Durante o governo Lula o advogado Pedro Abramovay era visto como um prodígio. Com apenas 30 anos, ocupou o cargo de ministro no período de transição entre os titulares da pasta.
A experiência rendeu-lhe o título de ministro mais jovem da história do Brasil. Formado pela USP, Abramovay também foi Secretário Nacional de Justiça e Secretário Nacional de Políticas Sobre Drogas.
Sua passagem pelo governo foi interrompida de forma abrupta depois que ele defendeu, em janeiro, o fim da prisão para pequenos traficantes em uma entrevista. Sua posição teria irritado a presidente Dilma Rousseff.
O ministro da Justiça, José Eduardo Martins Cardozo, descartou a ideia defendida por seu subordinado, de que o governo enviasse ao Congresso um projeto para tornar padrão um entendimento do STF (Supremo Tribunal Federal) que respalda o uso de penas alternativas para a lei de drogas.
Levando hoje "uma vida mais leve que nos últimos oito anos", Abramovay atualmente mora no Rio de Janeiro, onde leciona na FGV Direito.
Embora evite criticar diretamente o governo e até elogie Dilma Rousseff, ele desfraldou de vez a bandeira de tirar dos presídios os usuários de drogas.
O senhor assistiu ao documentário "Quebrando o tabu", onde FHC defende a descriminalização do uso de drogas?
Assisti sim. O grande mérito do filme é fazer o debate sobre as drogas sem o preconceito que funciona como um véu nos olhos das pessoas. A política sobre drogas no Brasil vem produzindo equívocos.
Desde que entrou em vigor (há três anos) a lei que proibiu a conversão da pena de prisão em pena alternativa nas condenações por tráfico, houve um aumento de 62% na população carcerária ligada às drogas.
Acontece que não estão prendendo só os traficantes.
Os usuários de drogas, então, estão no meio dos criminosos mais violentos...
A prisão deve ficar para quem realmente cometeu crimes violentos. É preciso medidas que separem o joio do trigo. Colocar uma pessoa na prisão é fazer ela entrar em contato e ser cooptada pelo crime organizado.
O usuário vai ficar estigmatizado e não vai conseguir emprego. Sua única inserção social será oferecida pelo crime organizado. Pegar uma pessoa que cometeu crimes leves e colocá-la na prisão é oferecer mão de obra barata para o crime organizado.
A grande maioria das pessoas presas hoje como traficantes foi pega com quantidades ínfimas. O foco da política repressiva de drogas está sendo enxugar gelo.
O senhor deixou o governo Dilma devido as suas posições sobre as drogas. Como avalia o episódio?
Eu não falo sobre esse assunto porque isso tira o foco. Sou admirador do ministro (da Justiça, José Eduardo Martins Cardozo) e da presidenta (Dilma). Admiro o governo que eles estão fazendo.
Então voltemos ao debate das drogas. A fronteira entre o traficante e o usuário é muito tênue no Brasil. A mudança no Código de Processo Penal vai contribuir para diminuir a população carcerária?
Se você for analisar os casos das pessoas presas com drogas vai ver que a maioria é gente que nunca cometeu outros crimes. Estavam sozinhos, com pequena quantidade, desarmados e não tinham antecedentes criminais.
Houve uma explosão de presos com esse perfil. A imagem de que estamos afastando os bandidos perigosos da rua ao aumentar a população carcerária é equivocada. O novo Código de Processo Penal faz com que as pessoas acusadas por crimes de até quatro anos e que podem ser trocados por penas alternativas não podem ter prisão preventiva decretada
O juiz tem que dar outro jeito, tipo monitoramento eletrônico, prisão domiciliar, reter passaporte ou outras medias que não a prisão. O atual modelo não está funcionando. Precisam parar de colocar na cadeia as mulheres que levam drogas na prisão para os maridos. A população carcerária brasileira é a maior da história. Pela primeira vez, droga é a razão maior de aprisionamento.
O acesso a defesa e aos tribunais é democrático no Brasil?
O sistema penal é seletivo. Ele escolhe de maneira clara quem vai se preso. No caso de drogas isso é evidente. A pessoa que é presa com um saquinho de cocaína na favela é um traficante. Se for em uma região rica, é usuário. Além disso, a defensoria pública funciona bem em alguns estados e em outros tem estrutura pequena.
Onde a defensoria funciona e onde não?
No Rio de Janeiro, por exemplo, a defensoria é antiga, tem uma quantidade boa de defensores o os salários são iguais aos do Ministério Público. Já em São Paulo, o salário é o da base do Ministério Público. No Paraná, defensoria ainda nem foi criado. Só agora abriram concurso. E em Santa Catarina não existe. Onde não há defensoria, a condição de defesa é muito precária.
O crime organizado brasileiro é um risco para a Copa?
Nunca tivemos problemas sérios com o crime organizado em grandes eventos no Brasil. Não vejo isso com uma ameaça. Mas temos que estar preparados e investir em tecnologia.
O importante é que o controle do crime organizado não seja só nos eventos. Só faz sentido receber a Copa se ela devolver ao povo brasileiro a alegria de ir aos estádios e acabar com as brigas de torcidas.
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