quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Escravidão sem fim


Autor(es): agência o globo:Geralda Doca
O Globo - 26/10/2011

OIT diz que Bolsa Família e fiscalização não conseguiram vencer o
trabalho degradante
Oprincipal programa de transferência de renda do governo, o Bolsa
Família, e a fiscalização não têm sido suficientes para extirpar o
trabalho escravo no Brasil. Estudo divulgado ontem pela Organização
Internacional do Trabalho (OIT) traçou, pela primeira vez, o perfil
das vítimas do trabalho escravo no país. Elaborado a partir do
depoimento de 121 trabalhadores resgatados entre 2006 e 2007, o estudo
mostrou a baixa escolaridade dos resgatados e a falta de ações para
criar oportunidades nas regiões que mais fornecem este tipo de mão de
obra.
Em 67% das famílias de trabalhadores libertados, existiam crianças e
adolescentes, sendo que 28% (quase um terço) delas eram beneficiárias
do Bolsa Família. O levantamento revelou também que quase 60% dos
trabalhadores resgatados no país já foram escravizados antes e que a
fiscalização do governo conseguiu libertar apenas 12,6% do universo de
trabalhadores nestas condições, de acordo os dados do Ministério do
Trabalho.
A pesquisa apontou forte relação entre trabalho escravo e infantil no
país: 92,6% do total de entrevistados começaram a trabalhar antes dos
16 anos. Na média, aos 11,4 anos, mas cerca de 40% já trabalhavam
antes.
Segundo Luiz Antonio Machado, coordenador do projeto da OIT de combate
ao trabalho escravo no Brasil, o Bolsa Família ajuda a reduzir a
vulnerabilidade dos trabalhadores porque melhora a alimentação das
famílias. Mas, por si só, não evita que os chefes dessas famílias se
submetam a condições degradantes de trabalho, com cerceamento de
liberdade - o que caracteriza o trabalho escravo.
- O Bolsa Família é insuficiente e a fiscalização não consegue cobrir
todo o país ou mesmo os estados com maior concentração (da
irregularidade) - afirmou Machado.

Agropecuária concentra trabalho escravo
Machado destacou que o alto índice de recorrência - 59,7% dos
resgatados já haviam estado na situação de escravidão anteriormente -
deve-se à falta de alternativas, restando aos trabalhadores sem
qualificação nas áreas rurais apenas a "empreitada", que exige só
força física. Segundo ele, também é preciso investir em campanhas de
conscientização frequentes para estimular os próprios trabalhadores a
fazerem a denúncia. Na maioria das vezes, eles são liberados no fim da
empreitada sem receber pelo serviço.
A renda média declarada desses trabalhadores foi de 1,3 salário
mínimo, sendo que 40% informaram ser o único responsável pela renda
das famílias que têm, em média, 2,4 filhos.
Ele defende a necessidade de ações complementares para tornar as
politicas mais efetivas. Entre elas, estimular a criação de empregos
nos locais de residência dos trabalhadores e oferecer cursos de
capacitação profissional.
De acordo com a pesquisa, 85% dos trabalhadores entrevistados, além de
terem baixíssima escolaridade (analfabetos e com menos de quatro anos
de estudo), nunca fizeram curso de qualificação. No entanto, 81,2%
declararam que gostariam de fazer algum curso, principalmente os mais
jovens (95,2% dos que têm menos de 30 anos). A preferência recai nas
áreas de mecânica de automóveis, operação de máquinas, construção
civil (pedreiro, encanador, pintor) e computação.
Maranhão, Paraíba e Piauí são os exportadores de mão de obra escrava
para outros estados. Eles estão entre as principais origens dos
trabalhadores resgatados em Goiás (88%) e no Pará (47%). No Mato
Grosso e na Bahia, 95% deles eram da própria região.
Segundo a OIT, a agropecuária continua sendo o setor de maior
concentração de trabalho escravo, sobretudo nas fazendas de
cana-de-açúcar e produção de álcool, como é o caso do Pará; plantações
de arroz (Mato Grosso); culturas de café, algodão e soja (Bahia); e
lavoura de tomate e cana (Tocantins e Maranhão).
Segundo a pesquisa, o aliciamento se dá, na maioria dos casos, pela
rede de relações pessoais; os "gatos" (aliciadores) e escritórios que
funcionam como agências de emprego aparecem em segundo lugar. Em
terceiro estão hotéis, pensões e locais públicos, como rodoviárias,
estações de trem e ruas das cidades.
O conceito de trabalho escravo apontado pela OIT considera, além das
condições precárias (falta de alojamento, água potável e sanitários,
por exemplo), cerceamento à liberdade pela presença de homens armados,
dificuldades de acesso às fazendas e dívidas contraídas de forma
forçada pelos trabalhadores para pagar alimentação e despesas com
ferramentas usadas no serviço.
O Ministério do Trabalho informou que a pasta não comentaria a
pesquisa porque o responsável pela área de fiscalização estava
incomunicável ontem.

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