terça-feira, 28 de junho de 2011

País terá Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública

Política

Daniella Jinkings
Repórter da Agência Brasil

Brasília - O governo federal pretende lançar nos próximos meses o Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública. A ferramenta, anunciada em fevereiro pelo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, prevê um sistema de informação com dados atualizados de segurança pública e padronização do registro de ocorrências no país.

De acordo com a secretária nacional de Segurança Pública, Regina Miki, o sistema já está pronto, porém precisa ser aprovado pela presidenta Dilma Rousseff. "Todas as medidas têm passado por ela [a presidenta]. Estamos com tudo pronto, devemos submeter à presidenta e tendo o aval dela, faremos o lançamento", disse à Agência Brasil.

A secretária acredita que o sistema só terá êxito se houver a cooperação dos estados. "Precisamos de parcerias qualitativas. Uma parceria que mude a vida do cidadão lá na ponta". Segundo ela, as estatísticas apresentadas internacionalmente apontam que o Brasil tem um índice de 50 mil homicídios por ano. "Isso é prejudicial para quem quer grandes eventos no país."

Além do sistema de informações, o Ministério da Justiça está trabalhando na criação de um plano de combate ao alto índice de homicídios. O objetivo, segundo Regina Miki, é investir na capacitação da perícia, na investigação aprimorada de crimes e no combate à  impunidade. "Sem dúvida, uma mola impulsora de crime é a pessoa saber que não tem punição".

Entre as ações de segurança pública no país, o monitoramento das fronteiras é uma das prioridades da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp). De acordo com Regina Miki, um diagnóstico feito pelo Ministério da Justiça estima que houve aumento de 25% dos crimes de homicídio nas áreas de fronteira. "Já é um indício de que os crimes transnacionais têm reflexo no dia a dia do cidadão brasileiro. A taxa de homicídios em zonas que não fazem fronteira cresceu apenas 8%", disse.

No último dia 8, o governo federal lançou um plano que pretende intensificar o patrulhamento nessas regiões. O Plano Estratégico de Fronteiras terá operações integradas e coordenadas pelos ministérios da Justiça e da Defesa.

Segundo a secretária, alguns estados fronteiriços não compreenderam a ação do governo federal e acharam que o plano foi lançado sem consulta prévia aos governos dos estados. "A realidade não foi essa. O que fizemos foram ações lançadas para que pudéssemos ter um diagnóstico mais preciso das fronteiras."

A área de atuação do plano abrangerá mais de 2,3 milhões de quilômetros quadrados, o que equivale a 27% do território nacional. As ações cobrirão os principais pontos da linha de fronteira, cuja extensão é de 16.886 quilômetros. A faixa de fronteira brasileira se projeta por 150 quilômetros para dentro do território nacional, a partir da linha divisória com os dez países vizinhos, compreendendo 11 estados, 710 municípios e abrangendo uma população de 10,9 milhões de pessoas.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Apresentar preso em flagrante ao juiz evita abusos

Apresentar preso em flagrante ao juiz evita abusos

Integrantes do Conselho Nacional de Justiça têm discutido um projeto de Proposta de Emenda Constitucional para que logo após a prisão em flagrante, os presos sejam apresentados diretamente ao juiz. Com a entrevista pessoal, e não a mera análise da cópia do auto de prisão em flagrante, especialistas dizem que a integridade do preso seria mais bem garantida.

O defensor público do estado de São Paulo, Carlos Weis, considera a proposta necessária porque cumpre o artigo 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos (Pacto de San Jose da costa Rica) e 9.5 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, que preveem que a pessoa presa seja levada o mais rápido possível à presença do juiz. Ambos documentos foram ratificados pelo Brasil.

"A entrevista física, logo após a prisão, é um compromisso jurídico assumido pelo país, e até agora o Brasil está descumprindo isso", explica. De acordo com Weis, para cumprir as normas internacionais, já reconhecidas pelo Supremo Tribunal Federal como supralegais, bastaria a regulamentação por ato administrativo do Conselho Nacional de Justiça. Contudo, ele admite que a PEC é um instrumento interessante nesse caso, já que a incorporação "afastaria qualquer dúvida quanto à incompatibilidade do tratado com a Constituição", que, por sua vez, só prevê que a prisão deve ser comunicada ao juiz.

Segundo o defensor público, a maior utilidade da medida é fazer do juiz um garantidor da integridade pessoal do preso e da legalidade da prisão. Isso porque evita a ocorrência de tortura e outros tipos de tratamentos desumanos, além da corrupção policial, que infelizmente acontecem no país.

O desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Geraldo Prado, explica que levar o preso à presença do juiz não é o mesmo que comunicar a prisão ao juiz. Segundo ele, a diferença está no propósito da primeira, de assegurar a integridade física e psíquica do preso, prevenindo e evitando a tortura, além de possibilitar o controle da legalidade da prisão, incrementando "a responsabilidade de todos os envolvidos com a custódia", e permitindo o imediato contato do preso com um defensor.

O desembargador observou que a Lei 12.403/2011, de 4 de maio, que institui as medidas cautelares a serem adotadas no lugar da prisão, mantém o regime da "comunicação" e não o da "apresentação".

Precedentes perigosos
Considerando que essa é uma possibilidade do preso explicar sua versão dos fatos, outro defensor público do estado de São Paulo, e professor da PUC-SP, Gustavo Junqueira questiona: "a quem interessa que o preso em flagrante não seja apresentado diretamente ao juiz?".

O defensor lembra que Honduras e Equador já foram condenados pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por descumprir essa mesma questão. As decisões são baseadas nos princípios do controle judicial e da oralidade, e é considerado que a medida é essencial para a proteção dos direitos a liberdade, vida e integridade. "O simples conhecimento judicial de que uma pessoa está detida não satisfaz essa garantia." Em Tibi x Equador, o Estado foi condenado porque o cidadão foi apresentado a um "escrivão público" e não a um juiz.

A norma existe nas Constituições da Alemanha e da África do Sul. Na segunda parte do artigo 104 da Constituição alemã está expresso que o juiz, depois de ouvir o detido, deve, "sem demora, emitir ordem escrita de prisão ou ordenar a libertação do detido". No artigo 35.1 da Constituição sul-africana é dito que os presos em flagrante devem ser levados perante o juiz o mais rápido possível, em até 48 horas depois da prisão.

Prática
O juiz maranhense Douglas de Melo Martins já adota essa atitude nas comarcas em que atua, e comparou um plantão criminal em São Luís no qual praticou a entrevista, com um em que outro juiz não fez o mesmo. No primeira caso foram soltos 53,85% dos presos (21 dos 39 apresentados), e no segundo só 7,14% (2 de 28).

Ele contou o caso de um surdo-mudo preso em flagrante por tentar assaltar uma passageira de um ônibus. Apesar do flagrante estar formalmente correto, o juiz pediu uma intérprete junto ao Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos para entrevistá-lo. Assim, foi informado pelo surdo-mudo de que estava em meio a uma briga com sua esposa e nem percebeu o assalto. Com esse relato, ele ganhou liberdade.

Em outra situação, o dono de um pequeno mercado foi preso em flagrante por receptação porque no seu estabelecimento comercial foram localizados produtos furtados de um supermercado. Ao ser ouvido pelo juiz logo após a prisão, mostrou ter notas fiscais dos itens e foi posto em liberdade.

O juiz considera que o maior dos efeitos da apresentação do preso em flagrante é a inibição da violência policial. Nesse sentido, conta que quando atua dessa forma, não entrevista nenhum preso machucado.

Letra morta
A redação atual do Código de Processo Penal obriga a Polícia a comunicar imediatamente a prisão ao juiz, com o envio da cópia do auto de prisão em flagrante em 24 horas.

Segundo Alexis Couto de Brito, professor de Direito Penal e Processo Penal do Mackenzie, muitas vezes nem essa obrigação é cumprida. Isso porque não há plantão judiciário de 24 horas, e em muitas cidades brasileiras, caso a prisão aconteça em uma sexta feira à noite, a cópia do auto somente será enviada na segunda-feira.

Apesar de observar que do ponto de vista jurídico a medida prestigia os direitos fundamentais e o Estado democrático de Direito, ele diz que a mudança sofre um entrave material.

De acordo com Brito, para se obrigar a apresentação do preso imediatamente deve-se instituir um plantão 24 horas do Judiciário em todas as comarcas do país, pois muitas prisões são efetuadas durante a madrugada, finais de semana e feriados. "Não sei se do ponto de vista prático isto seria possível e daí a alteração poderia ser letra morta, já que apenas algumas cidades poderiam cumprir." 

No que diz respeito à viabilidade da proposta, o defensor público Carlos Weis deixa claro que "é capaz que o Poder Judiciário não esteja apto a entrevistar todos os presos imediatamente, mas isso não significa que não possa ser feito, pelo contrário. O Estado precisa se reorganizar para atender a novas obrigações".

Inutilidade defensiva
O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiro (AMB) e desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, Nelson Calandra, discorda da necessidade da medida. "Me parece demasiado, em pleno século 21, quando se fala em interrogatório por vídeoconferência, passar a movimentar presos para cumprir formalidade que só deve existir quando o juiz tem dúvidas, inclusive sobre a integridade do preso, após recebido a cópia do flagrante", opina.

Para Calandra, a mudança não é muito útil e vai acabar por atrasar mais ainda a instrução processual penal de maneira mais custosa e perigosa, com o transporte e escolta dos presos. Ele lembra que os presos são submetidos a exames médicos antes de serem recolhidos à prisão, e os juízes e membros do Ministério público são obrigados a fiscalizar os estabelecimentos prisionais. Além disso, os advogados sempre podem pedir o relaxamento da prisão, e se o juiz entender necessário, pode requisitar a presença do preso.

Para ele, a grande finalidade da proposta, que a prisão processual só seja decretada quando estritamente necessário, já é garantida pelo ordenamento jurídico atual, inclusive pela lei 12.403, de 4 de maio, que estipula diversas medidas cautelares a serem adotadas antes da prisão.

Calandra lembra que países que adotam a medida como Alemanha e África do Sul são infinitamente menores do que o Brasil, e têm realidades sociais e financeiras muito diferentes. "Temos que procurar resguardar os direitos dos presos sim, mas pelas formalidades já existentes na lei", expõe.

De pacto em pacto - Míriam Leitão


Coluna no GLOBO

De pacto em pacto

O crime se infiltra na Amazônia, mesmo nas instituições criadas pra combatê-lo. Os elos se misturam e fortalecem a corrente que abate diariamente a floresta. A cada reportagem, um flagrante; a cada estudo, uma nova prova do velho problema: a mistura do legal com o ilegal na cadeia produtiva vai lavando os crimes. O Brasil avança no combate, mas é mais lento que o crime.

O Observatório Social divulgou esta semana outro estudo que começou num local emblemático: Nova Ipixuna, Pará. Lá, desembarcaram em março dois repórteres, Marques Casara e Sergio Vignes. Lá, em maio, foram assassinados dois ambientalistas, José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo. Os jornalistas investigavam o crime de uso de carvão vegetal ilegal na cadeia produtiva do aço, encontraram fornos ilegais e constataram, pelo cruzamento de dados, que as siderúrgicas do Pólo de Carajás estão usando carvão ilegal. José Cláudio e Maria denunciavam o desmatamento ilegal e foram mortos depois de avisarem que estavam marcados para morrer.

O país avança; aos poucos. O progresso usa a estratégia de construir redes de constrangimento e pressão sobre os criminosos. Mas os elos da cadeia do crime têm sido persistentes e há momentos em que se pensa que eles vencerão no final.

No documento do Observatório Social, como em outros que já foram divulgados com o mesmo objetivo, há motivos para desânimo e alívio. A boa notícia é que outras investigações que mostravam a conexão entre grandes empresas e os crimes trabalhistas e ambientais acabaram provocando pactos que permitiram avanços no combate ao trabalho escravo e degradante e ao desmatamento ilegal. Foi com movimentos assim que empresários, ONGs, governos, OIT, Ministério Público assinaram o pacto contra o trabalho escravo em 2004. Ele diminuiu o número de casos; mas não acabou com o absurdo. Houve denúncia contra a soja brasileira; compradores internacionais pressionaram, foi assinada a moratória da soja. Através dela as grandes empresas do setor se comprometeram a não comprar soja de área de desmatamento recente. Houve denúncias de que os grandes frigoríficos compram rebanhos que pastam em áreas desmatadas ilegalmente. Os supermercados foram cobrados pelos consumidores. Alguns aderiram ao compromisso contra a carne de desmatamento; outros, não. O Ministério Público iniciou então a campanha da Carne Legal. Impactantes anúncios mostravam a ligação entre o prato do consumidor e a prática ilegal. Tudo isso vai empurrando o país para a legalidade, apesar de todas as forças que se unem para manter o atraso.

Há casos revoltantes de políticos impunes ou cúmplices; de atrasos inaceitáveis em julgamentos; de perseguição a funcionários do Ministério do Trabalho ou do Ibama que apenas querem que a lei seja cumprida; de denúncias do Ministério Público não levadas em conta; de empresas que fazem vista grossa porque assim reduzem o preço dos seus insumos. De vez em quando o Brasil avança.

Um desses passos à frente foi dado quando houve a primeira denúncia contra trabalho escravo e desmatamento ilegal na indústria siderúrgica brasileira. O centro do problema era em Carajás. Ainda é. Foi criado depois da denúncia sobre os "Escravos do Aço" o Instituto Carvão Cidadão. O objetivo do ICC é exigir que todas as siderúrgicas de Carajás se comprometam a não comprar carvão ilegal, e a verificar se seus fornecedores respeitam as leis trabalhistas, garantem equipamentos de proteção aos operários e usam madeira de extração legal. Houve avanços.

O Observatório Social voltou lá em março e constatou que o crime continua. Marques Casara me disse no programa Espaço Aberto, da Globonews, que algumas das siderúrgicas locais não cumprem o que elas mesmas prometeram e lavam o crime na sua produção. Como? Misturando carvão legal, cascas de babaçu e carvão produzido em fornos ilegais. Tudo misturado faz a liga do ferrogusa que depois é exportado: 90% dos produtos de siderúrgicas como a Sidepar e Cosipar são comprados por grandes consumidoras e traders de aço como a ThyssenKrupp, NMT e Nucor Corporation. Empresas que fornecem para as grandes montadoras de automóveis americanas.

A diretora de sustentabilidade do Instituto Aço Brasil, Cristina Yuan, me disse que as produtoras de ferro-gusa do Pólo de Carajás não fazem parte da associação, que reúne apenas as grandes indústrias siderúrgicas do país. Ela garante que todo o carvão usado pelas empresas do Instituto Aço Brasil vem de florestas plantadas ou de manejo. E de fato não são elas as acusadas neste estudo. Para se separar das empresas desse grupo é que o antigo Instituto Brasileiro de Siderurgia trocou o nome para Instituto Aço Brasil.

Segundo Casara, a Vale foi procurada antes da divulgação do estudo. Ela é a única fornecedora de minério de ferro para as guseiras do Pará. A empresa disse que vai investigar a denúncia. Em outros momentos a Vale assinou pactos e assumiu compromissos de só fornecer a guseiras que não usam carvão ilegal. Tomara que a Vale investigue logo. Pelos dados do relatório, como se viu na imprensa, se forem cruzados os montantes de ferro-gusa produzido com o total de carvão legal registrado fica claro que grande parte do carvão é ilegal. Só em Nova Ipixuna os dois repórteres encontraram 500 fornos ilegais.

Toda vez que uma investigação ilumina a cadeia produtiva lá encontra os elos da cadeia do crime trabalhista e ambiental. A cada empurrão o Brasil avança um pouco. Essa é a esperança.


quinta-feira, 23 de junho de 2011

Brasil é principal rota de passagem da cocaína rumo à Europa, diz relatório

Brasil é principal rota de passagem da cocaína rumo à Europa, diz relatório

Atualizado em  23 de junho, 2011 - 11:40 (Brasília) 14:40 GMT
Cocaína (PA)

Carregamentos brasileiros de cocaína interceptados na Europa subiu de 25 para 260 em 4 anos

Um relatório da agência da ONU sobre Drogas e Crime (UNODC) divulgado nesta quinta-feira aponta que o Brasil foi o principal país usado por traficantes para transportar a cocaína produzida na região dos Andes para a Europa.

Segundo o Relatório Mundial sobre Drogas, o número de carregamentos de cocaína advindos do Brasil interceptados na Europa saltou de 25 (ou 339kg), em 2005, para 260 (1,5t), em 2009.

O documento afirma que o Brasil foi citado pela Organização Mundial das Aduanas como um dos mais importantes centros de distribuição mundiais de cocaína, ao lado da Venezuela, do Equador e da Argentina, tendo registrado "crescente importância" no transporte da droga para a Europa em 2009.

Ainda de acordo com o órgão, o Brasil foi o único país sul-americano de onde partiram carregamentos de cocaína interceptados na África em 2009.

O maior uso do Brasil como rota de passagem de cocaína para a Europa também se traduz no crescimento das apreensões da droga no território brasileiro, que passaram de 8t em 2004 para 24t em 2009, das quais 1,6t foi apreendida em cinco interceptações de aviões.

O relatório aponta ainda que o Brasil foi o país que registrou maior apreensão de crack nas Américas. Em 2009, foram interceptados 374kg da droga no Brasil, número bastante superior aos do Panamá (194kg), Estados Unidos (163kg) e Venezuela (80kg).

No início deste mês, o governo lançou o Plano Estratégico de Fronteira. O objetivo é desenvolver uma ação coordenada entre as Forças Armadas, Polícia Federal, Força Nacional e Polícia Rodoviária Federal nas divisas do Brasil com os países vizinhos, para combater o tráfico de drogas e os crimes de fronteira.

Plantio em queda

Apesar do aumento nas apreensões e cocaína no Brasil, o relatório indica que o plantio de coca (matéria-prima da droga) na região andina caiu 32% nos últimos dez anos, e 16% entre 2007 e 2010.

Em 2010, a planta foi cultivada em 149.100 hectares, ante 221.300 hectares em 2000. O documento atribui o declínio principalmente à queda na produção na Colômbia, que, ao lado de Peru e Bolívia, concentra quase todas as áreas de plantio da coca no mundo.

A redução das áreas cultivadas de coca foi acompanhada pelo declínio nas apreensões de cocaína na América do Norte, principal mercado da droga. Houve queda de 43% nas interceptações entre 2005 e 2009, o que, segundo a UNODC, reflete "a redução generalizada do mercado de cocaína na região".

Por outro lado, no mesmo período, houve na América do Norte aumento das apreensões de anfetaminas (87%), ecstasy (71%), maconha (32%) e heroína (19%).

Anfetaminas e ecstasy

O relatório aponta ainda diminuição nos fluxos de anfetaminas e de ecstasy da Europa para a América do Sul, já que a produção local dessas drogas estaria crescendo.

A UNODC afirma que frequentes carregamentos de metanfetamina de países da África Ocidental (especialmente a Nigéria) para vários destinos no leste e sudeste asiático vêm se tornando uma preocupação internacional.

Também segundo o órgão, a Ásia tem se transformado numa das principais conexões para a produção e o tráfico de ATS (estimulantes sintéticos do grupo das anfetaminas), tendo registrado 64% de todas as apreensões mundiais em 2009.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Defensoria Pública ouvirá ameaçados de morte no Pará para inclusão em programa de proteção

COMBATE À CONFLITOS

Defensoria Pública ouvirá ameaçados de morte no Pará para inclusão em programa de proteção

Agência Brasil - 20/06/2011 - 14h57


O grupo de nove pessoas escoltadas do assentamento de Nova Ipixuna até Marabá (PA), pela Força Nacional, deve ser ouvido até terça-feira (21/6) pela Defensoria Pública do Pará. Todas foram ameaçadas de morte, supostamente por pessoas ligadas a madeireiras da região. A ação da Força Nacional fez parte da Operação Defesa da Vida, estratégia para combater conflitos agrários nos estado do Pará, de Rondônia e do Amazonas.

De acordo com o defensor público Márcio da Silva Cruz, coordenador do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado do Pará, "todos já estão protegidos provisoriamente", mas a situação definitiva só será conhecida depois das entrevistas previstas para esta segunda-feira (20/6) e  terça-feira (21/6).

Uma das pessoas escoltadas foi a irmã do extrativista José Cláudio Ribeiro da Silva, morto no mês passado em Nova Ipixuna, após sofrer uma emboscada ao lado da esposa Maria do Espírito Santo.

Desde a última sexta-feira (17/6) as nove pessoas ameaçadas estão em Marabá. "Ainda estamos [os defensores] em Belém, mas até as 16 horas de amanhã (21), teremos atendido a todos no local. Todos serão entrevistados para que saibamos se as ameaças sofridas estão relacionadas à militância em direitos humanos. Depois veremos em que estratégia de proteção cada um se encaixará", informou Cruz.

A inclusão no programa de proteção a pessoas ameaçadas de morte será decidida pela coordenação estadual do núcleo, formada por diversos órgãos federais, estaduais e entidades da sociedade civil. "Atualmente há, no Pará, sete pessoas sob proteção e outra 16 que tiveram a proteção autorizada pela coordenação estadual, mas que ainda não foi implementada pelos órgãos de segurança."

Para terem escolta 24 horas por dia, pessoas ameaçadas precisam aderir voluntariamente ao programa. "O programa tem regras, já que não podemos impor proteção a ninguém. Ou seja: a pessoa tem de aceitar essa proteção. Como ainda não temos o panorama deles, estamos aguardando a conversa para decidir o que fazer."

Cruz informa que é comum que ameaçados não aceitem proteção. "É o caso do bispo da Ilha de Marajó, dom Luiz Azcona, e do padre Amaro, de Anapu, onde a irmã Dorothy foi assassinada. Nós sabemos que eles estão correndo risco, mas nada podemos fazer [em termos de escolta] porque eles recusaram a participar do programa", lamenta o defensor.

O defensor ressalta os três critérios adotados para a inclusão no programa: "O primeiro é que a pessoa queira fazer parte do programa de proteção. É necessário também que ela seja militante em direitos humanos e que sofra ameaças em decorrência dessa militância", explica.

Segundo ele, o programa tem como pressuposto garantir que o ameaçado continue militando no lugar de origem. "Se o indivíduo resolve se afastar da militância, acaba deixando também o programa. Mas dependendo da situação, podem ter à disposição assistências social e psicológica. Se ele aceitar participar do programa, dando continuidade à sua militância, o passo seguinte é providenciar escolta no município onde mora", acrescenta.

Belo Monte e o caos fundiário

Belo Monte e o caos fundiário
 
Quando foi criado, 20 anos atrás, Brasil Novo recebeu o nome inspirado nos anseios de mudança que se desenhavam para a região amazônica. De uma pequena vila, uma agropólis do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), a região foi convertida em município, somando pedaços de cidades vizinhas, no sudoeste do Pará. Hoje, duas décadas depois, Brasil Novo - município vizinho de Belo Monte - não passa de uma caricatura mal feita do projeto que a inspirou, um retrato de velhas mazelas das quais o Brasil já deveria ter se livrado há muito tempo.

A reportagem é de André Borges e publicada pelo jornal Valor, 20-06-2011.

De seu território de 6,4 mil quilômetros quadrados, nem mil têm documentação em ordem. O caos fundiário chega a tal ponto que a própria prefeita interina do município, Fátima Rocha (PTB), admite que nem mesmo ela tem a escritura de sua terra. "A situação fundiária aqui é esse absurdo, eu mesma tenho terrenos que não têm nenhum documento. Nós queremos resolver isso de uma vez por todas", diz Fátima.

Moradora da região há 34 anos, a prefeita de origem baiana conta que chegou ao Pará com a leva de imigrantes insuflada pelo antigo slogan do governo federal, que na década de 70 prometia a entrega de "Terra sem homens, para homens sem terra".

Nas beiras da rodovia Transamazônica, pequenos vilarejos foram se formando, com a promessa de um dia criar um imenso cordão de integração e desenvolvimento na Amazônia. "Naquela época, a ordem do governo era desmatar. Você ganhava um terreno de cem metros, desde que desmatasse 80 metros. Viemos para cá sob essa condição. Hoje não podemos mais fazer isso e temos que cumprir a legislação ambiental. Mas também não podemos ser simplesmente abandonados", diz a prefeita.

O desmatamento já varreu cerca de 40% das terras de Brasil Novo. Para chegar à cidade, só por meio da Transamazônica, estrada que continua a ser uma sequência de terra e buracos, com algum asfalto em pequenos trechos. Há 3 mil quilômetros de obras de pavimentação por fazer no município, mas a prefeitura não tem recursos nem equipamentos para isso. Para a segurança de toda Brasil Novo, a polícia local conta com dois carros, nenhum deles com tração, item básico numa região em que o barro simplesmente para tudo em época de chuva.

Em 2008, o governo federal informou que o Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam), vinculado ao Ministério da Defesa, daria uma força para monitorar a situação ambiental da região. Uma antena para transmissão de dados seria instalada na cidade. "Fizemos uma fundação de concreto para receber o equipamento. Até hoje essa base está lá, esperando. A antena nunca apareceu", diz Fernando Rocca de Araújo, que acumula os cargos de secretário da agricultura, mineração, meio ambiente e turismo de Brasil Novo.

Até o dia 30 deste mês, a prefeitura da cidade teria de estar com o seu cadastro ambiental rural concluído, para acelerar a regularização de terras. Há cerca de 2 mil propriedades rurais para serem cadastradas, mas até agora nenhum cadastro foi feito porque, segundo a prefeita Fátima Rocha, o Incra não liberou o sistema de cadastramento. Quando o governo lançou os programas Arco de Fogo e o Arco Verde- ações que têm a missão de desenvolver novos modelos de exploração econômica na região, além de combater o aumento de desmatamento ilegal -, fez um alvoroço na região, diz Fátima. "Depois veio o programa Terra Legal, com a promessa de que iria corrigir os erros do passado. A verdade é que está tudo parado. O Incra também não tem ajudado. Nossa realidade é triste, vivemos numa área esquecida pelo poder público", diz a prefeita.

Fátima Rocha, que também representa o poder público, estará prefeita de Brasil Novo até o fim deste mês, quando então voltará para a presidência da Câmara Municipal. Os problemas de Brasil Novo, afinal, não se limitam a conflitos fundiários e ambientais. Em 2009, a liderança da Câmara teve de assumir a prefeitura, porque o prefeito e o vice-prefeito da cidade, José Carlos Caetano (PR) e Osias Sperotto (PTB), respectivamente, foram cassados pela Justiça Eleitoral, acusados de compra ilegal de votos. Só neste mês é que uma nova eleição foi realizada, na qual a maioria dos 19 mil habitantes da cidade elegeu o candidato Alexandre Lunelli (PT) para tocar o resto do mandato, até o fim do ano que vem.

A dura realidade fundiária e ambiental de Brasil Novo se alastra por todo o Pará, o segundo maior Estado do país, que nas últimas semanas foi cenário de uma vários assassinatos de ambientalistas e líderes extrativistas. Para tentar dar um rumo à situação, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) informou que foram criados 12 grupos de trabalho para acompanhar projetos socioambientais. No plano ideal, o governo quer ter nas mãos um levantamento ocupacional detalhado da região e um mapeamento georreferenciado das terras ocupadas e públicas. Com isso, quer evitar o aumento de grilagem de terras e definir áreas para novos assentamentos. O Ministério da Justiça informou que colocou a Polícia Federal para investigar os conflitos e encontrar seus autores.

Em meio ao seu dilema fundiário, a população do Pará terá de decidir, em dezembro, se o Pará será mesmo dividido em três, o que criaria os novos Estados de Tapajós eCarajás. O plebiscito, conforme previsto pelo Tribunal Superior Eleitoral, vai ouvir a opinião de mais de 3 milhões de eleitores paraenses. Especialistas que já se debruçaram sobre a proposta alertam que os novos Estados nasceriam gerando mais dívidas que receita, ou seja, teriam de se apoiar em verba federal para vingar.

Apesar das dificuldades, a situação está mudando, diz Shirley Anny Abreu do Nascimento, coordenadora do programa Terra Legal, do MDA. "É preciso reconhecer que passamos quase 30 anos sem um trabalho de regularização fundiária massiva na região amazônica", comenta ela. "Durante todo esse período, vivemos a lógica da colonização, que criou esse caos fundiário que temos hoje."

domingo, 19 de junho de 2011

Força Nacional de Segurança escolta 9 pessoas ameaçadas no Pará

Força Nacional de Segurança escolta 9 pessoas ameaçadas no Pará

Agentes de segurança pública da Força Nacional escoltaram, na madrugada deste sábado (18), um grupo de nove pessoas – quatro adultos e cinco crianças – do assentamento de Nova Ipixuna até a cidade de Marabá (PA). A ação fez parte da Operação Defesa da Vida, estratégia para combater conflitos agrários nos estado do Pará, de Rondônia e do Amazonas.

Uma das pessoas escoltadas foi a irmã de José Cláudio Ribeiro da Silva, morto no mês passado, em Nova Ipixuna. Ela estava sendo ameaçada de morte. José Cláudio foi morto em uma emboscada ao lado da extrativista Maria do Espírito Santo.

Segundo o Ministério da Justiça, o Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos do Estado do Pará vai analisar o caso na próxima segunda-feira (20). Até lá, a Força Nacional de Segurança Pública será responsável por proteger as pessoas ameaçadas.

Há cerca de dez dias, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e a ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário, estiveram nos estados onde os conflitos agrários têm acarretado na morte de agricultores e extrativistas, para acompanhar a situação.

A Operação Defesa da Vida conta com a atuação de agentes Força Nacional de Segurança, da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal, além de representantes do governo federal, como Secretaria de Direitos Humanos, Secretaria-Geral da Presidência da República, ministérios do Desenvolvimento Agrário, da Defesa e do Meio Ambiente, e de representantes dos conselhos nacionais de Justiça e do Ministério Público.


Fonte: Agência Brasil

Florestas são fonte de 200 mil famílias extrativistas na Amazônia


Florestas são fonte de 200 mil famílias extrativistas na Amazônia

Agência Brasil

Publicação: 19/06/2011 17:16 Atualização:

As florestas são a fonte de pelo menos 200 mil famílias que vivem do extrativismo só na Amazônia. Entre os produtos oferecidos pela floresta estão o pescado, a castanha, óleos vegetais, fibras, açaí, pequenos artefatos de madeira e a borracha da seringueira. Em outros biomas, como o Cerrado, a Caatinga e a Mata Atlântica, também há extrativismo e os produtos advindos da atividade podem ser o pequi, no Centro-Oeste, ou o caranguejo, no litoral.

Célia Regina das Neves, que vive na Reserva Extrativista Mãe Grande, em Curuçá, no Pará, cobra que as políticas públicas para quem vive na floresta sejam diferentes das que são feitas para as cidades. "Para quem está na floresta, ela [política pública] tem que reconhecer isso. Tem muita demanda , desde a questão da produção, da família em si, da organização comunitária, da convivência com os recursos naturais e, principalmente, da regularização fundiária, do ordenamento ambiental".

O presidente do Conselho Nacional das Populações Extrativistas, Manoel Silva da Cunha, aponta a questão fundiária como o principal problema enfrentado por essas comunidades, que tiveram o incentivo para migrar do Nordeste, na época do ciclo da borracha, e acabram ocupando terras que já tinham dono. "Até hoje esse processo ainda permanece. Inclusive nas reservas extrativistas onde há um decreto do governo federal ou dos governos estaduais determinando aquelas áreas como unidades de conservação de uso, mesmo assim o problema da regularização não está resolvido", diz Cunha.

Segundo ele, o modelo de desenvolvimento da Amazônia foi baseado no Sul e Sudeste, o que mostra que falta assistência especializada para melhorar a produção extrativista. "É muito fácil você conseguir assistência técnica para derrubar um hectare de floresta, plantar mandioca, mas quando você quer melhorar a sua extração do açaí, sua coleta de castanha, a gente encontra dificuldade, não tem ninguém dentro dos órgãos habilitado pra isso". Cunha aponta também a falta de crédito para o extrativista.

De acordo com o diretor do Departamento de Florestas do Ministério do Meio Ambiente, João de Deus Medeiros, o governo tem atuado para estimular as relações harmoniosas dos povos com a floresta, com projetos como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) Florestal. "A política de apoio aos produtos da sociobiodiversidade, tanto no que tange à agregação de valor aos produtos, como à garantia de preço mínimo, o auxílio à inserção desses produtos em uma realidade de mercado mais favorável, tudo isso tem surtido resultados bastante interessantes", avalia Medeiros.

O diretor-geral do Serviço Florestal Brasileiro, Antônio Carlos Hummel, explica que o trabalho do órgão tem sido o de mostrar que conservar a floresta para a exploração gera renda. "Com o desenvolvimento dessas técnicas de manejo florestal, a gente está mostrando que a floresta em pé coloca dinheiro no bolso do comunitário, na mão do empresário de forma sustentável e não ilegal".

No Plano Brasil Sem Miséria, lançado pelo governo federal no começo do mês, está prevista a implantação do Bolsa Verde, um auxílio trimestral de R$ 300 para as famílias que contribuam para a conservação ambiental no ambiente em que moram e trabalham.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

CPT: O trabalhador não vale nada. Pode matar o quanto quiser


CPT: O trabalhador não vale nada. Pode matar o quanto quiser

Ana Cláudia Barros

"Aqui, no Pará, mesmo quando o suspeito é levado a julgamento, nunca fica atrás das grades se condenado". A afirmação, crivada de ceticismo, é do integrante da coordenação da Comissão Pastoral da Terra (CPT) no Estado, o engenheiro agrônomo Hilário Lopes Costa. Em entrevista a Terra Magazine, Lopes, que atua no escritório da entidade em Pacajá, onde foi registrado o assassinato do trabalhador rural Obede Loyla Souza, o quinto em terras paraenses nas últimas três semanas, falou sobre conflitos agrários na região e sobre a pouca fé que tem na punição dos culpados.

- É essa visão de desenvolvimento baseada apenas na exploração dos recursos e da força de trabalho do povo, que não é incluído na riqueza gerada. Aí, um pobre, um trabalhador não vale nada. Pode matar o quanto quiser. Nunca quem os mata será julgado. E se é julgado e condenado, nunca vai cumprir pena. É por isso que os assassinatos acontecem. A nossa vida não vale nada. O que vale é a vida dos grandes capitalistas nacionais e internacionais.

Incisivo, o representante da CPT criticou o posicionamento do Executivo estadual, que se apressou em apresentar, mesmo antes da investigação, uma "causa provável" para justificar a morte de Obede Loyla Souza, sepultado na terça-feira (14). "Geralmente, a prática no Estado do Pará é essa mesmo. A motivação (informada pelas autoridades) nunca é a verdadeira", disse, num misto de ironia e cansaço.

Lopes criticou ainda o tratamento dado pela ex-governadora Ana Júlia Carepa (PT) e o atual Simão Jatene (PSDB) aos conflitos agrários.

- A postura dos governos é sempre de não revelar os fatos. Mesmo porque isso acaba fazendo com que o Estado fique, para o cenário nacional e internacional, como um Estado sem justiça. Isso leva a camuflar a verdade, os fatos, a desviar o ponto de referência.

Confira a entrevista.

Terra Magazine - A CPT tem novas informações sobre quais teriam sido as motivações do assassinado do Obede Loyla Souza? - Em nota, a entidade informou que a vítima teria discutido com uma pessoa ligada ao "interesse dos grandes madeireiros" em razão da extração ilegal de madeira e por danificar estradas de acesso ao Acampamento Esperança e aos assentamentos da região.
Hilário Lopes Costa -
 A versão que nós temos ainda é a mesma. Precisamos esperar que a polícia avance nas investigações para que possamos ter algo mais concreto.

O governo do Estado do Pará divulgou nota terça-feira (14), dizendo, mesmo antes da investigação, que a causa mais provável da motivação do crime seria "uma desavença interna entre assentados". O que a CPT acha desta declaração? 
Geralmente, a prática no Estado do Pará é essa mesmo. A motivação (informada pelas autoridades) nunca é a verdadeira. Por exemplo, havia uma liderança de muita expressão na região, o Raimundo Nonato do Carmo, que era presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Ele foi assassinado em 2008. A versão imediata que prevaleceu foi que o crime havia sido cometido por parentes.
Alguns cunhados deles ficaram por uns dias na cadeia, mas foram soltos porque não teriam sido eles. Soltaram os legítimos suspeitos da polícia, mas nunca foram atrás dos verdadeiros suspeitos.
Aqui, no Pará, mesmo quando o suspeito é levado a julgamento, nunca fica atrás das grades se condenado. Ao longo da história da CPT, nestes 35 anos de existência, só aqui no Pará, são quase mil trabalhadores, lideranças rurais, religiosas, advogados assassinados pelas forças do grande capital.

Na sua opinião, houve, mais uma vez, precipitação da polícia em apresentar a "provável motivação"?
O problema é o seguinte: a vida dos trabalhadores neste País não vale nada para este modelo de desenvolvimento, esse sistema. Não vale nada também para esses governos, mesmo que digam que querem desenvolver políticas sociais que ajudem a acabar com a pobreza, que inclua os que estão no nível abaixo da pobreza.
O que há, na verdade, é uma conivência grande do governo federal com esse modelo e que acaba desestruturando e passando por cima das conquistas dos trabalhadores, dos povos da Amazônia. Toda terra conquistada aqui foi com muita luta, muito suor e com derramamento de sangue. Que os trabalhadores rurais da região tenham o direito de ter um pedaço de terra.
De repente, chegam empresas mineradoras, madeireiros e desrespeitam essa luta. E com apoio de programas de governo. Quem dá as cartas do modelo de desenvolvimento é o governo federal. É claro que nos estados há o apoio dos governos locais.
É essa visão de desenvolvimento baseada apenas na exploração dos recursos e da força de trabalho do povo, que não é incluído na riqueza gerada. Aí, um pobre, um trabalhador não vale nada. Pode matar o quanto quiser. Nunca quem os mata será julgado. E se é julgado e condenado, nunca vai cumprir pena. É por isso que os assassinatos acontecem. A nossa vida não vale nada. O que vale é a vida dos grandes capitalistas nacionais e internacionais.

Você está afirmando é que tudo continuará como está...
Essa coisa de que há um interesse, um esforço para fazer justiça é só conversa fiada para enganar a nação. No caso do Zé Cláudio e da dona Maria, lá de Nova Ipixuna. A Força Nacional está lá e ainda matam mais um trabalhador.

Como a CPT avalia a atuação da Força Nacional?
Como no tempo em que mataram a irmã Dorothy (Stang, em fevereiro de 2005, no Pará), foi todo um aparato. Foi um dos casos em que se conseguiu, devido a muito esforço, levar a júri todos os diretamente envolvidos no crime. Mesmo assim, quem durou mais na cadeia foram os pistoleiros, porque os mandantes sempre dão um jeito de não cumprir a pena.
Quer dizer, os problemas continuam na região. Às vezes, a gente ouve: "O caso da Dorothy foi exemplar". Era uma religiosa e, além de tudo, era americana, portanto, teve toda a pressão do governo dos Estados Unidos para se fazer justiça. Alguns casos, quando, de fato, há justiça, é justamente por causa de pressão internacional.

O que você está dizendo é que só os casos que ganham visibilidade conseguem justiça?
Isso mesmo. Agora, quando é para criminalizar os movimentos, as pessoas que lutam pelos mais pobres, aí, a Justiça não mede esforços. Essas pessoas são exemplarmente criminalizadas e punidas, quando não são assassinadas.

E em relação à atuação da Força Nacional? 
Só vamos poder avaliar depois que ela concluir o trabalho. Só então poderemos constatar até que ponto houve avanço nos resultados. Por enquanto, não percebemos nada de concreto.

Tive a informação de que, no ano passado, 13 trabalhadores rurais foram assassinados só em Pacajá (onde Obede Loyla Souza foi morto). No relatório da CPT, o número é de 8 assassinatos. Qual é o dado real?
É complicado. Os dados que tínhamos aqui diziam realmente que foram 13. O problema é que nós não conseguimos descobrir os nomes. Os trabalhadores sabiam que era esse número de pessoas assassinadas, porém, não tinham os nomes. Se você conversar com um trabalhador, ele vai dizer o dia, onde o corpo foi encontrado... 
Agora, montamos uma dinâmica. Estamos pegando logo os nomes e, quando podemos, pegamos fotos para, no final do ano, a gente ter esses dados sem nenhuma contestação. Já foi solicitada até a possibilidade de ter um repórter que pudesse entrar na região e fazer tudo isso. A gente acaba ficando na mira. Não é muito fácil pra gente.

Como a CPT vê a atuação do governo do Pará em relação aos conflitos agrários no Estado?
A postura dos governos, tanto o anterior quanto o atual, é sempre de não revelar os fatos. Mesmo porque isso acaba fazendo com que o Estado fique, para o cenário nacional e internacional, como um Estado sem justiça. Isso leva a camuflar a verdade, os fatos, a desviar o ponto de referência.