quarta-feira, 19 de maio de 2010

ENTREVISTA - Fernando Matos (diretor de Defesa dos Direitos Humanos da SEDH)


 
A entrevista foi antes da decisão do STF...mas só achei hoje.
Atualizado em 28/04/2010

ENTREVISTA - Fernando Matos (diretor de Defesa dos Direitos Humanos da SEDH)

"Essas pessoas são criminosas e eu espero que o Supremo caminhe nessa direção e reconheça que a anistia não pode ser aplicada àquelas pessoas que mataram, torturaram e esquartejaram pessoas"

Aline Lamas
(cotidiano@webdiario.com.br)

O diretor de Defesa dos Direitos Humanos da SEDH (secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República), Fernando Matos, esteve em Osasco na última sexta-feira, em evento que discutiu os direitos, deveres e liberdades básicas de todo o cidadão. Após a cerimônia de abertura do XVI Encontro Nacional de Direitos Humanos, Matos falou ao Diário da Região sobre a validade da Lei de Anistia para torturadores, que será julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quarta-feira. O diretor ainda defendeu o Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH) que propõe a criação da comissão da verdade para apurar crimes ocorridos durante o regime militar.

Qual a opinião do senhor a respeito da punição daqueles que torturaram durante a ditadura? Como o PNDH aborda essa questão?

A punição dos torturadores está sendo julgada pelo Supremo Tribunal Federal, através de uma ação movida pela OAB. O Programa Nacional dos Direitos Humanos (PNDH) propõe a criação da comissão da verdade pelo direito que essas pessoas têm de saber onde estão aqueles que foram mortos ou desapareceram, de saber o que aconteceu nos porões da ditadura. A comissão não tem um papel punitivo, mas o papel de esclarecer o passado recente brasileiro para que ele não se repita nunca mais.

A proposta do fim da lei de anistia aos torturadores era para ser julgada na semana passada, pelo STF, mas o ex-presidente Gilmar Mendes cancelou a votação. Como o senhor vê essa atitude?

É um cuidado, uma cautela que o poder judiciário está tendo. Como sabemos, esse é um tema extremamente polêmico, que realmente terá um impacto muito forte. Nós estamos vendo a Argentina prendendo presidentes; uma situação que o Brasil não viveu. A gente espera que a decisão do Supremo entenda que a tortura é um crime imprescritível. Durante a ditadura militar, não existia legalidade para a tortura. Não havia nenhuma ordem ou lei que autorizasse militares ou policiais a torturarem. Então, essas pessoas não podem ser alcançadas pela anistia. Essas pessoas são criminosas e eu espero que o Supremo caminhe nessa direção e reconheça que a anistia não pode ser aplicada àquelas pessoas que mataram, torturaram e esquartejaram pessoas.

Qual a importância da entrada da OAB nessa campanha?

É importantíssimo. A OAB, primeiro, fez a ação que está gerando a decisão do Supremo sobre a questão da tortura ser alcançada ou não pela anistia. Em segundo, há a campanha do direito à memória, pela exposição dos fatos que levaram tantos brasileiros e brasileiras a estarem sepultados em locais ignorados, longe de suas famílias. Isso é algo que o Brasil precisa superar. Nós precisamos superar essa ferida para que o país possa acabar com a tortura que está acontecendo hoje no sistema penitenciário e nas delegacias. Se não deixarmos a impunidade do passado prevalecer, teremos muito mais força para combater as arbitrariedades que estão acontecendo hoje.

Argentina, Chile e outros países lidam com a questão da ditadura com uma maior transparência e com mais facilidade do que o Brasil. A que isso se deve?

As histórias dos países são bastante distintas. Milhares de pessoas morreram na Argentina. Então, a situação lá teve um nível de enfrentamento maior do que no Brasil. Nesse sentido, eu falo como advogado e como defensor dos direitos humanos, a gente espera que o poder judiciário tenha a consciência do papel histórico que vai estar representado para ele. Espero que o povo brasileiro possa resgatar o conhecimento do que se passou no país nos anos recentes e que a gente possa superar a impunidade que ainda acoberta em seu manto vários e vários criminosos.

Sempre foi colocado "panos quentes" nas discussões sobre a anistia, desde a redemocratização do país. A discussão só veio à tona nos últimos anos. O passado da candidata Dilma Rousseff, que já foi torturada, teve alguma influência na retomada das discussões sobre o tema?

Não. A questão do direito à verdade e à memória faz parte dos direitos humanos. Há um grande movimento continental. Depois da redemocratização, nós tivemos vários governos de esquerda em toda a América do Sul. Acho que isso sim; esse clima é que tem trazido à tona o debate. Não há revanchismo. Em 1985, o presidente da OAB na ocasião disse que revanchismo é querer torturar os torturadores. Ninguém quer isso. A gente quer saber quem são, queremos que a verdade prevaleça e queremos que esses fatos não se repitam no país. Queremos que aqueles que o Supremo disser que não estão cobertos pela lei da anistia sejam julgados e punidos, depois do devido processo legal.

As buscas no Araguaia já foram um grande avanço. Como você avalia essa questão e como está o ritmo das buscas?

É uma área muito grande. As buscas não são feitas apenas de uma vez; há uma cooperação do Ministério da Defesa que é importantíssima para que esses locais sejam pesquisados. A gente ainda tem esperança e expectativa de que alguns dos corpos ainda sejam localizados.

Um artigo do Plano Nacional de Direitos Humanos foi acusado por alguns veículos de comunicação por dar margem à restrição da liberdade de imprensa. O senhor discorda dessa alegação?

Acho que é um pouco de má fé, de distorção e de manipulação com relação ao que o texto do programa diz. O programa propõe a criação de um marco legal, ou seja, um projeto de lei que regulamente o artigo da Constituição brasileira, o artigo 221. Não há nada para violar, limitar, cercear ou censurar a imprensa. Ao contrário, o programa busca garantir que não haja programas defendendo a homofobia, o racismo, a criminalização dos movimentos sociais. Então, esse tipo de coisa é inaceitável e a Constituição brasileira já diz isso há 21 anos.

O plano daria margem para a implantar uma democratização dos meios de comunicação?

É o que a gente pretende. É o que a gente espera, porque o Brasil precisa. O povo brasileiro tem o direito não apenas de receber a informação, mas também de produzi-la.


Fernando Matos

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