acusado.

sábado, 10 de julho de 2010

Viram isso? Serviço recebe 73 denúncias de abuso contra criança por dia

Terça, 6 de julho de 2010, 17h26 Atualizada às 17h44

Serviço recebe 73 denúncias de abuso contra criança por dia

Ana Cláudia Barros e Dayanne Sousa

http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI4547683-EI6578,00.html

A cada dia, 73 casos de violência contra crianças e adolescentes são registrados pelo Disque 100, serviço da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. De janeiro a junho deste ano, o órgão contabilizou 13 mil denúncias. O dado foi divulgado nesta terça (06) e corresponde ao balanço das ocorrências relatadas por telefone ou e-mail.

A média diária dos primeiros seis meses de 2010 se aproxima da registrada ao longo de 2009, quando foram notificadas em torno de 82 denúncias/dia. A Secretaria de Direitos Humanos destaca que uma única denúncia pode conter mais de um tipo de violência e mais de uma vítima. Em todo o ano de 2009, o número de casos relatados chegou a 29.756.

Para o registro, são considerados três tipos de violência: negligência; violência física e psicológica e violência sexual. Esta última é o tipo mais frequente e corresponde a 36% de todas as denúncias. Ataques físicos e psicológicos respondem por 35% dos registros e negligência (que inclui abandono ou maus cuidados), 29%.

Entre os tipos de violência sexual relatados ao Disque 100, o mais recorrente é o abuso sexual (65,12%), seguido de exploração sexual (33,90%), pornografia (0,62%) e tráfico de crianças e adolescentes (0,35%). Nesses casos, as meninas são predominantemente o alvo. Elas correspondem a 80% das vítimas de exploração e pornografia, 77% das que sofrem com tráfico de crianças e adolescentes e 79% das atingidas pelo abuso sexual.

A região Nordeste foi a que mais ofereceu denúncias ao serviço, registrando mais de 5 mil casos. Ela é seguida pelas regiões Sudeste (4.288), Sul (1.554), Centro-Oeste (1.152) e, por último, pela região Norte (1.139). Essa ordem se mantém se considerada a média de denúncias verificada entre 2003 e 2009, com a diferença de que a região Centro-Oeste, anteriormente, estava atrás da região Norte.

O Disque 100 é um serviço que recebe, encaminha e monitora denúncias de violência contra crianças e adolescentes vindas de todos os estados brasileiros. Os relatos podem ser feitos por meio de ligação gratuita para o número 100, e do exterior, através do número telefônico pago 55 61 3212.8400. A partir de 2008, além das ligações, o serviço passou a dispor do endereço eletrônico: disquedenuncia@sedh.gov.br e receber retorno das denúncias por meio de uma área de monitoramento - monitoramento100@sedh.gov.br.

Está no ar a versão 2010 do portal eletrônico do Observatório Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente


Foi apresentada na última sexta-feira, dia 01 de julho, em Brasília, a versão 2010 do portal eletrônico do Observatório Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, mantido pela SDH, por meio da Subsecretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente.
 
A nova versão traz roupagem nova e ferramentas adicionais em relação à versão 2009. Sua atualização foi realizada com base nas contribuições das equipes da SDH e também dos estados que pactuaram o Compromisso pela Redução da Violência contra Crianças e Adolescentes, objeto da Agenda Social Criança e Adolescente.
 
Nessa oportunidade, o Observatório convida todos(as)  para visitar o portal e conferir o conjunto de novidades disponíveis, inclusive seu endereço corporativo. Para acessar digite
www.obscriancaeadolescente.gov.br

os dez países onde as pessoas mais têm armas de fogo.

Um Estudo divulgado este mês pela ONU e, intitulado A Globalização do Crime: Uma Avaliação sobre a Ameaça do Crime Organizado Transnacional, mostrou quais são os dez países onde as pessoas mais têm armas de fogo.

1º. Estados Unidos: 270 milhões de armas em poder de civis
2º. Índia: 46 milhões
3º. China: 40 milhões
4º. Alemanha: 25 milhões
5º. França: 19 milhões
6º. Brasil: 15 milhões
7º. México: 15 milhões
8º. Rússia: 13 milhões
9º. Iêmen: 12 milhões
10º. África do Sul: 6 milhões

Fonte: ONU

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Queda de homicídios em Pernambuco é a maior em 8 anos

Violência

Queda de homicídios é a maior em 8 anos

Publicado em 08.07.2010, às 01h15

João Valadares Do Jornal do Commercio

Dados oficiais da Secretaria de Defesa Social (SDS) apontam redução de 13% da taxa de homicídios por 100 mil habitantes no primeiro semestre em relação ao mesmo período do ano passado. Ao analisar o quadro histórico dos primeiros semestres, desde 2003, quando o governo estruturou o mecanismo de contagem, constata-se que os índices contabilizados de janeiro a junho são os mais baixos dos últimos oito anos. Nos seis primeiros meses do ano passado, 2.120 pessoas foram assassinadas no Estado. Agora, 1.865. São 255 mortes a menos. Outro dado que reflete a consolidação da queda é que em junho, historicamente um dos meses mais violentos, foram registrados 284 assassinatos, único do ano com menos de 300 mortes violentas. É também o mês menos violento da série histórica.

As estatísticas são motivadoras. Pela primeira vez, Pernambuco registra 19 meses seguidos de redução. Desde 2008, o número de crimes violentos letais intencionais (soma dos homicídios dolosos, latrocínios e lesões corporais seguidas de morte) no mês corrente é menor do que no mesmo período do ano anterior. Para o secretário de Defesa Social, Wilson Damázio, a mudança de gestão das polícias, baseada nas diretrizes do Pacto pela Vida, é determinante para o recuo. "É preciso ressaltar também o trabalho dos policiais nas operações coordenadas pela SDS", explicou.

Das 26 Áreas Integradas de Segurança (AIS), divisão territorial para facilitar os mecanismos de cobrança de resultados, 16 apresentaram redução na taxa de assassinatos. A maior diminuição foi contabilizada na AIS Salgueiro, no Sertão. Lá, no primeiro semestre, foram sete mortes a menos, o que significou redução na taxa por 100 mil habitantes de 41%. Na AIS Araripina, também no Sertão, taxa recuou 35,1%. No Recife, o território de Campo Grande, Zona Norte, e Iputinga, Zona Oeste, teve 12 mortes a menos. Na taxa, uma diminuição de 20,3%. Chama a atenção o aumento de 52,7% na AIS Floresta. "Este caso de Floresta é específico. Houve lá uma chacina com seis mortos", declarou o secretário.

Desde dezembro de 2009, a Polícia Civil ganhou reforço das chamadas equipes CVLI, compostas por um delegado, um escrivão e quatro agentes. Eles atuam nas Áreas Integradas de Segurança. São 37 grupos: 15 na Região Metropolitana do Recife, exceto na capital, que já é atendida pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), e 22 equipes no interior do Estado. Todos os investigadores passaram por estágio no DHPP.

REFORÇO - O chefe de Polícia Civil, Manoel Carneiro, ressaltou que o reforço na investigação específica de homicídios é um componente forte para justificar os resultados apresentados. "O importante é que esta equipe vai ao local de crime e fica na investigação até o fim. É dedicação exclusiva. Todo mundo foi capacitado no DHPP." Carneiro fez questão de salientar o programa Malhas da Lei, desenvolvido em parceria com a Polícia Militar. "É um mecanismo para destravar mandados de prisão. Verificamos uma relação entre a prisão das pessoas e a redução dos assassinatos. Destaco também as várias inovações no planejamento operacional das ações policiais."

A cobrança de resultados, levada a outras áreas do governo, é apontada como um dos fatores decisivos. Monitoramento de desempenho funciona da seguinte forma: Estado foi dividido em 217 circunscrições. Na capital, uma circunscrição corresponde a um agrupamento de bairros. No interior, elas podem corresponder até a um município inteiro.

Cada uma das circunscrições tem um delegado e um oficial da PM como gestores. Esses policiais prestam conta semanalmente sobre os CVLIs em suas jurisdições. Acima dos gestores de circunscrições estão os gestores das 26 áreas, que respondem a gerentes de cinco territórios, subordinados ao chefe de Polícia Civil e ao comandante da Polícia Militar. Os dois comandantes se reportam ao secretário de Defesa Social, que responde ao governador.

Uma vez por mês, o governador Eduardo Campos comanda uma reunião onde os dados de CVLI de todo o Estado são monitorados. As áreas que atingem as metas ganham a cor verde. As que registram aumento da violência ficam vermelhas.



quinta-feira, 1 de julho de 2010

UE pode apoiar projetos de direitos humanos no Brasil


30/06/2010 - 19h36min

Participam do seminário cerca de 50 instituições e especialistas brasileiros e mais 15 europeus

Agência Brasil

A União Europeia e o governo brasileiro devem estabelecer em breve um novo acordo de cooperação técnica e financeira para projetos de direitos humanos. O interesse é viabilizar ações da sociedade civil e políticas públicas em favor dos defensores de direitos humanos; do controle externo da polícia e da promoção dos direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT).

O valor do recurso que será doado, a contrapartida nacional e os prazos ainda não estão definidos. A Secretaria de Direitos Humanos promove até amanhã em Brasília o seminário Diálogos sobre Direitos Humanos no Brasil e na União Europeia: Instituições Públicas e Sociedade Civil para que sejam identificados projetos e avaliada a possibilidade de parcerias com instituições civis.

Segundo a subsecretária nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, Lena Peres, a partir dessa identificação será definido o valor da cooperação. Ela informou que a escolha se baseará na terceira edição do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH 3) e na manifestação das entidades. "Queremos dar total voz para a sociedade civil."

Brasil e União Europeia já firmaram convênio em 2007 e 2008, no valor aproximado de R$ 16,5 milhões, que viabilizou a implementação de ouvidorias nas polícias de 17 estados brasileiros. Além dessa área, Lena Peres informou que a intenção é incrementar o que chama de "proteção social" dos defensores de direitos humanos, promovendo atividades para a mobilização da opinião pública local em torno da causa dos defensores.

Lena avalia que a cooperação com a União Europeia pode ser útil para ver como o Estado e a sociedade em países como Espanha, Holanda e Inglaterra fizeram para garantir direitos dos LGBT à união estável e à adoção e ter ações de combate à violência homofóbica. Segundo estatísticas não oficiais, estimadas pelos movimentos sociais, uma pessoa morre no Brasil a cada 48 horas por causa da intolerância e do preconceito contra homossexuais.

Oscar Vilhena: Movimento dos Direitos Humanos sofre crise de identidade



Oscar Vilhena
São Paulo
Nome: Oscar Vilhena
Idade: 44 anos
Local de nascimento: Taubaté, São Paulo
Profissão: advogado, professor, diretor executivo da ONG Conectas Direitos Humanos
Formação: Possui graduação em direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1988), mestrado em direito pela Universidade de Columbia (1995), mestrado em ciência política pela Universidade de São Paulo (1991), doutorado em ciência política pela Universidade de São Paulo (1998) e pós-doutorado em direitos humanos pelo Centre for Brazilian Studies (Oxford University).

Qual a situação dos direitos humanos no Brasil hoje? Como se desenvolveram e evoluíram os direitos humanos desde a redemocratização do país? O que a segurança pública tem a ver com todo esse debate? E ainda: de que forma a polícia e o governo podem contribuir para que os direitos humanos sejam respeitados? Para responder a essas e outras perguntas, a equipe do Fórum Brasileiro de Segurança Pública convidou o advogado Oscar Vilhena para um bate-papo na sede da instituição, em São Paulo.

Apesar de o direito constitucional ser sua principal área de atuação e pesquisa, Vilhena tem uma extensa biografia ligada aos direitos humanos. Trabalhou na Comissão Teotônio Vilela nos anos de 1980, exerceu o cargo de secretário-executivo do Ilanud (Instituto Latino Americano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente) e foi procurador do Estado de São Paulo por 11 anos. Além disso, deu aula de direitos humanos na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e ajudou a fundar a organização não-governamental Conectas Direitos Humanos, na qual hoje é diretor executivo. Atualmente é também professor da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas.

Integrante do corpo de associados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Vilhena é autor de diversos livros, entre eles "Direitos Fundamentais: uma Leitura da Jurisprudência do STF". Em cerca de duas horas de entrevista, o advogado relembrou sua trajetória, fez um panorama dos direitos humanos no Brasil e analisou a questão da segurança pública e os problemas que atingem nossas polícias.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

PERGUNTA - Como se deu sua aproximação com os direitos humanos?

OSCAR VILHENA - Entrei na faculdade em 1984 e peguei o rabicho do regime militar. Fui parar em direitos humanos devido a uma conjunção de razões. Uma é muito familiar: meus pais são de uma outra geração que fez PUC e militou em movimento estudantil. Tinha uma coisa de catolicismo progressista em casa. Lembro que eram todos contra o regime militar. Sou de Taubaté, mas, no período de transição para a democracia, meu pai veio para São Paulo trabalhar no governo Montoro. Ou seja, o ambiente de casa era favorável aos direitos humanos.

Quando estava no quinto ano de faculdade de direito na PUC, resolvi abandonar o curso, pois achava meus professores todos uns reacionários. Aí fui conversar com o Paulo Sérgio Pinheiro [advogado, cientista político, professor e pesquisador de universidades como USP e Unicamp], que tinha uma coluna no jornal Folha de S. Paulo chamada "Escritos Indignados", sobre direitos humanos. Ele disse que eu estava louco por querer abandonar o direito (risos). Terminei o curso e entrei no mestrado em ciência política na Universidade de São Paulo (USP), e logo o Paulo Sérgio me convidou para ser secretário-executivo da Comissão Teotônio Vilela [organização não-governamental criada em 1983, em São Paulo, que atua na defesa dos direitos humanos]. Ou seja, existia um ambiente familiar e político favorável a uma aproximação com os direitos humanos. Era um período muito rico politicamente, com as passeatas na Praça da Sé, o movimento das Diretas Já. Isso colaborou muito com minha formação.

Minha área sempre foi direito constitucional. Trabalhava num escritório de direito constitucional e acompanhei o trabalho da Constituinte muito de perto. Se por um lado tenho uma vida ligada aos direitos humanos por militância política, nunca escrevi nada sobre direitos humanos. Não é minha área de interesse acadêmico, minha área sempre foi o direito constitucional. Paralelamente também trabalhava na Comissão Teotônio Vilela.

O Paulo Sérgio Pinheiro me fez enxergar de forma muito clara que o fim do regime autoritário não era o início de uma democracia. O fim do regime autoritário não era o início do Estado de direito. Ele me ajudou a ver que essa democracia brasileira encobre um autoritarismo social muito forte. Isso foi fundamental na minha formação dos direitos humanos: perceber que os grupos vulneráveis dentro de um regime democrático continuam ser tão vítimas, ou até mais vítimas, da violação dos direitos humanos que os próprios opositores dos regimes autoritários.

PERGUNTA - Isso é uma percepção fundamental para se compreender a evolução das violações de direitos no país, não?


OSCAR VILHENA - Nós não sabemos estatisticamente como era a relação das polícias, durante o regime autoritário, com as populações mais carentes. Há uma impressão geral de que nunca houve um consenso de que as classes populares são sujeitos de direitos.

O Brasil era, até os anos de 1960, um país majoritariamente agrário, quando então começa a se dar o fenômeno da urbanização. E isso se deu dentro de um processo de crescimento econômico muito forte, ao lado de uma estrutura repressiva. Quando o país se redemocratiza e você tem junto uma crise econômica, temos um problema de que as vastas áreas urbanas em torno das principais cidades passam a ser zonas de conflito violento. Várias coisas ocorreram ao mesmo tempo: primeiro, uma crise econômica com uma nova urbanização. Segundo, uma transformação cultural: deixamos de ser um país tradicional, em que as hierarquias sociais funcionavam muito bem e passamos a ser um país desorganizado do ponto de vista das hierarquias. É um processo de democratização social, mas é também um processo de desajuste. Você passa a não contar mais com a religião, a submissão voluntária.

As mudanças demográficas são muito importantes ao se analisar isso. Ao sair da roça, a pessoa não tem mais as estruturas culturais de contenção que inibem a prática de determinados crimes. Há países que são muito pobres, mas os índices de violência são baixos. Onde houve grandes deslocamentos, acabam-se os mecanismos de contenção social. Você não é mais parte daquele grupo ao qual teme. Você passa a ser um cara que se deslocou para a periferia de uma cidade grande e não há mais ninguém para quem você deve prestar contas, não há mais a comunidade. Esse processo de urbanização deu-se no Brasil, encavalando-se com outros fatores, como uma crise econômica fantástica. Há, então, uma desagregação social profunda.

PERGUNTA - O Brasil se moderniza, mas isso acarreta uma leva de graves problemas sociais.

OSCAR VILHENA - O Brasil se modernizou e abdicou de ser um país tradicional onde a repressão social estava presente. Isso foi ótimo, maravilhoso, pois o país estava se modernizando. Por outro lado isso gerou um novo fenômeno. Se você não tiver como integrar essas pessoas socialmente, seja no mercado de trabalho ou urbanamente falando, de ter uma casa onde morar, então a pessoa perde todos os parâmetros nessa nova lógica democrática. É um processo positivo, mas há nele um ponto de transição dramático, ainda mais quando esse ponto de transição dá-se dentro de uma esfera de crise econômica.

Isso gera, por parte da polícia e por parte da sociedade em geral, uma demanda de contenção. E essa demanda vai fazer com que uma polícia que está saindo de um regime autoritário utilize dos meios aprendidos durante esse regime autoritário. E aí temos esse cenário assustador de violação por parte da polícia.

PERGUNTA - Na época, percebeu-se que isso estava acontecendo?

OSCAR VILHENA - Na época começamos a detectar que isso era um problema central: as polícias estavam buscando superar sua própria incompetência em controlar a criminalidade com a exarcebação da violência. A polícia buscava superar sua própria incapacidade de conter a criminalidade com a exacerbação da violência, especialmente a Polícia Militar. A Polícia Civil tem uma outra trajetória, que é também a de usar a violência, mas de uma outra forma, principalmente para a extorsão, para também superar sua incapacidade investigativa. Ela não sabia investigar, mas o mundo tinha mudado completamente. Instrumentos que ela tinha eram aqueles que vieram do regime militar, como a tortura, então ela transfere isso para a prática cotidiana.

PERGUNTA - Como você analisa a situação dos direitos humanos hoje no Brasil?

OSCAR VILHENA - Enquanto houve um avanço muito forte na área da academia, no pensamento sobre a polícia, houve um afastamento mútuo entre as pessoas que falam sobre polícia e aquelas que falam sobre direitos humanos.

Houve um crescimento muito grande da violência nos centros urbanos. O Brasil se despede de uma sociedade onde você podia sair na rua sem medo para uma outra onde as pessoas sentem-se aterrorizadas. Isso comprimiu muito o espaço de discussão dos direitos humanos no Brasil. As grandes comissões, os grandes grupos formados no período militar, especialmente com a subvenção política e financeira da Igreja, vão ficando acuados nesse discurso.

Houve um marasmo no movimento de direitos humanos strito sensu nos anos de 1990 no Brasil. Acho que as organizações de direitos humanos perderam totalmente a mão, perderam o mandato, não sabiam mais como fazer. Diante de uma classe média atemorizada pelo crescimento da violência, essas organizações perderam o ímpeto de colocar a questão dos direitos humanos de uma forma contundente. O espaço na mídia também diminuiu. O discurso das organizações de direitos humanos ficou reduzido. Para os padrões de violência que nós temos, o grau de reclamo social por violência policial ainda é pequeno.

Isso não quer dizer que a sociedade civil não estava se articulando. A Constituição de 1988 abriu espaço para outros temas de direitos humanos, como o tema da mulher, por exemplo. O avanço que você tem na questão do direito da mulher nestes 20 anos é impressionante. O movimento gay também tem uma explosão. Não é que o movimento de direitos humanos como um todo se fragilizou, mas uma de suas partes, que era a parte central, a meu ver se fragilizou. Ou ele se pulverizou em outras demandas, como a do movimento negro, dos gays, dos deficientes, das mulheres.

Em relação aos novos temas, aí se trata de algo magnifico. Pense, por exemplo, no que aconteceu na área indígena. O problema indígena continua existindo, mas a pedra central desse problema, que era a demarcação das terras, foi feita. O tema das mulheres também: elas saem de um patamar de menos educação que os homens e hoje elas têm mais educação que os homens. O tema gay, que era inexistente, hoje é impressionante, com o STJ reconhecendo que casais gays podem adotar. Ou seja, o Brasil modernizou-se, com diversos temas sociais entrando na agenda. Hoje temos ação afirmativa para garantir direitos de pessoas de cor. Essa é minha visão, muito entusiasmada, de que houve uma forte mudança. Assim como houve no tema da segurança uma forte qualificação dos quadros para pensar seus problemas, também houve isso na área da sociedade civil.

Mas acho que, no ponto específico da violência, nós perdemos espaço.

PERGUNTA - Uma parte significativa da população aprova e apoia ações violentas da polícia. Quando a polícia mata, elas dizem que não teve outro jeito, como se a polícia não pudesse agir de uma maneira diferente e como se isso não fosse uma pauta a ser discutida.

OSCAR VILHENA - É isso o que estou falando sobre a questão da falta de espaço. Veja, por exemplo, a questão da mídia: se você, como organização de direitos humanos, quiser estar presente na mídia, é fácil. Basta servir ao espaço reativo. Morre uma pessoa, a mídia chama um especialista em direitos humanos, depois chama alguém da PM e você vai para uma briga em que cada lado acha que ganhou. Agora se você for olhar qual a opinião da população sobre o assunto, vai ver que foi massacrado. Precisamos tomar cuidado para não ser mais sparrings. E esse era um pouco a visão do Ilanud, de ter um discurso sobre direitos humanos que alinhave com o discurso da segurança pública. Temos de falar: polícia comunitária é melhor, vai garantir uma polícia honrada, honesta, vai melhorar as investigações. Ou seja, você tem de ter um discurso de polícia para poder ter um discurso de direitos humanos, do que simplesmente dizer que a polícia não pode matar.

A Conectas e a Justiça Global são duas organizações resistentes. A Conectas teria muito mais dinheiro se fosse falar de outra coisa. O movimento continua, mas o espaço social desses grupos não é grande. São grupos com pouco apoio de uma elite liberal.

O Brasil é um país complicado de você constranger moralmente. É uma crise de identidade muito forte a dos direitos humanos. Há um declínio fortíssimo na percepção de que os direitos humanos são algo importante.

PERGUNTA - Já em relação aos movimentos pró-juventude, você acha que perderam ou ganharam espaço?

OSCAR VILHENA - O movimento pró-Estatuto da Criança e do Adolescente tem um segmento de institucionalidade mais forte. Eu, que sou um advogado mais institucionalista, acredito que a sociedade se organiza em torno das instituições que ela arma. A Constituição de 1988 e o ECA armam um sistema. Em primeiro lugar, impactam completamente a estrutura do Ministério Público. Esse era um não-problema para o MP, que passa a ser protetor. O MP não é um aparato à toa. Você pode ter várias críticas a ele, mas ele é grande, institucional e forte nas suas relações. Hoje temos cerca de 14 mil promotores no Brasil, sendo que uma parte deles tem como foco a criança e o adolescente. Evidente que isso gera um grau de institucionalidade da defesa desses interesses que é maior que dos direitos humanos latu sensu, porque não existe promotor dos direitos humanos, apenas da cidadania. Por que não tem? Ninguém quer colocar a mão nessa cumbuca.

A Andi (Agência de Notícias dos Direitos da Infância) também criou algo fantástico, porque até então o tratamento do tema na mídia era um desastre. É fantástica a mudança da mídia após a criação da Andi, ela aprendeu a lidar com esse problema e a cobrar. Avançamos muito.

Evidentemente que há um lado em que menos avançamos, que é o lado do jovem em conflito com a lei.

PERGUNTA - Com exceção do jovem infrator, né?

OSCAR VILHENA - Claro. Todo mundo que te ameaça é demonizado. Se você cai nessa categoria, ninguém te protege. A não ser grupos muito expostos, que estão muito dispostos a comprar briga, mas mesmo assim ficam acuados.

PERGUNTA - Pela sua fala, a questão da violência policial é um dos maiores, senão o maior, tema de violação de direitos humanos no Brasil atual. Como você entende a chave para tratar essa questão? É uma chave de retomar a legitimidade do Estado, com a sociedade civil, é de reformar a polícia?


Essa resposta vale um milhão de dólares (risos). O problema da polícia no Brasil não é só que ela é altamente arbitrária, mas também altamente ineficiente. E me parece que há uma relação muito forte entre essas duas coisas. A polícia que é violenta e corrupta não é confiável. Não sendo confiável, ela não consegue desempenhar sua função de contribuir e compartilhar dos projetos da sociedade, de poder interferir com eficiência.

Alguns setores da polícia percebem isso e avançam. Outros, não é que eles não percebem isso, é que eles se beneficiam dessa estrutura de corrupção e violência. Eles não têm interesse em mudar. Por que todos nós sabemos que as polícias são pouco eficientes e elas não mudam? Porque a ineficiência encobre outros elementos de interesse.

A polícia é difícil de ser reformada porque as pessoas, ainda que saibam que ela não funciona bem, têm interesses entrincheirados nesse particular modo de funcionamento. São interesses às vezes corruptos, às vezes meramente corporativos. Mexer na Polícia Militar é um negócio fantasticamente difícil no Brasil. Ela tem interesses corporativos, seu orçamento é organizado de uma determinada maneira, ela não está de acordo exatamente com todas as regras que o direito administrativo estipula de transparência. É uma briga. Você vai querer tocar nisso? São interesses entrincheirados de uma grande corporação poderosa, da qual grande parte dos governadores são reféns. O que acontece hoje se houver uma rebelião na Febem? Quem o governador vai chamar? Claro, então, que seus interesses sejam em certa medida preservados.

Já a Polícia Civil perdeu muito do seu espaço social, por incompetência, ou seja, por não produzir algo que é socialmente relevante. A expectativa de que algo seja feito quando se procura a Polícia Civil é muito baixa. Isso não é achismo: basta pegar as pesquisas de vitimização e você vai ver o grau de confiança que as pessoas têm na Polícia Civil. Ao meu ver, é isso: estamos em uma situação onde as instituições são mecanismos de bloqueio, com uma capacidade de bloquear muito elevada. O custo político de uma reforma é altíssimo. Por isso é que muitos desta minha geração falam em modernização, em treinamento, porque a possibilidade de uma reforma institucional, de redesenhar as instituições, é muito baixa. Em vez de falar em reforma institucional, falamos em polícia comunitária, por exemplo.

Evidentemente que tem gente que quer mudar. Mas como é que aqueles que se beneficiam do sistema e que tem seu poder decorrente desse sistema pensam? Acho que a Polícia Militar está mais à frente, porque ela tem percebido que sua desligitimação social foi tão grande que, se ela quiser continuar tendo espaço, tem de melhorar. Há muitos oficiais jovens que querem melhorar, mesmo que não falem publicamente.

PERGUNTA - Um grupo de parentes de desaparecidos da Guerrilha do Araguaia levou o caso para a Corte Interamericana de Direitos Humanos, da OEA (Organização dos Estados Americanos). Esse tipo de iniciativa traz algum resultado? Em outras palavras, isso serve para alguma coisa?


As pessoas costumam não levar muito a sério o sistema internacional. Mas, no caso do Carandiru, que foi levado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o Brasil terminou fazendo um acordo amigável. Esse acordo amigável não é público. Não sabemos exatamente seu conteúdo. Mas o interessante é que nesse acordo estava, por exemplo, a demolição do Carandiru. Estava a indenização das vítimas. Estava o fim da justiça militar, além da criação de uma lei contra a tortura. Se você pegar a agenda pós-Carandiru, as vítimas do massacre foram administrativamente indenizadas, a Casa de Dentenção foi derrubada, a justiça militar teve uma parcela de sua jurisdição tirada, ou seja, um imenso sucesso.

É um efeito bumerangue: você joga o bumerangue no sistema internacional e aí ele volta, ajuda, potencializa mudanças internas. Às vezes funciona, outras vezes não funciona. A estratégia é saber de que modo você se apropria dele quando ele volta. Mas se trata de um sistema subsidiário, ele não pode substituir nada. O que importa é o juiz que vai lá toda semana, é o promotor que fiscaliza os casos de violência policial e processa. O sistema interamericano é pequenino, ele é para julgar um grande caso, não o caso do dia-a-dia.