:: Paulo Vannuchi
Ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República
No mês de aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, 10 de dezembro, o Brasil ganha nova versão do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), que atualiza e amplia as versões anteriores. Como passo adiante nessa jornada histórica de fortalecimento da democracia, um destaque do PNDH-3, lançado agora por decreto do presidente Lula, é que 30 ministérios assumem o compromisso de trabalhar por seu cumprimento, reforçando a visão de que a promoção dos direitos humanos é responsabilidade que interliga todas as áreas de governo e constitui verdadeira política de Estado, com ações que se projetam em recomendações ao Legislativo, ao Judiciário e ao Ministério Público e planejam intervenções conjuntas entre União, Estados e municípios.Nessa atualização do PNDH, coube papel decisivo aos movimentos sociais, ONGs e organismos vinculados à defesa dos direitos humanos. É de suas demandas, pressões e cobranças que o Estado redemocratizado vem colhendo, crescentemente, formulações para compor as políticas de governo. Políticas que, na área dos direitos humanos, buscam superar o cenário ainda intolerável de violações no cotidiano nacional.
A afirmação dos direitos humanos requer interação democrática entre poder público e sociedade civil, onde são inevitáveis as tensões, divergências e disputas. Mas o esforço perseverante valeu a pena. As resoluções da 11° Conferência Nacional dos Direitos Humanos, que foi precedida por 137 eventos municipais ou regionais, reunindo 14 mil pessoas, compuseram o esqueleto básico do programa, ao qual se agregaram propostas centrais de 50 conferências nacionais temáticas, realizadas desde 2003, sobre igualdade racial, direitos da mulher, segurança alimentar, crianças e adolescentes, juventude, segurança pública etc.
Foram necessários meses de costura política entre representações da sociedade civil e membros dos poderes públicos, assim como entre diferentes áreas de governo. O produto final é um documento consistente. Sua concretização, ao longo dos próximos anos, é o desafio que se abre a todos, não importando quem vença as disputas eleitorais de 2010.
Estruturado em seis eixos orientadores, o PNDH-3 constrói nada menos que 521 ações programáticas. São arrolados os ministérios responsáveis por tais ações e apresentadas recomendações aos demais poderes republicanos, bem como aos entes federados estaduais e municipais. Sendo impossível selecionar aspectos mais importantes do novo PNDH, cabe registrar três pontos muito promissores desse roteiro atualizado para fortalecimento da vida democrática e da cultura de paz no Brasil.
Um deles é tratar a questão da segurança pública como um direito humano de primeira grandeza, rompendo bloqueios do período ditatorial, em que a polícia sempre estava associada à repressão e ao medo. O PNDH-3 desdobra todos os fundamentos do Pronasci, concebendo mudanças que levam as novas corporações policiais a se verem como defensoras de direitos humanos.
Um segundo realce está na prioridade atribuída à chamada educação em direitos humanos, visto que só viveremos numa sociedade onde prevaleça o respeito ao outro e a valorização da igualdade na diversidade se, desde muito cedo, cada cidadão se formar nesse espírito de fraternidade e solidariedade.
Por fim, o governo do presidente Lula estabelece no PNDH-3 seu compromisso formal de enviar ao Congresso, até abril, projeto de lei instituindo, finalmente, uma Comissão Nacional da Verdade, conforme já aconteceu na maioria dos países vizinhos que também viveram violentas experiências de ditaduras repressoras.
Despida de sentimentos revanchistas, a Comissão da Verdade cuidará de apurar todas as violações de direitos humanos ocorridas no âmbito da repressão política, sobretudo durante o regime de 1964, para que seja feito o processamento histórico, político, ético e — se assim decidir o Poder Judiciário — também criminal, de todos os episódios de tortura, assassinatos e desaparecimentos de opositores políticos registrados naquele período.
Não para sangrar feridas do passado, mas para garantir a necessária cicatrização em espírito de reconciliação, somente possível com o resgate da verdade e investigação pública de todos os fatos. Não para retornar à violência odiosa daquele período, mas para preveni-la. Para que ninguém esqueça. Para que nunca mais aconteça.
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