Tornozeleira eletrônica aumenta gastos e prisões
Marcelo Semer
De São Paulo
Para o juiz Marcelo Semer, o rastreamento eletrônico de condenados agravará a superpopulação do sistema prisional.
(foto: Reprodução)
Nem Ipod, nem Ipad, nem kindle.
A próxima coqueluche tecnológica a ganhar milhares de adeptos no país pode ser a tornozeleira eletrônica.
O aparelho, no entanto, está longe de se transformar em objeto de desejo de seus usuários. E a bem da verdade, deve trazer mais problemas do que soluções.
A novidade foi aprovada recentemente pelo Congresso Nacional e aguarda agora sanção do presidente Lula.
O rastreador será obrigatório aos presos que estejam cumprindo pena no regime aberto ou em livramento condicional. E também a todos os condenados em regime semiaberto que têm autorização para trabalho externo ou que gozam do benefício da saída temporária.
A contar pelo tradicional preconceito que a sociedade carrega até mesmo contra os que têm distante passado criminal, perceptível na dificuldade dos egressos de encontrar trabalho, pode-se avaliar o tamanho do constrangimento que o aparelho causará aos usuários que não conseguirem escondê-lo.
Presos cumprem penas fora do presídio, no regime aberto, ou têm autorização para trabalho externo no semiaberto, justamente para facilitar a reinserção social.
Como o futuro de todo condenado é a vida em sociedade, a progressão de regime e a autorização de trabalho são instrumentos importantes para que esse retorno seja gradual e proveitoso.
A exposição pública de quem está em cumprimento de pena não vai facilitar em nada essa ressocialização, principalmente estimulando-se o estigma dos condenados. Por este motivo, não raro os que discutem a legalidade da medida.
As estatísticas demonstram que a expressiva maioria dos presos que gozam das saídas temporárias, retorna regularmente ao cumprimento de suas penas, sem a necessidade de qualquer vigilância.
O percentual de não regresso dificilmente supera os 5%. Muito provavelmente serão os mesmos que, com ou sem a colocação do aparelho, descumprirão as regras.
Por outro lado, a principal justificativa para a edição da lei é uma suposta diminuição das prisões e conseqüente redução de custos. Parte do princípio que é mais barato vigiar do que punir.
Mas o que a lei fará é exatamente o contrário.
Os que receberão o novo artefato de rastreamento eletrônico são justamente aqueles que se encontram fora da cadeia. Não há previsão para o uso do monitoramento em presos do regime fechado.
Dada a inexistência de casas de albergado, praticamente todos os condenados em regime aberto já cumprem hoje suas penas em prisão domiciliar. E os presos do semiaberto, de bom comportamento, também passam dias fora da prisão, caso estejam empregados.
A tornozeleira não servirá como alternativa à prisão; ao contrário, vai levar a prisão a quem hoje cumpre pena fora dela.
Não é preciso ser economista para compreender que os custos do sistema também aumentarão, pois aos gastos com as detenções vão se acrescer os gastos com os monitoramentos.
É razoável concluir que ninguém vai sair da cadeia por causa da tornozeleira eletrônica, mas muitos, com certeza, voltarão a ela.
As regras para concessão dos benefícios devem se tornar mais rigorosas, e o controle aumentará, inclusive sobre locais e horários proibidos. Qualquer falta pode provocar recolhimento ao cárcere, mesmo sem cometimento de outro crime. A possibilidade de prever o uso do equipamento em hipóteses em que a prisão não se faz necessária, como nas penas alternativas, é tão draconiana que seguramente será objeto de contestação judicial.
Mas não se deve esquecer o principal.
O dinheiro que hoje falta para construir um sistema prisional decente, cuja ausência deixa milhares de presos amontoados em celas ou até em containeres, será consumido com estes novos aparelhos.
Como o volume de consumidores-alvo faz inveja até a Steve Jobs, supõe-se que será, sobretudo, um grande negócio.
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