domingo, 5 de julho de 2009

Ação contra torturas do regime militar

05/07/2009

Ação contra torturas do regime militar

» DIREITOS HUMANOS
Publicado em 05.07.2009

ONG que trata da defesa dos direitos humanos prepara demandas contra o Brasil sobre mortes ocorridas no regime militar e formalizará denúncia perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos

Gilvan Oliveira

goliveira@jc.com.br

O Estado brasileiro está prestes a enfrentar as primeiras acusações de responsabilidade por torturas durante o regime militar (1964-1985) perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos, sediada em San José, capital da Costa Rica. O Centro Pela Justiça e o Direito Internacional (Cejil), Organização Não-Governamental (ONG) que trata da defesa de direitos humanos em vários países lationoamericanos, prepara demandas contra o País pelas mortes na Guerrilha do Araguaia (1972-1974) e outras, de casos individuais, como os assassinatos do jornalista paulista Vladimir Herzog e do militante pernambucano Luiz José da Cunha, conhecido como Comandante Crioulo.

Os casos devem ser formalizados até o próximo dia 11. O argumento para responsabilizar o País é que agentes do Estado teriam praticado os crimes e pela omissão na apuração de responsabilidades. O escritório do Cejil no Brasil, no Rio, não detalha as demandas. Apenas confirma que seus advogados estão à frente delas. O principal argumento é que a tortura, um crime contra a humanidade, é imprescritível segundo convenções internacionais ratificadas pelo Brasil. E que o delito não poderia ser remido pela Lei da Anistia. Até hoje, o Brasil só recebeu uma condenação da Corte Interamericana. Em 2007, o País foi considerado responsável por não investigar a morte, por maus tratos e tortura, de um paciente em um hospital psiquiátrico de Sobral (CE).

Segundo o procurador da República da 3ª Região (São Paulo), Marlon Weichert, se as demandas forem julgadas procedentes, o Brasil pode ser declarado omisso quanto às normas de direitos humanos, e obrigado a reabrir investigações das mortes para apurar se houve tortura e punir seus autores. "A Corte não substitui o Judiciário brasileiro. Apenas determina que o Brasil, através de seus órgãos internos, promova as investigações e as ações necessárias para essa punição", explica. Além disso, prossegue ele, a União pode ser condenada a indenizar as famílias das vítimas, mesmo se elas já tiverem sido reconhecidas como anistiadas políticas e recebido indenizações dos governos federal e estaduais. "A Corte pode considerar o valor insuficiente", justifica.

O procurador é co-autor do pedido de desarquivamento das investigações sobre a morte de Herzog, negado pela Justiça Federal em São Paulo em janeiro deste ano. Ele defende que o Judiciário brasileiro deveria acatar a retomada das apurações sobre torturas. "O Brasil é signatário de tratados de direito internacional concordando que a tortura é imprescritível", adverte.

A demanda sobre a morte de Luiz José da Cunha, Comandante Crioulo, líder da Aliança Libertadora Nacional (ALN), será levada à Corte Interamericana a pedido da secretária de Direitos Humanos do Recife, Amparo Araújo. Ela ficou viúva do militante em 1973. Cunha foi morto em São Paulo por agentes do Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (Doi-Codi) do II Exército. "Meu objetivo é a investigação para sejam apontados os culpados. Acredito no êxito da ação", diz.

Viúva de Vladimir Herzog – morto em uma cela do Doi-Codi na capital paulista em 1975 –, a publicitária Clarice Herzog afirma que sua intenção é a mesma de Amparo. Mas se diz pessimista em relação ao prosseguimento das investigações sobre a morte do marido, mesmo se o País for condenado. "Estou cética quanto às investigações. Mas pelo menos deixamos a imagem do País marcada internacionalmente pelo sua omissão", comenta. Na Guerrilha do Araguaia, travada no sul do Pará, 67 militantes foram mortos pelo Exército, 41 deles executados após terem sido rendidos e amarrados em bases militares.

Polêmica envolve prescrição para os crimes de tortura

Publicado em 05.07.2009

O crime de tortura é imprescritível? É o grande dilema no debate sobre a reabertura de investigações de mortes de militantes políticos durante o regime militar. E a solução está com o Supremo Tribunal Federal (STF). A coordenadora da Assessoria Internacional da Secretaria de Direitos Humanos (SEDH), da Presidência da República, Cristina Cambiaghi, afirma que o governo brasileiro só vai tomar qualquer medida quando o STF se posicionar sobre o tema. "O ministro (Paulo Vannuchi, da SEDH) é a favor da reabertura. Mas a posição do governo é aguardar pelo STF. Na esfera administrativa, o governo fez tudo que estava ao alcance: reconheceu responsabilidades, indenizou, lançou o projeto Direito à Memória e à Verdade", explica.

A posição do STF deve sair este ano, quando for julgada uma ação proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), chamada Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). A OAB questiona a validade do artigo 1º da Lei da Anistia, que considera como "conexos e perdoados" os delitos relacionados a crimes políticos praticados entre 1961 e 1979. Defende que a anistia não abrange agentes estatais torturadores, e que o crime é imprescritível.

Cristina Cambiaghi informa que o governo vai se defender das representações na Corte Interamericana, e acatar a decisão do órgão. Mas ela admite que o País ficaria em posição delicada se a Corte determinar a apuração de torturas e o STF manter a anistia. E preferiu não comentar qual seria a posição do governo nesse conflito.

"Se condenado, País terá imagem muito desgastada"

ENTREVISTA » MARLON WEICHERT
Publicado em 05.07.2009

O procurador Marlon Weichert, do Ministério Público Federal paulista, ganhou destaque como co-autor do pedido de reabertura das investigações sobre a morte de Vladimir Herzog. Ele explica as consequências que o Brasil pode sofrer com as demandas na Corte Interamericana.

JORNAL DO COMMERCIO – Em caso de uma condenação do Brasil no julgamento da Corte Internacional, que tipo de sanção o País pode sofrer?

MARLON WEICHERT – O País fica com uma imagem desgastada na comunidade internacional por não cumprir suas obrigações quanto aos direitos humanos. Isso pode prejudicar pretensões de assumir novos espaços, funções e papéis na Organização das Nações Unidas (ONU), inclusive no Conselho de Segurança. Como o Brasil é signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos, ele aceita sua vinculação à Corte. Se ele descumpre uma determinação, a Corte emite relatórios que podem desconstruir o papel que o Brasil paulatinamente vem construindo no cenário internacional.

JC – Há quem defenda que ativistas políticos que tenham se excedido na sua militância poderiam ser colocados na condição de réus nesses processos que apuraram responsabilidades.

WEICHERT – É uma questão que precisa ser vista com muita cautela. Primeiro, os crimes praticados por quem protestou contra o regime não são crimes contra a humanidade. Esses são praticados por agentes do Estado, com a conivência do Estado, de perseguição a determinado segmento da sociedade civil. O máximo que poderia se discutir é se esses crimes (dos ativistas políticos) seriam caracterizadores de terrorismo. Terrorismo tem uma apenação e uma ordem de repressão forte no direito internacional. Mas isso demandaria uma apuração, se eventuais crimes praticados no Brasil foram de terrorismo. O conceito de terrorismo é muito tênue, porque se trabalha com ideia que é um crime que atenta contra o Estado ou a população civil, numa espécie de chantagem, e contra um Estado legítimo. E no caso brasileiro, o Estado era ditatorial e autoritário, que assumiu o poder por um golpe. Segundo ponto: aqueles que lutaram contra o regime foram processados e condenados. Uma parte substancial deles cumpriu penas: dezenas de milhares foram exilados, outros milhares foram presos. Então não é uma situação igual para os dois lados. Um teve seus fatos apurados, processados, condenados e apenados, o outro sequer apuraram os fatos. Então não dá para botar na mesma vala situações completamente distintas.

JC – O Brasil é pouco demandado na Corte Interamericana de Direitos Humanos, ao contrário dos demais países das Américas do Sul e Central. Por que isso acontece?

WEICHERT – O Brasil demorou a reconhecer a jurisdição da Corte. Só no governo FHC (em 1998) a reconheceu. Agora a sociedade começa a perceber que o sistema interamericano é legítimo e tem uma importância grande.


Fernando Matos

"Crê nos que buscam a verdade. Duvida dos que a encontram." André Gide

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