Deputado denuncia espionagem da PM
Imagine a situação: o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, ordena à Polícia Federal que membros da corporação à paisana sigam e grampeiem líderes da oposição ao Governo Federal. Desconfiados, os oposicionistas arquitetam um flagrante – com a participação de uma equipe de televisão – e abordam um suposto araponga dentro de um veículo "placa fria" a cerca de 50 metros da porta do quartel-general do partido. De que maneira a mídia abordaria o caso? Esse é o questionamento feito pelo deputado estadual mineiro Rogério Correia (PT) diante da apatia da imprensa do estado em noticiar uma denúncia de espionagem contra o Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (SindUTE). "Saíram notícias, mas a imprensa se esquiva de pedir por investigação e averiguação do ocorrido", diz ao site de CartaCapital o deputado petista, criticando o modo brando como os meios de comunicação de Minas Gerais lidam com as denúncias
Há aproximadamente duas semanas, as lideranças sindicais que desde junho estão em conflito com o governo estadual pelo cumprimento da lei do piso salarial do magistério, considerada legal em recente julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF), notaram que algumas pessoas permaneciam longos períodos dentro de veículos diante do edifício do SindUTE, em Belo Horizonte. "Também notamos que os carros da entidade estavam sendo seguidos", revela um membro do sindicato. Na terça-feira 6, a coordenadora do SindUTE, Beatriz Cerqueira, contatou o deputado Correia e ambos conseguiram falar com um dos supostos espiões, que estava em um carro preto.
Nas cenas gravadas pela emissora regional TV Alterosa, o suspeito não quis se identificar, mesmo após Correia ter se apresentado como parlamentar. Depois de ser impedido de ir embora do local por um grupo de pessoas prostradas à frente do veículo, ele abandonou o carro e deixou a área a pé. O deputado e os sindicalistas suspeitam tratar-se de um policial militar à paisana. Isso porque as placas, tanto do veículo abandonado quanto de outros carros suspeitos – anotadas ao longo dos dias para checagem – aparecem no Detran como "veículo de consulta restrita". Por meio da Polícia Civil, Correia diz ter recebido a confirmação de que os automóveis são de uso da Polícia Militar mineira.
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"É uma espionagem com o objetivo de monitorar e intimidar o movimento sindical e quem faz oposição ao governo estadual", denuncia o deputado. Recentemente, descobriu-se que o celular da coordenadora Beatriz Cerqueira estava grampeado. Ela desconfiou do monitoramento quando uma primeira tentativa de flagrar um suspeito na frente da sede do sindicato foi frustrada. "Nós estávamos planejando abordá-los (os suspeitos de espionagem). Na última quinta-feira (1º de setembro), eu liguei do meu celular para informar o Rogério Correia que um dos carros estava aqui no SindUTE. Pouco depois da chamada, não havia mais ninguém lá fora". Na ação desta terça-feira, Beatriz e o deputado estadual organizaram o flagrante por meio de telefones fixos.
Para Correia, o episódio evidencia que a Polícia Militar atua como se o estado "vivesse um estado de exceção". Quando o suposto espião abandonou o automóvel, o deputado afirma ter solicitado à corporação o envio de viaturas para identificar o proprietário do veículo. Diante da negativa, ele argumenta ter entrado em contato diretamente com o comandante da Polícia Militar de Minas Gerais, o coronel Renato Vieira de Souza. "Ele disse com todas as palavras que não enviaria uma viatura ao local para não causar um fato político", queixa-se Correia. O site de CartaCapital entrou em contato com o comandante, que não se manifestou, sob a justificativa de que "o assunto estava sendo apurado". Perguntado se recebeu uma ligação do parlamentar petista no dia da ocorrência, o comandante insistiu que não tinha mais nada a dizer sobre o caso.
O governo liderado por Antônio Anastasia (PSDB) enviou uma nota de esclarecimento, sem dirigir-se diretamente à denúncia feita por Rogério Correia. Ela se atém a destacar que a corporação "nos seus 236 anos de prestação de serviços à comunidade mineira tem dado provas de inequívoca vocação democrática". Mais adiante, o texto defende que "a Polícia Militar de Minas Gerais pauta seus atos pela transparência, não se prestando ao cerceamento de direitos ao realizar o seu trabalho de polícia ostensiva ou de inteligência aplicada à preservação da ordem pública e à segurança dos cidadãos".
Em razão do ocorrido, os deputados Correia e Durval Ângelo (PT), por sua vez, divulgaram que levarão as denúncia à Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, ligada a Presidência da República, e farão uma representação na Ouvidoria da PM mineira, já que não foi possível lavrar um boletim de ocorrência no flagrante, devido à ausência das viaturas no local. "Caso a Polícia Militar e seu comandante, Renato Vieira de Souza, não adotem as medidas funcionais exigidas para um evento desse tipo (registrar a ocorrência e iniciar a correta investigação dos fatos), será solicitada a apuração das responsabilidades e, de pronto, o afastamento do comandante da corporação", escrevem os deputados em um comunicado do movimento Minas Sem Censura. Eles também pedem investigações sobre as possíveis violações do sigilo telefônico dos líderes sindicais.
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