CPT: O trabalhador não vale nada. Pode matar o quanto quiser
Ana Cláudia Barros
"Aqui, no Pará, mesmo quando o suspeito é levado a julgamento, nunca fica atrás das grades se condenado". A afirmação, crivada de ceticismo, é do integrante da coordenação da Comissão Pastoral da Terra (CPT) no Estado, o engenheiro agrônomo Hilário Lopes Costa. Em entrevista a Terra Magazine, Lopes, que atua no escritório da entidade em Pacajá, onde foi registrado o assassinato do trabalhador rural Obede Loyla Souza, o quinto em terras paraenses nas últimas três semanas, falou sobre conflitos agrários na região e sobre a pouca fé que tem na punição dos culpados.
- É essa visão de desenvolvimento baseada apenas na exploração dos recursos e da força de trabalho do povo, que não é incluído na riqueza gerada. Aí, um pobre, um trabalhador não vale nada. Pode matar o quanto quiser. Nunca quem os mata será julgado. E se é julgado e condenado, nunca vai cumprir pena. É por isso que os assassinatos acontecem. A nossa vida não vale nada. O que vale é a vida dos grandes capitalistas nacionais e internacionais.
Incisivo, o representante da CPT criticou o posicionamento do Executivo estadual, que se apressou em apresentar, mesmo antes da investigação, uma "causa provável" para justificar a morte de Obede Loyla Souza, sepultado na terça-feira (14). "Geralmente, a prática no Estado do Pará é essa mesmo. A motivação (informada pelas autoridades) nunca é a verdadeira", disse, num misto de ironia e cansaço.
Lopes criticou ainda o tratamento dado pela ex-governadora Ana Júlia Carepa (PT) e o atual Simão Jatene (PSDB) aos conflitos agrários.
- A postura dos governos é sempre de não revelar os fatos. Mesmo porque isso acaba fazendo com que o Estado fique, para o cenário nacional e internacional, como um Estado sem justiça. Isso leva a camuflar a verdade, os fatos, a desviar o ponto de referência.
Confira a entrevista.
Terra Magazine - A CPT tem novas informações sobre quais teriam sido as motivações do assassinado do Obede Loyla Souza? - Em nota, a entidade informou que a vítima teria discutido com uma pessoa ligada ao "interesse dos grandes madeireiros" em razão da extração ilegal de madeira e por danificar estradas de acesso ao Acampamento Esperança e aos assentamentos da região.
Hilário Lopes Costa - A versão que nós temos ainda é a mesma. Precisamos esperar que a polícia avance nas investigações para que possamos ter algo mais concreto.
O governo do Estado do Pará divulgou nota terça-feira (14), dizendo, mesmo antes da investigação, que a causa mais provável da motivação do crime seria "uma desavença interna entre assentados". O que a CPT acha desta declaração?
Geralmente, a prática no Estado do Pará é essa mesmo. A motivação (informada pelas autoridades) nunca é a verdadeira. Por exemplo, havia uma liderança de muita expressão na região, o Raimundo Nonato do Carmo, que era presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Ele foi assassinado em 2008. A versão imediata que prevaleceu foi que o crime havia sido cometido por parentes.
Alguns cunhados deles ficaram por uns dias na cadeia, mas foram soltos porque não teriam sido eles. Soltaram os legítimos suspeitos da polícia, mas nunca foram atrás dos verdadeiros suspeitos.
Aqui, no Pará, mesmo quando o suspeito é levado a julgamento, nunca fica atrás das grades se condenado. Ao longo da história da CPT, nestes 35 anos de existência, só aqui no Pará, são quase mil trabalhadores, lideranças rurais, religiosas, advogados assassinados pelas forças do grande capital.
Na sua opinião, houve, mais uma vez, precipitação da polícia em apresentar a "provável motivação"?
O problema é o seguinte: a vida dos trabalhadores neste País não vale nada para este modelo de desenvolvimento, esse sistema. Não vale nada também para esses governos, mesmo que digam que querem desenvolver políticas sociais que ajudem a acabar com a pobreza, que inclua os que estão no nível abaixo da pobreza.
O que há, na verdade, é uma conivência grande do governo federal com esse modelo e que acaba desestruturando e passando por cima das conquistas dos trabalhadores, dos povos da Amazônia. Toda terra conquistada aqui foi com muita luta, muito suor e com derramamento de sangue. Que os trabalhadores rurais da região tenham o direito de ter um pedaço de terra.
De repente, chegam empresas mineradoras, madeireiros e desrespeitam essa luta. E com apoio de programas de governo. Quem dá as cartas do modelo de desenvolvimento é o governo federal. É claro que nos estados há o apoio dos governos locais.
É essa visão de desenvolvimento baseada apenas na exploração dos recursos e da força de trabalho do povo, que não é incluído na riqueza gerada. Aí, um pobre, um trabalhador não vale nada. Pode matar o quanto quiser. Nunca quem os mata será julgado. E se é julgado e condenado, nunca vai cumprir pena. É por isso que os assassinatos acontecem. A nossa vida não vale nada. O que vale é a vida dos grandes capitalistas nacionais e internacionais.
Você está afirmando é que tudo continuará como está...
Essa coisa de que há um interesse, um esforço para fazer justiça é só conversa fiada para enganar a nação. No caso do Zé Cláudio e da dona Maria, lá de Nova Ipixuna. A Força Nacional está lá e ainda matam mais um trabalhador.
Como a CPT avalia a atuação da Força Nacional?
Como no tempo em que mataram a irmã Dorothy (Stang, em fevereiro de 2005, no Pará), foi todo um aparato. Foi um dos casos em que se conseguiu, devido a muito esforço, levar a júri todos os diretamente envolvidos no crime. Mesmo assim, quem durou mais na cadeia foram os pistoleiros, porque os mandantes sempre dão um jeito de não cumprir a pena.
Quer dizer, os problemas continuam na região. Às vezes, a gente ouve: "O caso da Dorothy foi exemplar". Era uma religiosa e, além de tudo, era americana, portanto, teve toda a pressão do governo dos Estados Unidos para se fazer justiça. Alguns casos, quando, de fato, há justiça, é justamente por causa de pressão internacional.
O que você está dizendo é que só os casos que ganham visibilidade conseguem justiça?
Isso mesmo. Agora, quando é para criminalizar os movimentos, as pessoas que lutam pelos mais pobres, aí, a Justiça não mede esforços. Essas pessoas são exemplarmente criminalizadas e punidas, quando não são assassinadas.
E em relação à atuação da Força Nacional?
Só vamos poder avaliar depois que ela concluir o trabalho. Só então poderemos constatar até que ponto houve avanço nos resultados. Por enquanto, não percebemos nada de concreto.
Tive a informação de que, no ano passado, 13 trabalhadores rurais foram assassinados só em Pacajá (onde Obede Loyla Souza foi morto). No relatório da CPT, o número é de 8 assassinatos. Qual é o dado real?
É complicado. Os dados que tínhamos aqui diziam realmente que foram 13. O problema é que nós não conseguimos descobrir os nomes. Os trabalhadores sabiam que era esse número de pessoas assassinadas, porém, não tinham os nomes. Se você conversar com um trabalhador, ele vai dizer o dia, onde o corpo foi encontrado...
Agora, montamos uma dinâmica. Estamos pegando logo os nomes e, quando podemos, pegamos fotos para, no final do ano, a gente ter esses dados sem nenhuma contestação. Já foi solicitada até a possibilidade de ter um repórter que pudesse entrar na região e fazer tudo isso. A gente acaba ficando na mira. Não é muito fácil pra gente.
Como a CPT vê a atuação do governo do Pará em relação aos conflitos agrários no Estado?
A postura dos governos, tanto o anterior quanto o atual, é sempre de não revelar os fatos. Mesmo porque isso acaba fazendo com que o Estado fique, para o cenário nacional e internacional, como um Estado sem justiça. Isso leva a camuflar a verdade, os fatos, a desviar o ponto de referência.
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