sexta-feira, 5 de junho de 2009

As cotas desmentiram as urucubacas

As cotas desmentiram as urucubacas
ELIO GASPARI - FOLHA SP
Os negros desorganizariam as universidades, como a Abolição destruiria a economia brasileira
QUEM ACOMPANHASSE os debates na Câmara dos Deputados em 1884 poderia ouvir a leitura de uma moção de fazendeiros do Rio de Janeiro:
"Ninguém no Brasil sustenta a escravidão pela escravidão, mas não há um só brasileiro que não se oponha aos perigos da desorganização do atual sistema de trabalho."

Livres os negros, as cidades seriam invadidas por "turbas ignaras", "gente refratária ao trabalho e ávida de ociosidade". A produção seria destruída e a segurança das famílias estaria ameaçada.
Veio a Abolição, o Apocalipse ficou para depois e o Brasil melhorou (ou será que alguém duvida?).

Passados dez anos do início do debate em torno das ações afirmativas e do recurso às cotas para facilitar o acesso dos negros às universidades públicas brasileiras, felizmente é possível conferir a consistência dos argumentos apresentados contra essa iniciativa.

De saída, veio a advertência de que as cotas exacerbariam a questão racial. Essa ameaça vai completar 18 anos e não se registraram casos significativos de exacerbação. Há cerca de 500 mandados de segurança no Judiciário, mas isso nada mais é que a livre disputa pelo direito.

Num curso paralelo veio a mandinga do não-vai-pegar. Hoje há em torno de 60 universidades públicas com sistemas de acesso orientados por cotas e nos últimos cinco anos já se diplomaram cerca de 10 mil jovens beneficiados pela iniciativa.
Havia outro argumento: sem preparo e sem recursos para se manter, os negros entrariam nas universidades, não conseguiriam acompanhar as aulas, desorganizariam os cursos e acabariam deixando as escolas.

Entre 2003 e 2007 a evasão entre os cotistas na Universidade Estadual do Rio de Janeiro foi de 13%. No universo dos não cotistas, esse índice foi de 17%.
Quanto ao aproveitamento, na Uerj, os estudantes que entraram pelas cotas em 2003 conseguiram um desempenho pouco superior aos demais. Na Federal da Bahia, em 2005, os cotistas conseguiram rendimento igual ou melhor que os não cotistas em 32 dos 57 cursos. Em 11 dos 18 cursos de maior concorrência, os cotistas desempenharam-se melhor em 61 % das áreas.

De todas as mandingas lançadas contra as cotas, a mais cruel foi a que levantou o perigo da discriminação, pelos colegas, contra os cotistas.

Caso de pura transferência de preconceito. Não há notícia de tensões nos campus. Mesmo assim, seria ingenuidade acreditar que os negros não receberam olhares atravessados. Tudo bem, mas entraram para as universidades sustentadas pelo dinheiro público.

Tanto Michelle Obama quanto Sonia Sotomayor, uma filha de imigrantes portorriquenhos nomeada para a Suprema Corte, lembram até hoje dos olhares atravessados que receberam ao entrar na Universidade de Princeton. Michelle tratou do assunto em seu trabalho de conclusão do curso. Ela não conseguiu a matrícula por conta de cotas, mas pela prática de ações afirmativas, iniciada em 1964. Logo na universidade onde, em 1939, Radcliffe Heermance, seu poderoso diretor de admissões de 1922 a 1950, disse a um estudante negro admitido acidentalmente que aquela escola não era lugar para ele, pois "um estudante de cor será mais feliz num ambiente com outros de sua raça". Na carta em que escreveu isso, o doutor explicou que nem ele nem a universidade eram racistas.

Fernando Matos
"Crê nos que buscam a verdade. Duvida dos que a encontram." André Gide

Justiça pune repasse ilegal para sem-terra


Justiça pune repasse ilegal para sem-terra
O GLOBO – O PAÍS

A Justiça Federal condenou o superintendente do Incra em São Paulo à perda do cargo pelo repasse irregular de R$ 191 mil à Coacamp, cooperativa ligada ao MST, proibida de receber verbas federais.
Ricardo Galhardo

Antes de ser condenado à perda do cargo pela Justiça Federal, o superintendente do Incra em São Paulo, Raimundo Pires Silva, tentou por duas vezes fazer repasses ilegais à Cooperativa de Prestação de Serviços dos Assentados da Reforma Agrária no Pontal (Coocamp), ligada ao MST. As tentativas foram abortadas pela Justiça a pedido do Ministério Público Federal. Anteontem, o juiz Newton José Falcão, da 2ª Vara Federal de Presidente Prudente, mandou suspender o repasse de R$191 mil à cooperativa e condenou quatro servidores do Incra, inclusive o superintendente, por improbidade administrativa.

Alvo de diversos inquéritos por irregularidades, entre elas o superfaturamento na compra de caminhões com verba pública, a Coocamp está proibida de receber dinheiro federal. Apesar disso, em 2003, o então ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rosseto, indicado pelos sem-terra, prometeu a liberação de R$191 mil para a conclusão das obras na sede da cooperativa, em Teodoro Sampaio. O Incra-SP tentou mandar o dinheiro para a Cooperativa Central da Reforma Agrária (CCA) de São Paulo, que repassaria os valores à Coocamp. O MPF descobriu a manobra e instaurou uma ação civil pública que resultou numa liminar proibindo o repasse.

Um ano depois, apesar da proibição legal, o Incra-SP tentou novamente liberar os R$191 mil à Coocamp, desta vez por meio da prefeitura de Teodoro Sampaio, que chegou a aprovar, em 2004, uma lei permitindo o repasse. Mais uma vez a manobra foi abortada pelo Ministério Público Federal.

- A Coocamp está em situação irregular com Receita Federal, Caixa Econômica Federal e INSS. Portanto, não pode receber verba pública, direta ou indiretamente - disse o procurador Tito Lívio Seabra.

Nas duas tentativas de repasse, Raimundo Silva era o superintendente do Incra-SP. Ele e os servidores Osvaldo Aly Júnior, Guilherme Cyrino Carvalho e Waldir Dorini foram condenados à perda da função pública por terem cometido ato de improbidade administrativa. Além deles, os dirigentes da CCA-SP, Neuza Paviato Botelho, e da Coocamp, José Aparecido Gomes Maia, foram condenados a multa equivalente a um mês de salário e perda dos direitos políticos por três anos.

A direção geral do Incra, em Brasília, não comentou a sentença que determina o afastamento do superintendente em São Paulo. Por meio da assessoria de imprensa, o Incra-SP disse que a decisão é de primeira instância e que Raimundo Silva e os outros servidores vão recorrer da decisão. Enquanto não houver uma decisão definitiva da Justiça, eles continuarão exercendo suas funções normalmente. O Incra-SP não esclareceu por que insistiu na tentativa de repasse à Coocamp, contrariando a legislação.

A direção da Coocamp não foi localizada para comentar a decisão. José Rainha Jr., líder dos sem-terra no Pontal do Paranapanema, fundador da Coocamp e seu ex-diretor, criticou:

- Só posso classificar de perseguição política. O governo do PSDB influencia essas decisões, inclusive minhas condenações. Denúncias contra a Coocamp existem há dez anos, e até hoje ninguém foi condenado porque não houve desvio.. O superintendente do Incra agiu de forma legítima, e conta com nossa solidariedade.
Fernando Matos
"Crê nos que buscam a verdade. Duvida dos que a encontram." André Gide