quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Manfred NowakImage by Phil Strahl via Flickr

23 de dezembro de 2009 • 15h52


O relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para a Tortura, Manfred Nowak, defendeu nesta semana em São Paulo a criação de um Tribunal Mundial de Direitos Humanos vinculado à ONU. O relator é autor e coordenador de um estudo sobre a criação do tribunal.

Nowak, que também é professor de direito constitucional e direitos humanos da Universidade de Viena, foi um dos cinco autores do Relatório da ONU sobre a tortura na base naval norte-americana de Guantánamo, em Cuba.

De acordo com o relator, os direitos humanos não encontram na atualidade guarida em um tribunal que tenha abrangência mundial. Há apenas tribunais locais, como o tribunal da Organização dos Estados Americanos (OEA), o tribunal Africano de Direitos Humanos e a Corte Europeia de Direitos Humanos.

"Se você olhar nas Nações Unidas, vemos que ainda estamos na Guerra Fria nessa questão dos direitos humanos. Não nos damos conta que a Guerra Fria acabou em 1989, há 20 anos. E nós nunca chegamos ao nível de um tribunal de direitos humanos", afirmou Nowak, que participou na capital paulista da Conferência Internacional sobre os Direitos Humanos.

Segundo o relator, uma das principais conclusões do estudo coordenado por ele é que, apesar de boa parte dos países possuírem leis de defesa dos direitos humanos, as pessoas que têm seus direitos violados não têm acesso a Justiça.

"Nós chegamos à conclusão de que milhões de seres humanos não têm acesso à Justiça. Não há regra ou lei para eles, não há forma de eles conseguirem lutar por seus direitos. Nós sentimos que tínhamos que fazer alguma coisa e chegamos a essa recomendação de se criar uma corte internacional para reduzir e estreitar esse vazio entre ter o direito e poder defendê-lo", disse.

A proposta defendida por Nowak inclui também a criação de um fundo para apoiar os países a melhorarem seus sistemas de acesso à Justiça.

O tribunal poderá receber denúncias provenientes de uma pessoa, uma organização não governamental ou grupo de indivíduos que declarem ser vítimas de violência. O tribunal mundial deverá ter alçada sobre organismos não estatais, tais como corporações empresariais e grupos rebeldes, as Nações Unidas e outras organizações intergovernamentais. Os Estados-Partes serão obrigados a fazer cumprir as sentenças e oferecer reparação, conforme com decidido pelo tribunal.

A iniciativa da realização de um estudo sobre a criação de uma corte internacional de direitos humanos partiu do governo suíço, que selecionou Nowak para coordenar a pesquisa. O estudo levou em conta os atuais estatutos de cortes nacionais e internacionais, tais como o Tribunal Criminal Internacional (ICC), o Tribunal Internacional de Justiça (ICJ), o Tribunal Interamericana de Direitos Humanos (ACtHR), o Tribunal Africano de Direitos Humanos e das Pessoas (AfCtHPR), o Tribunal Europeu de Direitos Humanos (ECtHR) e o Tribunal Europeu de Justiça (ECJ).


Agência Brasil
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terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Novo Programa Nacional de Direitos Humanos

 :: Paulo Vannuchi

Ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República

No mês de aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, 10 de dezembro, o Brasil ganha nova versão do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), que atualiza e amplia as versões anteriores. Como passo adiante nessa jornada histórica de fortalecimento da democracia, um destaque do PNDH-3, lançado agora por decreto do presidente Lula, é que 30 ministérios assumem o compromisso de trabalhar por seu cumprimento, reforçando a visão de que a promoção dos direitos humanos é responsabilidade que interliga todas as áreas de governo e constitui verdadeira política de Estado, com ações que se projetam em recomendações ao Legislativo, ao Judiciário e ao Ministério Público e planejam intervenções conjuntas entre União, Estados e municípios.

Nessa atualização do PNDH, coube papel decisivo aos movimentos sociais, ONGs e organismos vinculados à defesa dos direitos humanos. É de suas demandas, pressões e cobranças que o Estado redemocratizado vem colhendo, crescentemente, formulações para compor as políticas de governo. Políticas que, na área dos direitos humanos, buscam superar o cenário ainda intolerável de violações no cotidiano nacional.

A afirmação dos direitos humanos requer interação democrática entre poder público e sociedade civil, onde são inevitáveis as tensões, divergências e disputas. Mas o esforço perseverante valeu a pena. As resoluções da 11° Conferência Nacional dos Direitos Humanos, que foi precedida por 137 eventos municipais ou regionais, reunindo 14 mil pessoas, compuseram o esqueleto básico do programa, ao qual se agregaram propostas centrais de 50 conferências nacionais temáticas, realizadas desde 2003, sobre igualdade racial, direitos da mulher, segurança alimentar, crianças e adolescentes, juventude, segurança pública etc.

Foram necessários meses de costura política entre representações da sociedade civil e membros dos poderes públicos, assim como entre diferentes áreas de governo. O produto final é um documento consistente. Sua concretização, ao longo dos próximos anos, é o desafio que se abre a todos, não importando quem vença as disputas eleitorais de 2010.

Estruturado em seis eixos orientadores, o PNDH-3 constrói nada menos que 521 ações programáticas. São arrolados os ministérios responsáveis por tais ações e apresentadas recomendações aos demais poderes republicanos, bem como aos entes federados estaduais e municipais. Sendo impossível selecionar aspectos mais importantes do novo PNDH, cabe registrar três pontos muito promissores desse roteiro atualizado para fortalecimento da vida democrática e da cultura de paz no Brasil.

Um deles é tratar a questão da segurança pública como um direito humano de primeira grandeza, rompendo bloqueios do período ditatorial, em que a polícia sempre estava associada à repressão e ao medo. O PNDH-3 desdobra todos os fundamentos do Pronasci, concebendo mudanças que levam as novas corporações policiais a se verem como defensoras de direitos humanos.

Um segundo realce está na prioridade atribuída à chamada educação em direitos humanos, visto que só viveremos numa sociedade onde prevaleça o respeito ao outro e a valorização da igualdade na diversidade se, desde muito cedo, cada cidadão se formar nesse espírito de fraternidade e solidariedade.

Por fim, o governo do presidente Lula estabelece no PNDH-3 seu compromisso formal de enviar ao Congresso, até abril, projeto de lei instituindo, finalmente, uma Comissão Nacional da Verdade, conforme já aconteceu na maioria dos países vizinhos que também viveram violentas experiências de ditaduras repressoras.

Despida de sentimentos revanchistas, a Comissão da Verdade cuidará de apurar todas as violações de direitos humanos ocorridas no âmbito da repressão política, sobretudo durante o regime de 1964, para que seja feito o processamento histórico, político, ético e — se assim decidir o Poder Judiciário — também criminal, de todos os episódios de tortura, assassinatos e desaparecimentos de opositores políticos registrados naquele período.

Não para sangrar feridas do passado, mas para garantir a necessária cicatrização em espírito de reconciliação, somente possível com o resgate da verdade e investigação pública de todos os fatos. Não para retornar à violência odiosa daquele período, mas para preveni-la. Para que ninguém esqueça. Para que nunca mais aconteça.


sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Perseguição no RS é comparada a práticas da ditadura

A Comissão Especial do Conselho de Defesa dos Direitos Humanos (CDDPH), órgão ligado à Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH), apura tentativas de criminalização dos movimentos sociais no Rio Grande do Sul. O relatório final aponta para 28 recomendações a instituições dos governos estadual e federal e para o Ministério Público Estadual. O documento foi apresentado em uma audiência pública na Assembléia Legislativa gaúcha, no dia 26 de novembro.

O texto é resultado de dois anos de investigações da Comissão, criada após denúncias do deputado federal Adão Pretto (PT-RS), morto em fevereiro, sobre a criminalização dos movimentos sociais por parte da Brigada Militar (a Política Militar do RS), do Ministério Público Estadual e do governo estadual. O trabalho foi realizado com base em ações da Brigada Militar, depoimentos de integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), da entidade patronal Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul), de representantes da sociedade civil e de movimentos sociais urbanos.

De acordo o secretário adjunto da SEDH Rogério Sottili, a Comissão comprovou que ouve um aumento das ações violentas da Brigada Militar a partir de 2005. Além disso, Sotilli aponta que a Nota de Instrução Operacional 006.1, instituída em 2007 no governo de Yeda Crusius (PSDB), identifica os movimentos sociais como organizações criminosas. "É a partir dessa Instrução que a Brigada Militar começa a abordar os movimentos sociais dessa forma, é de uma gravidade sem tamanho, uma gravidade que nós não assistíamos no Brasil desde a derrubada da ditadura militar, pois são práticas autoritárias, que nós, e a sociedade brasileira como um todo, não queremos mais ver no Brasil", avalia.

No documento constam também as declarações do procurador Gilberto Thums sobre o MST. Ele foi um dos promotores que aprovou um relatório do Conselho Superior do Ministério Público gaúcho que pedia a dissolução do movimento. Conforme entrevista do procurador ao Diário da Manhã, "o MST é um braço de guerrilha da Via Campesina". Para os membros da Comissão Especial, as ações de criminalização e identificação de integrantes de movimentos sociais são um atentado ao Estado Democrático de Direito.

Violência crescente

O relator do documento e coordenador-geral do Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos da SEDH, Fernando Matos, alertou que há um avanço da repressão por parte da Brigada Militar nos últimos quatro anos. Na conclusão de seu relatório, Matos aponta que há, de fato, indícios de criminalização dos movimentos sociais do campo e da cidade por parte dos poderes locais. Ele afirmou ainda que os fatos mais recentes, as torturas registradas na ação de reintegração de posse da Prefeitura de São Gabriel e o assassinato do sem-terra Elton Brum da Silva, em agosto, mostram a gravidade do problema.

Conforme o relator, desde a tragédia de Eldorado dos Carajás, em 1996, ninguém havia sido morto pela polícia em operação semelhante. "Não ocorriam mortes causadas pela polícia militar em reintegração de posse em nenhum estado desde 1996. Ao contrário, a Ouvidoria Agrária Nacional produziu um manual de reintegração de posse pacífica e mediada e a Brigada Militar foi a única polícia estadual que não assinou essa iniciativa em nível nacional. Então nós nos preocupamos bastante, porque no nosso entendimento, se há a constatação de criminalização, a gente não pode permitir que isso se aprofunde e resulte em tragédias e perdas de vidas", analisa.

Saídas

Matos aponta no relatório a necessidade da criação de uma Comissão Estadual de Mediação de Conflitos Agrários; a revogação pelo Comando Geral da Brigada Militar, da Nota de Instrução Operacional nº 006.1; a suspensão pela Brigada do processo de fichamento de lideranças dos movimentos sociais; a recomendação à Brigada que adote o Manual de Diretrizes Nacionais para Execução de Mandados Judiciais de Manutenção e Reintegração de Posse coletiva, da Ouvidoria Agrária Nacional; e a garantia às crianças dos acampamentos do MST do acesso à educação, à saúde e à alimentação. Além disso, recomenda ao Ministério Público Federal que analise a possibilidade de denunciar, por crime de tortura, os atos praticados pela Brigada Militar na madrugada do dia 12 de março de 2006.

O documento apresentado na Assembléia Legislativa ainda relata outros casos de truculência da polícia. O relatório faz referência a desocupação da fazenda São João da Armada, em Canguçu, em 2008 na qual a Brigada revida com intimidações e humilhações. No mesmo ano, foram registrados atos de violência contra os manifestantes da Marcha dos Sem, no Parque Harmonia, em Porto Alegre. No documento ainda estão apontados o cerco às festividades dos 25 anos do MST e a norma do Ministério Público Estadual, em fevereiro de 2009, de fechar as escolas itinerantes do movimento.

Entretanto, para o MST, as recomendações do relator não podem ficar somente no papel. De acordo com Cedenir de Oliveira, da coordenação estadual do MST, o relatório é importante pois reafirma as denúncias que o movimento já havia feito. Mas, de acordo com Oliveira, somente o relatório não resolve o problema da criminalização. "Por um lado ele é importante, pois revela e reafirma as denúncias do movimento. Agora, não podemos esperar que somente o relatório irá resolver os problemas da criminalização no RS. Precisamos de uma postura mais ativa e neste momento nós estamos cobrando que o MPF assuma esse papel e toque adiante essas denúncias", afirma.

Fonte: MST



Fernando Matos
"Crê nos que buscam a verdade. Duvida dos que a encontram." André Gide