quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Lesa-humanidade

CARTA CAPITAL

Linha de Frente :: Wálter Fanganiello Maierovitch




A visita ao Brasil do jurista e magistrado espanhol Baltasar Garzón, já parlamentar e secretário nacional para o fenômeno das drogas ilícitas, foi auspiciosa. Em especial, para reforçar conceitos sobre o direito natural do indivíduo e para relembrar o atual estágio do Direito Internacional, no que toca à tutela universal da dignidade humana.


As lúcidas e percucientes colocações de Garzón serviram, também, para colocar uma pá de cal no equivocado argumento de a lei brasileira de anistia de 1979 ser geral, irrestrita e, como ato soberano, apta a impedir que se exercite, no devido processo legal, o direito de buscar uma punição.


Garzón desmontou a falsa e temerária tese, muito comum no Brasil, de que discussões sobre torturas, assassinatos e desaparecimentos de pessoas, ocorridas durante uma ditadura militar, representam revanchismo contra as Forças Armadas. Para quem insiste em distorcer, foi repisada a velha lição de que a responsabilidade criminal, por crimes de lesa-humanidade, recai sobre pessoas e não em corporações.



Ao mostrar o quadro internacional, Garzón acabou por tocar em três questões fundamentais, que confirmam não impedir a brasileira Lei de Anistia (de 1979 e editada no curso do governo militar) à punição dos mandantes e dos executores materiais de crimes de lesa-humanidade.



Com efeito, em 1964, quando do golpe, o direito internacional e as convenções subscritas pelo Brasil já sancionavam crimes de lesa-humanidade (genocídio, tortura, terrorismo etc.). Mais, não consideravam legitimadas as extinções de punibilidades, por prescrição, decadência, anistia ou outro instituto jurídico voltado a abolir o ius puniendi ou impedir o ius punitionis.



Segundo ponto, à época do golpe brasileiro e, como ocorre até hoje em face do direito internacional e das convenções, o recurso à auto-anistia é ilegítimo. Trata-se, na verdade, de expediente concebido por ditadores e tiranos, isso para assegurar impunidade a eles e aos seus carrascos.



A brasileira Lei nº 6.683, de 1979, que concede anistia aos autores de crimes políticos, conexos a eles ou por motivação política, foi editada em pleno regime militar. Ou seja, representa um caso típico de auto-anistia. A mesma trilha jurídica foi traçada pelo tirano chileno Augusto Pinochet. Sobre bill de indenidade por meio de anistia, a Corte Interamericana de Direitos Humanos e as Nações Unidas, em várias oportunidades, declararam ilegítima essa forma de autotutela.



Posicionamento contrário à concessão de benefícios a tiranos assumiu a Corte Européia de Direitos Humanos, sediada em Estrasburgo, em casos a envolver as ditaduras Franjo Tudjman, na Croácia, e Slobodan Milosevic, na ex-Iugoslávia.



Por outro lado, existe possibilidade jurídica, na hipótese de o Judiciário brasileiro conferir validade à anistia e deixar de examinar acusações de crimes de lesa-humanidade, de essa questão ser apreciada por magistrados e tribunais de outros países, quer queira quer não Gilmar Mendes. Poderão os magistrados de fora julgar os casos, impor sanções, tentar bloquear contas correntes bancárias, determinar a expedição de mandados internacionais de prisão e, até, solicitar extradições: a Constituição Brasileira impede a extradição de nacionais.



A escola do direito natural, que via nessa vertente do direito uma obra da razão, teve papel fundamental nas mudanças, a partir dos séculos XVII e XVIII. Ela exaltou os direitos naturais do indivíduo e colocou-os como derivados da própria personalidade de cada pessoa. Assim, afastou-se do método escolástico e operou-se uma sistematização lógica e racional o direito. Com base nessa escola, assentaram-se as regras a autorizar, no que toca aos crimes contra a humanidade, a persecução sem limite de fronteira por parte de cortes e magistrados.



Vale lembrar, no fim da Segunda Guerra Mundial, terem sido criadas as cortes de Nuremberg e de Tóquio. Mais recentemente e ainda atuantes, os tribunais penais especiais para a ex-Iugoslávia e Ruanda, a fim de julgarem crimes de genocídio, de guerra, contra a humanidade e de agressões internacionais.



O Tribunal Penal Internacional (TPI), instituído em Roma em 18 de julho de 1998, é fruto dessa evolução. Só que o TPI não poderá apreciar os crimes de lesa-humanidade e as atrocidades consumadas durante a ditadura militar brasileira: o tribunal foi constituído depois dos fatos e observa o princípio da irretroatividade da lei penal.



De se frisar, por último, que a lei brasileira de anistia exclui da sua abrangência o crime de terrorismo (parágrafo 2º do artigo 1º). Durante a ditadura militar, e o episódio do Riocentro é apenas um dos exemplos, praticava-se terrorismo de Estado. Aí, os suspeitos de oposição ao regime eram torturados e assassinados.

Governo vê trabalho "penoso" na cana

Para ministros, existem avanços, mas há muito a ser feito na melhoria das condições dos trabalhadores

MÁRIO MAGALHÃES Folha de São Paulo





Centrais pedem medidas para melhorar as condições dos cortadores, sob pena de o país se tornar "vulnerável" em fóruns internacionais.

Embora reconheça como "penosa" e "extenuante" a atividade do corte da cana-de-açúcar, o governo considera que houve avanço nas condições de trabalho dos canavieiros. A opinião foi manifestada por três ministros e um secretário do Ministério da Agricultura. Luiz Dulci (Secretaria Geral da Presidência) afirma que é preciso "humanizar" a rotina dos cortadores.
Carlos Lupi (Trabalho) defende um "pacto social na área do etanol". Para Paulo Vannuchi (direitos humanos), a situação dos trabalhadores em alguns casos pode tornar o país "vulnerável" em fóruns do comércio internacional.
Dulci é o coordenador da Mesa de Diálogo para Aperfeiçoar as Condições de Trabalho na Cana-de-Açúcar, iniciativa que reúne o Executivo, empresários e trabalhadores.
Ele diz que os três segmentos concordam "que é necessário e possível aperfeiçoar e humanizar as condições de trabalho". A despeito de progressos, "há muito a ser feito na melhoria das condições desse trabalho, naturalmente penoso e desgastante se comparado a outros".
Lupi dá a medida do que aponta como evolução: "Há 20 anos, havia senhor feudal [na produção de cana]". Procurado anteontem por CUT e Força Sindical, Lupi aceitou marcar reunião sobre o tema. "Queremos medidas que acabem com essa vergonha", disse o presidente da Força, deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP).
No domingo, a Folha publicou reportagem sobre a vida dos cortadores de cana, em particular no interior paulista.
Em comparação com 1985, ano da greve de maior envergadura de canavieiros em Guariba (SP), hoje os lavradores do Estado cortam mais cana (9,3 toneladas por dia, contra 5,0), mas ganham menos.
Em 2007, um cortador de cana recebeu a média diária de R$ 28,90. Há 23 anos, o valor era de R$ 32,70 (queda de 11,6%), como destacou estudo dos pesquisadores Rodolfo Hoffmann (Unicamp) e Fabíola C. R. de Oliveira (USP). Os valores foram atualizados.
De 2003 a 2007, os fiscais do Trabalho promoveram 3.973 autuações por alegadas irregularidades no setor sucroalcooleiro de São Paulo e 17.655 no Brasil. Em muitos casos, as empresas recorreram.
Uma das opções para os cortadores que deixam a cana são outras culturas, diz Manoel Bertone, secretário nacional de Produção e Agroenergia do Ministério da Agricultura.
"Todos nós reconhecemos que o trabalho do corte manual da cana queimada é realmente extenuante, muito difícil de ser feito", afirma Bertone.
O ministro Paulo Vannuchi sustenta que "o tema dos direitos humanos aí não é simplesmente ter respeito pelo ser humano, o que já deveria ser motivo mais do que suficiente para os grandes empresários brasileiros e paulistas não permitirem a repetição desse tipo de estado de coisas que a reportagem da Folha descreveu".
Vannuchi teme que o Brasil possa ser prejudicado em organismos do comércio internacional devido às condições de trabalho na roça da cana.
Ele não se refere apenas aos episódios com denúncia ou mesmo condenação por trabalho análogo à escravidão: "Também o trabalho que não é escravo, mas degradante, desumano, sujeita o Brasil a um desgaste internacional muito preocupante".
O esforço do trabalho em São Paulo já produziu casos como o do lavrador Valdecir da Silva Reis, 35. Em 2006, ele cortou 52 toneladas de cana em um dia. Hoje, doente, não consegue mais trabalhar.

sábado, 23 de agosto de 2008

Os tais de “crimes conexos” da anistia

por Maria Inês Nassif
do Valor Economico

A Lei de Anistia é de 1979 e foi produto de uma negociação entre um governo militar e uma oposição ainda acuada pelo medo da ditadura. Imaginar que naquele momento as forças de oposição e a Justiça pudessem interpretar de outra forma a alegada anistia a torturadores seria uma ingenuidade. Não havia clima, nem liberdade para tanto. Foi a anistia que deu para ser. Passados quase 30 anos da lei, todavia, é bom que se desmistifique essa história de “anistia irrestrita” para os dois lados. Não foi assim.

A Lei 6.683, de 20/08/1979, concedeu anistia “a todos que, no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexos com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos” (…). A exceção foram “os condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal”. Foram incluídos na regra os “crimes conexos”, definidos como aqueles “de qualquer natureza relacionados com os crimes políticos ou praticados por motivação política”.

Pela lenda brasileira da anistia, os “crimes conexos” foram praticados por torturadores e por agentes do Estado que atentaram contra os direitos humanos, ou em nome da guerra contra a subversão cometeram até ilegalidades em relação à ordem instituída pela ditadura militar. Não existiria qualquer possibilidade de punição dessas pessoas.

Pela lenda brasileira, os terroristas - chamados de “criminosos de sangue” no período militar - foram todos beneficiados pela lei. Isso aconteceu apenas indiretamente. Os adversários do regime que se envolveram na luta armada foram, de fato, a exceção da Lei de Anistia. Se saíram da cadeia depois da promulgação da lei foi porque foram beneficiados por reduções de pena ou por conceitos mais dilatados usados pela Justiça Militar. Prova disso é que o último preso político da leva pré-anistia, José Sales Oliveira, foi libertado em Fortaleza mais de um ano depois, em 8/10/1980. Aliás, Sales morreu devido a seqüelas das torturas a que foi submetido.

Militantes da guerrilha foram excluídos

Segundo o regime militar, os agentes públicos que cometeram excessos tinham uma motivação política, e portanto teriam cometido “crimes conexos”. O que o ministro da Justiça, Tarso Genro, e o da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Paulo Vanucchi, dizem quando ponderam que existe espaço para a punição de torturadores não é que a lei deve ser mudada, mas que a Justiça pode nova interpretação à velha lei. A Justiça do Brasil democrático não precisa necessariamente ter a mesma interpretação da Lei de Anistia que os militares tinham (não os atuais, mas aqueles que estavam no poder no período de 1964 a 1985). Se a Justiça interpretar que um agente do Estado, a qualquer tempo - inclusive no período da ditadura militar e lidando com presos políticos -, não comete um crime político, mas um crime comum, ao praticar a tortura, retira o torturador da regra do “crime conexo”. Em nenhum momento o agente público que cometeu atentado contra a pessoa nos porões da ditadura foi punido por opiniões políticas. Ao contrário, sua opinião política se sobrepunha, à força, no período militar.

Vai fazer história a ação movida pela família Teles, pedindo não a reparação pelo Estado das torturas sofridas, mas o simples reconhecimento de que foram vítimas de torturas, e de que determinados agentes a praticaram. Esse processo tem o poder de desmistificar a tortura: ela não foi apenas uma reação a uma ação política; ela foi cometida por agentes do Estado, que detinham o monopólio da força e excederam os limites impostos inclusive pela ordem imposta pela ditadura. Não está escrito em nenhuma lei que um agente policial ou militar poderia usar da força em interrogatórios. A ditadura tinha os atos institucionais que davam ao chefe de Estado de plantão a possibilidade de atropelar a ordem legal do país, mesmo a definida anteriormente por outros atos institucionais. Mas teoricamente essa era uma prerrogativa dos governantes, não dos agentes que atuavam nos porões das prisões e que detinham regular ou clandestinamente os adversários políticos do regime.

Pergunta-se muito, nesse debate, o que o Brasil tem a ganhar remexendo um passado incômodo e todos os seus medos. Talvez tenha a ganhar um futuro melhor. A banalização da tortura no período de exceção contaminou o país - e hoje quem paga por essa banalização são os presos negros e de baixa renda que entram no sistema prisional por uma cadeia de polícia e chegam até o presídio. A Lei 9455, que definiu os crimes de tortura, definiu-a como crime não passível de anistia e inafiançável. Ainda assim, segundo pesquisa do Núcleo de Estudos da Violência da USP e da Fundação Teotônio Vilela, do total de casos denunciados como tortura no Judiciário de São Paulo, a maioria deles, 68%, foram cometidas por agentes do Estado. Apenas metade dos denunciados por crimes de tortura tiveram alguma condenação. A prática da tortura não apenas é normal para um grupo determinado de agentes públicos que está nos sistemas policial e prisional, como passou a ser relativizado inclusive pela Justiça.

* Maria Inês Nassif é editora de Opinião. Escreve às quintas-feiras

maria.inesnassif@valor.com.br

Amazônia sedia debate sobre os direitos do cidadão

Casos como o da menina presa com homens em Abaetetuba e as mortes de bebês na Santa Casa estarão em pauta.


HELENA PALMQUIST (*)
contato@agenciaamazonia.com.br



BELÉM, PA — Nos próximos dias 26, 27 e 28, a capital do Pará vai sediar o Encontro Nacional de Procuradoras e Procuradores dos Direitos do Cidadão. São esperados 60 procuradores da República de todos os Estados brasileiros, que trabalham na defesa dos direitos constitucionais da população. O encontro será aberto pelo procurador-geral da República, Antonio Fernando Sousa e pela procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Gilda Pereira Carvalho. A governadora do Estado do Pará, Ana Júlia Carepa, foi convidada e está prevista sua presença na solenidade de abertura.


A escolha do Pará como sede não é por acaso: alguns dos casos mais rumorosos de violação dos direitos humanos registrados nos últimos anos aconteceram no Estado. “Ao realizar esse encontro em Belém, o MPF demonstra a preocupação com os problemas que acontecem no Pará, que demandam um esforço concentrado da instituição, por terem origem complexa e exigirem enfrentamento imediato”, explica a Procuradora Regional dos Direitos do Cidadão no Pará, Ana Karízia Távora Teixeira.



Casos como o da menor presa com homens em Abaetetuba, o assassinato da missionária Dorothy Stang, os recorrentes casos de trabalho escravo e infantil e a recente mortandade de bebês na Santa Casa de Misericórdia estarão entre os assuntos em pauta. A saúde é uma das grandes preocupações dos procuradores em todo o país e deve dominar parte dos debates.


Tráfico de pessoas


No Pará, em 2008, mais de 50% dos procedimentos investigativos abertos pela PRDC tratavam de denúncias e reclamações quanto ao atendimento na rede de saúde pública. Outros temas que devem concentrar a atenção dos procuradores são o tráfico de pessoas, a proteção aos defensores de direitos humanos e a superlotação no sistema penal



Na prática, o Encontro anual das PRDCs serve para que os procuradores da República definam diretrizes e objetivos para enfrentar os principais problemas nacionais e regionais na área dos direitos humanos. Foi num desses encontros, o de 2004, que se definiu, por exemplo, que as televisões seriam obrigadas a exibir a programação de acordo com a classificação indicativa do Ministério da Justiça o que, em 2008, chegou a causar mudanças de fuso horário no Acre, Amazonas e Pará.



Também foi em um Encontro similar que se definiu o enfrentamento sistemático aos problemas de atendimento nas agências da Previdência Social, frente às incontáveis denúncias de usuários sobre a demora e a precariedade do atendimento. Em 2008, essa diretriz resultou em uma inspeção conjunta e simultânea em agências do Instituto Nacional de Seguridade Social em todo o país e numa recomendação ao INSS para solução para as queixas.



A Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC) é uma unidade permanente do MPF, que tem dois procuradores responsáveis em cada Estado brasileiro e atua na defesa de direitos coletivos fundamentais como saúde, educação e moradia. O trabalho em nível nacional é coordenado pelo Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), que atua como agente fiscalizador para garantir o efetivo respeito aos direitos humanos tanto pelos poderes públicos quanto por prestadores de serviço de importância pública.

Governo prepara nova reforma para facilitar acesso à Justiça

Plano é multiplicar as instâncias de conciliação e tratar de assuntos coletivos fora da engrenagem do Poder

Felipe Recondo


Afogado em pilhas de processos e marcado pela pecha de ser um Poder só acessível aos "ricos", o Judiciário passará por nova reforma. A idéia do que vem sendo chamado de "pacto do Judiciário" é multiplicar as instâncias de conciliação para tratar de assuntos coletivos - como defesa do consumidor e disputas com o INSS - fora da engrenagem da Justiça. Essas instâncias de conciliação reduzem a sobrecarga do sistema ao evitar que qualquer conflito vire ação judicial.

Outra idéia para desafogar a Justiça é criar um mecanismo para barrar os recursos que entopem os gabinetes dos ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e não têm nenhuma chance de prosperar. Somente nos primeiros sete meses deste ano, 64.121 recursos chegaram aos gabinetes dos ministros do STJ. Com a criação desse mecanismo - chamado de súmula impeditiva -, recursos que tratem de decisões já tomadas pelo tribunal superior em outros casos serão barrados e encerrados ainda na Justiça de segunda instância, pondo fim à produção em escala industrial dos recursos.

Os juízes de primeira instância também terão um instrumento poderoso para diminuir o volume de processos que chegam às suas mãos: as ações coletivas. Caso detectem uma onda de ações sobre o mesmo assunto, como reclamações contra uma construtora, poderão suspendê-las imediatamente e pedir que o Ministério Público reúna todas elas em uma só. Assim, a decisão que valer para uma valerá para todas, o que poupa tempo e dinheiro da Justiça.

Todas essas propostas constarão de um pacto que deverá ser assinado em novembro pelos presidentes dos três Poderes. Algumas propostas, como a das ações coletivas, precisarão de nova legislação, o que obrigará o encaminhamento de um projeto de lei ao Congresso. Outras medidas, que já tramitam no Legislativo há anos, serão "apadrinhadas" pelo Executivo e pela cúpula do Judiciário. Uma terceira vertente de alterações independe de leis, como a ampliação de câmaras de conciliação, e serão tocadas pelos respectivos Poderes.

Os estudos dessas propostas e a coordenação de reuniões para discutir o assunto estão a cargo do secretário de Reforma do Judiciário, Rogério Favreto, e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), presidido pelo ministro Gilmar Mendes. O Ministério da Justiça, por exemplo, contratou uma consultoria para levantar quais assuntos poderiam ser resolvidos fora dos tribunais, em cartórios extrajudiciais e em câmaras de conciliação.

Atualmente, divórcios, inventários e partilhas de bens podem ser resolvidos nos cartórios. Se há acordo, nada disso chega à Justiça e os envolvidos ficam dispensados de contratar advogados e aguardar por meses para ter o caso resolvido por um juiz.

Nas câmaras de conciliação, mesmo pouco difundidas, casos polêmicos já foram solucionados, como as indenizações aos parentes de vítimas do acidente aéreo da TAM ocorrido no ano passado. E a idéia, de acordo com o secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Pedro Abramovay, é que essas câmaras solucionem o máximo de processos coletivos - como indenizações repetitivas por conta de acidentes de consumo. "Temos de trabalhar com a idéia de oferecer justiça sem precisar do Judiciário", diz Abramovay.

Outra mudança na legislação envolve a execução de sentenças da Justiça do Trabalho. O projeto que tramita no Congresso obriga o patrão processado pelo ex-empregado a pagar a dívida reconhecida judicialmente em 48 horas ou encaminhar para a penhora os bens que possui, mesmo que sejam insuficientes para o pagamento integral. Isso coibiria as manobras feitas por empresas para evitar o pagamento da dívida.

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Ministro diz que Cimi tem visão "estreita e sectária" sobre atuação do governo


Mariana Jungmann e Ivanir José Bortot
Repórteres da Agência Brasil

Brasília - Nesta parte da entrevista à Agência Brasil, o ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, Paulo Vannuchi, avaliou as políticas de direitos humanos e a implementação desses conceitos nos últimos anos. Ele falou sobre o sistema prisional e a articulação com o Ministério da Justiça para implantação de um novo modelo de segurança pública no país.

Vannuchi também comentou o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) que decidirá sobre a homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, e considerou inadequadas as críticas feitas pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva – no episódio que suspendeu a operação da Polícia Federal de retirada de arrozeiros da região.

Agência Brasil: O fato de se falar muito em direitos humanos pode ser interpretado como se, no Brasil, a democracia não estivesse suficientemente avançada, a ponto de as pessoas não conseguirem exercer os seus direitos, daí a necessidade de uma secretaria para defender esses direitos. Como o senhor vê essa questão?
Paulo Vannuchi: Os direitos humanos servem para reconhecer a dignidade de cada ser humano, do mais pobre, do mais desprotegido, do mais desconhecido. Ele tem a mesma dignidade, os mesmos direitos do presidente da República ou da pessoa mais rica do país. Ao mesmo tempo que as leis que garantem isso vão sendo conquistadas no mundo inteiro, diariamente ocorrem brutais violações: guerras, chacinas, genocídios. No caso do Brasil, também há violência criminal, áreas onde a autoridade pública nem pode mais entrar e, quando a autoridade policial entra, ela mesma comete outros crimes e violências, faz execuções sumárias.

ABr: E como estamos em relação a esses temas?
Vannuchi: O Brasil, nos últimos 20 anos, acumulou um reconhecimento muito nítido no exterior. Em Genebra – onde está o Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) – na primeira eleição, anos atrás, o Brasil foi o segundo país mais votado no mundo para ser um dos 45 integrantes. Só perdeu para a Índia e foi o mais votado da América. Há políticas de Estado no Brasil que atravessam governos partidariamente opostos. No governo Fernando Henrique, oito anos, o governo Lula, serão mais oito. Serão 16 anos de uma marcha de acumulação e de continuidade. Cada vez reconhecendo mais os instrumentos da ONU para examinar casos brasileiros que a Justiça não examina. Um exemplo, a chacina do Carandiru: 1992, 111 mortos, quase todos negros. Tem outros casos assim, como a Guerrilha do Araguaia. Então a situação do Brasil é de que temos o reconhecimento externo porque, nesses fóruns, não ficamos escondendo os problemas.

ABr: O senhor avalia que estamos num patamar diferente do que estávamos há 16 anos?
Vannuchi: Certamente. Tem uma avaliação de que há instrumentos, há processos políticos, econômicos e sociais que são nitidamente de melhora. Embora, muitas vezes, a sensação que se tem seja do oposto disso. Com direitos humanos, a mesma coisa. Faz 16 anos que o governo Fernando Henrique e o governo Lula têm a posição de reconhecimento do problema, de não negar. Se trabalha, se denuncia. E o maior avanço no governo Lula é o direito a comer, que é o primeiro direito da pessoa. Se a pessoa não comer, como ela vai lutar pela cor da pele ou pelo direito a trabalho? A inclusão escolar também chega cada vez mais perto da universalização. Nós temos políticas de cotas, acabamos de aprovar a convenção das pessoas com deficiência. São 25 milhões de pessoas que passaram a ter defesa da lei brasileira para terem direito a cadeira de rodas.

ABr: Como tem sido tratada pela secretaria a questão dos direitos humanos no sistema prisional?
Vannuchi: O sistema prisional é, por excelência, uma questão do Ministério da Justiça e a Constituição estabelece que é um problema estadual. Começamos a montar programas em que a União atua como fator coordenador e os estados são chamados a aderir voluntariamente. A discussão com o Ministério da Justiça está em um excelente momento, que é o Pronasci [Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania]. É o primeiro programa de segurança pública que tem direitos humanos em cada página da proposta. O Pronasci prevê a construção dos presídios de juventude, voltados para detentos de idade entre 18 e 29 anos. Assim vamos tirá-los do convívio com chefes do crime, que estão acima dos 30 anos, e proporcionar todo tipo de cursos: ensino fundamental, médio e até superior, profissionalizante. As medidas que o Pronasci oferece são necessárias: valorizar a justiça restaurativa e as penas alternativas – nesse sentido o Brasil já está hoje num patamar bastante razoável. Sobretudo, um processo de investimento em cursos que o Ricardo Balestreri [secretário nacional de Segurança Pública] coordena e que delegados e policiais do Brasil inteiro estão fazendo para sedimentar essa compreensão elementar de que o bandido tem que ser preso. Ele deve ser levado a inquérito para ser processado e condenado a penas adequadas, proporcionais e severas, se for o caso, e não como acontece atualmente, quando o policial muitas vezes se define como juiz, decreta a pena de morte e já executa na hora. Esse é o nosso mecanismo preventivo nacional.

ABr: Existem denúncias de torturas no presídios?
Vannuchi: Existe um processo muito amplo de alegações e denúncias, quase generalizado. As entidades da sociedade civil, como a Pastoral Carcerária, insistem para que consideremos sistemático. Nós resistimos em dar essa designação porque sistemático é uma palavra que quer dizer que existe um comando do sistema que quer que isso aconteça. E isso não existe no Brasil atualmente. Existiu na ditadura militar. Hoje o que existe é um sistema de segurança pública federal e também estadual que é contrário à tortura. Porém, a velha cultura, a velha tradição, a falsa opinião de que se não bater no preso ele não confessa. Nós temos idéias para acabar com isso, como a de que todos os depoimentos em inquéritos sejam gravados. Mas é preciso mudar a cultura, resistir a essas idéias e fazer educação em direitos humanos.

ABr: Como o senhor vê o caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol?
Vannuchi: Raposa Serra do Sol é o mais importante dos procedimentos do governo Lula na temática indigenista. Há a resistência de um conjunto muito pequeno de produtores de arroz, liderados por um gaúcho que está lá há 20 anos, e que se insurgiu de armas na mão contra todas as regras do Estado democrático de direito. Explodiram bombas, fizeram assaltos à aldeia Surumu, agrediram, deixaram um carro bomba, que não explodiu, em frente à Polícia Federal durante a operação. A imprensa brasileira tratou isso como se fosse um legítimo recurso, um protesto. A ação da Polícia Federal foi interrompida por uma ação no Supremo. E, mesmo que a gente discorde da determinação do Supremo, vamos acatar. Nós argumentamos, trabalhamos, eu visitei ministros. Quando consultados sobre a visita do relator da ONU para questões indígenas [James Anaya] no período do julgamento, nós respondemos que o Brasil tem convite permanente para relatores, mas pedimos para que ele não viesse agora. Ele veio mesmo assim. Mas nós achamos que a presença do relator pode fazer o Supremo ficar tentado a demonstrar sua soberania e que não é por causa da presença de um relator que ele vai dar uma decisão favorável aos índios. Então, votos que estavam indecisos podem ser decididos sob essa influência, o que não é bom. Ele disse que se for o caso não vai comparecer ao julgamento. Quanto aos movimentos sociais, nesse caso, acho que eles acertam e erram. Condeno declaradamente o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) que tem uma posição estreita e sectária em relação ao presidente Lula. No episódio da decisão do Supremo [que suspendeu a operação da PF de retirada de não-índios do local] fizeram um editorial dizendo que a culpa era do Lula. A vontade de se opor partidariamente e politicamente suplantou o reconhecimento de que o presidente Lula determinou o cumprimento integral de uma bandeira [retirada dos arrozeiros] do Cimi, do Conselho Indigenista de Roraima (CIR). Mas nós não vamos criminalizar o Cimi, chamá-lo de ilegítimo. Apenas lamentamos.

Vannuchi quer discussão da Lei de Anistia sem "espírito de vingança"


Mariana Jungmann e Ivanir José Bortot
Repórteres da Agência Brasil


Brasília - O governo não vai propor mudanças na Lei de Anistia, como temem os militares da reserva. As dúvidas sobre a interpretação da lei devem ser dirimidas pelo Poder Judiciário. Essa é a opinião do ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, Paulo Vannuchi, para quem, apesar disso, a ocultação dos cadáveres é um "crime continuado", que merece punição. O ministro defende uma discussão sem “espírito de vingança” e considera importante que o brasileiro tenha direito à memória e à verdade sobre a ditadura militar. Em entrevista de mais de uma hora à Agência Brasil, Paulo Vannuchi defende a reconciliação entre a sociedade e os militares e classifica de "reflexo de um pensamento anti-democrático" o discurso de integrantes do Clube Militar do Rio de Janeiro. Para ele, o Brasil precisa se tornar uma “sociedade madura” e não tratar o tema da luta do regime militar e seus opositores de maneira maniqueísta, “como uma separação em que o bem estava de um lado e o mal do outro”.

ABr:
Comenta-se que alguns crimes cometidos durante a ditadura não poderiam ser punidos pela Lei de Anistia. A nossa democracia hoje comporta avaliar e punir pessoas que cometeram esses crimes?

Vannuchi:
Com certeza comporta. Desde uma audiência em 31 de julho no Ministério da Justiça, há um noticiário de imprensa desfocado ou distorcido. O ministro Tarso Genro e eu teríamos defendido a revisão da Lei de Anistia. Não defendemos, não defenderemos. No governo ninguém tomará qualquer iniciativa dessa. A posição do governo se divide em dois eixos. Número um: reconhecer o direito de familiares e vítimas a todas as informações sobre violações de direitos humanos de opositores políticos do regime militar de 1964 a 1988. Número dois: qualquer idéia de punição é um termo estritamente do Judiciário. Então, quando se fala que no Brasil se faz diferente, se faz diferente porque o Judiciário de cada país é diferente. Agora, não há nada de revanchismo. É injusto que as Forças Armadas continuem carregando nos ombros a acusação de que são as responsáveis. Mesmo sob a acusação de que houve um sistema de repressão política. O regime já foi julgado nas urnas. Agora, se o Judiciário brasileiro, por meio do Supremo, quando provocado, decidir que não pode pairar qualquer possibilidade de punição para torturadores porque a Lei de Anistia, ao usar a palavra crimes conexos, inclui “torturou, estuprou, esquartejou, decapitou, ocultou cadáver”, nós acataremos. Pode ser que o sistema internacional de direitos humanos discorde disso. Essas decisões têm poder de coação moral num momento em que o Brasil alça a um novo papel internacional e caminha para ter assento permanente no conselho. Mas os Estados Unidos também já foram acusados por tortura em Guantánamo e não há nenhuma decisão internacional condenando George Bush.

ABr:
O senhor compartilha da opinião do ministro Tarso Genro de que a lei pode ser reinterpretada e que não incluiria esses crimes de tortura?

Vannuchi:
Mais do que isso. Eu diria interpretada juridicamente, porque não há nenhuma interpretação. Não houve ainda, desde 1979, nenhum procedimento judicial para o Poder Judiciário decidir, primeiro nas esferas estaduais, depois na Suprema Corte. Quando eles decidirem, não há dúvida que, do ponto de vista jurídico brasileiro, o tema estará travado. Eu não sou jurista, mas avalio que a palavra “conexos” não tem poder nominativo, foi um conchavo. Porque a lei poderia perfeitamente dizer “estão anistiados os crimes políticos e também os eventuais delitos praticados no exercício da repressão pelos órgãos policiais”. Pronto, não teria dúvida de interpretação. Segunda questão: argumentos internacionais de grandes juristas como Hélio Bicudo, Fábio Comparato, Dalmo Dallari, Baltazar Garzón dizem que ocultação de cadáver é crime continuado. Não é um crime que já passou e foi anistiado. Ele continua no dia seguinte à anistia, porque o cadáver continua ocultado. Claro que poderá haver o argumento da prescrição do crime. Na condição de ministro, com história de vida de preso político e torturado, quero dizer que o que me move não é nenhuma idéia de cadeia para essas pessoas. Não queremos fazer esta discussão com nenhum espírito de vingança. Agora, precisamos fazer o processamento da informação. A punição pode ser a filha sentar com o pai na hora de jantar e indagar: “pai você fez isso mesmo?" Se a posição for de que ninguém deve ser encarcerado, é uma posição perfeitamente dialogável, desde que você não caia na atitude de violação dos direitos humanos - que é o direito à memória e à verdade - de falar que não se mexe mais nesse assunto.

ABr:
Como isso tem sido tratado no governo?

Vannuchi:
Eu estive ontem em uma audiência de rotina com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ele voltou a elogiar o livro que fizemos sobre os desaparecidos e considerou que o seminário promovido no Ministério da Justiça teria sido melhor se fosse feito na Universidade de Brasília ou na Ordem dos Advogados do Brasil para deixar claro que é a sociedade civil discutindo assunto com a presença dos ministros. E não parecer que é uma posição que o governo tenha tomado internamente. Eu disse a ele: presidente, todo o meu trabalho é para cumprir uma determinação sua de esclarecer os fatos sobre os mortos e desaparecidos.

ABr:
E como o senhor pretende conduzir o assunto para cumprir com a missão recebida do presidente da República?

Vannuchi:
Nós não vamos passar por cima desses redutos, como o Clube Militar, de clima de guerra fria, de atacar o governo atual como se fosse a continuação do governo do presidente João Goulart, com uma mistura geral que eles chamam comunismo. Nosso discurso é: senhores oficiais das Forças Armadas da ativa - altos dirigentes de hoje que são da mais alta dignidade e lisura - temos um problema que é do Brasil e vamos resolver juntos. Resolver é obter informações, abrir arquivos e, eventualmente, fazer comissões que recuperem essa história. Pois se não há documentos dá para reconstituir os autos e juntos vamos definir qual é o melhor caminho para o Brasil, conhecendo seu passado recente para não correr riscos de repetição.

ABr:
A missão que o senhor recebeu é esclarecer as circunstâncias em que as pessoas foram mortas e indicar onde estão enterradas, para dar uma satisfação às famílias, que não é uma questão jurídica. É possível cumprir?

Vannuchi:
É possível. São aproximadamente140 mortos ou desaparecidos cujos corpos não foram restituídos às famílias para fazer o funeral. Se conseguirmos encontrar um, já importa. Enquanto não é feito o funeral, os familiares podem ficar pensando: “será que ele não pode estar internado em um manicômio judiciário sem fala? Será que ele não aproveitou essa clandestinidade para constituir uma nova família? Há ainda uma hipótese mais tenebrosa. Será que pessoas sobreviveram e estão por aí vivendo com outra identidade?”

ABr:
O que é possível fazer com as atuais limitações do governo para tratar do assunto?
Vannuchi:
O que o governo pode e vai fazer é demonstrar que não tem nenhum empenho em ocultar isso. Na hora em que esse trabalho exigir que vá se fazer uma décima primeira diligência no Araguaia, eu defenderei que ela seja feita, mas que não se repitam as cenas que já vimos. Tem que vir com trabalho de inteligência, coletar informações do Ministério Público e fazer verificação criteriosa com representantes do Judiciário e famílias em cada um dos locais. Neste sentido, reputo como fundamental a missão do ministro Jobim [ministro da Defesa, Nelson Jobim] que é convencer os seus subordinados desse espírito de pacificação, de reconciliação embutido nesse gesto. Não precisa apontar o nome da pessoa, mas ache algum oficial que está vivo, ouça em sigilo. Se dos 60 que estariam lá, nós acharmos um, já valeu. Se forem dez, muito melhor. E também é possível que não existam mais corpos. Eu defenderei, no caso em que não exista mais o corpo, que haja uma narrativa: Rubens Paiva foi jogado de um helicóptero em cima da Baia de Guanabara na noite do dia tal.

ABr:
É como se um país tivesse institucionalmente que cuidar da sua saúde mental depois de uma experiência traumática como ocorreu no regime militar.

Vannuchi:
É mais do que saúde. É o tema da infantilização ou do amadurecimento. O Brasil está pulando de patamar no cenário mundial. Está descobrindo no pré-sal reservas de óleo que o colocarão como terceira potência petrolífera mundial, está produzindo alimentos como ninguém mais pode produzir. Então, o Brasil precisa tornar-se uma sociedade madura. E o maduro não é tratar o tema da luta do regime militar e seus opositores como uma separação em que o bem estava de um lado e o mal do outro, como, de alguma maneira, o Clube Militar apresenta, com uma linguagem da guerra fria. Maturidade quer dizer, seja daqui a cinco anos ou cinqüenta, as Forças Armadas terão que reconhecer que qualquer que fosse o problema do governo de João Goulart, não cabia às Forças Armadas interromper o processo constitucional. O presidente da República só pode sair pelo voto popular ou pelo impeachment, quando houver crise de responsabilidade.

ABr:
O esclarecimento dos fatos pode ajudar no amadurecimento institucional do país?

Vannuchi:
Eu vou ter problema com os setores dos movimentos dos familiares quando defendo a idéia de reconciliação. Os direitos humanos projetam um mundo de paz, o mundo que temos é de guerra. A transição chama-se reconciliação. Em Angola, é MPLA (Movimento pela Libertação de Angola) e a Unita (União Nacional para Independência Total de Angola) [os dois movimentos que se opuseram durante a guerra de libertação do país, que deixou muitas vítimas, principalmente de minas terrestres] – inimigos – com pessoas sem pernas aos milhares andando pela rua, que começaram a trabalhar juntos. O Brasil tem que superar essa página, mas deixar registradas nas páginas viradas todas as informações. Isso é o que diz Michelle Bachelet [presidente do Chile], só as feridas lavadas cicatrizam.

ABr: E como pode ser feito esse processo de reconciliação do ponto de vista jurídico e institucional?

Vannuchi:
Se houver gente disposta a dialogar nesses segmentos, nos sentaremos para dizer que pressuposto básico é esse. Não ter medo. Se houver punição para uma dúzia de torturadores histéricos e psicopatas, é um tema do Judiciário brasileiro. Ele decidirá à luz do direito internacional e dos direitos humanos. Agora, vamos fazer um acordo para conhecer profundamente o assunto. Em algum momento se registra o ponto de vista de um dos chefes militares. Isso é incorporado ao relatório. A história passa a contar com esse registro.

ABr:
E as críticas feitas ao senhor no Clube Militar?

Vannuchi: O que existiu ali foi a celebração de uma mentalidade anti-democrática. Eu tenho a íntegra dos três discursos. Pouco se falou de Tarso Genro e de mim. Atribuíram a mim ser simpatizante das Farc [Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia]. Eu podia ser, mas não sou. Veja bem, em uma guerra, você não seqüestra o soldado adversário. Você prende e comunica a ele os seus direitos. O seqüestro é uma retenção e, a cada dia, se decide se vai matar ou não. É odioso, não é suportável essa idéia. Eu não tenho nenhuma simpatia pelas Farc. O que eu fiz foi pedir a um assessor meu para visitar um padre [ligado às Farc] que estava preso aqui e havia alegação de que não estava tendo acesso a livros e a banho de sol. Uma ação inteiramente voltada para os direitos humanos. Além disso sou de uma família católica, eu fui preso e sei o que é ser preso. É só isso. (continua)

Governo privatiza primeira floresta

SFB:13 milhões de hectares de florestas devem ser privatizados nos próximos 10 anosA Floresta Nacional do Jamari, no estado de Rondônia, teve a sua privatização firmada nesta segunda-feira (21). O processo começou em dezembro de 2007, mas foi parado várias vezes pela Justiça. As empresas Alex Madeiras, Sakura e Amata venceram a licitação para o chamado manejo florestal sustentável e poderão explorar comercialmente a madeira. A floresta possui, no total, cerca de 220 mil hectares e a área privatizada corresponde a 96 mil hectares.

A empresa Amata vai gerir a maior unidade de manejo, uma área de 46 mil hectares. A Sakura vai usar uma unidade de 33 mil hectares e a Alex Madeiras ficará com 17 mil hectares. Os lucros estimados com a licitação são de R$ 450 mil por ano e por hectare.

De acordo com o Serviço Florestal Brasileiro (SFB) - instituição governamental responsável pela privatização da floresta - os contratos deverão ser assinados em até 30 dias.

O SFB estima que 13 milhões de hectares de florestas serão privatizados nos próximos dez anos. O Ministério do Meio Ambiente usa como argumento para a concessão, o objetivo de evitar o desmatamento e a grilagem de terras.

Para o pesquisador da Universidade Federal do Acre (Ufac), Elder Andrade, o argumento da preservação não é sério, porque ele não acredita que a indústria madeireira seja capaz de conciliar exploração sem desmatamento.

De São Paulo, da Radioagência NP, Vinicius Mansur.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Lula não mandou encerrar assunto da ditadura, diz Vanucchi


Ministro diz que Lula não quer ser presidente que colocou uma pedra sobre o tema dos torturados na ditadura

Andréia Sadi - do estadao.com.br

SÃO PAULO - O ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Paulo Vanucchi , disse nesta segunda-feira, 19, que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não mandou encerrar o assunto dos mortos e torturados durante a época da ditadura militar. "O que é importante é dizer que o presidente, quando me convocou para o cargo, e eu não podia aceitar por razões pessoais, ele insistiu: confio muito na sua capacidade de trabalhar o tema dos mortos e desaparecidos. (Disse) Eu não vou passar a História como o presidente que colocou uma pedra sobre isso. Essa interpretação que se fez agora de que o presidente mandou encerrar o assunto é equivocada", disse.

A declaração de Vanucchi foi feita após uma palestra em São Paulo que contou com a presença do juiz espanhol Baltazar Garzón, que faz parte de um grupo de juízes da Itália e Espanha que tenta extraditar e julgar integrantes das ditaduras militares da América Latina que cometeram crimes contra cidadãos europeus, desembarca na segunda-feira para uma visita de dois dias a autoridades do governo paulista e de Brasília.

Vanucchi disse que Lula não "dá puxão de orelha em ninguém", referindo-se a um suposto pedido do presidente dirigido ao ministro da Justiça, Tarso Genro, que levantou a polêmica sobre a revisão da Lei da Anistia. " O que ele faz (Lula) é determinar a conduta de todos. E quem não cumprir, o presidente troca ou substitui", declarou.

A visita de Garzón ocorre apenas cinco dias depois de o ministro da Defesa, Nelson Jobim, ter celebrado o fim de sua queda-de-braço com o Tarso sobre a revisão da Lei de Anistia. O ministro da Justiça defendia a revisão de forma a permitir o julgamento de militares envolvidos em crimes contra os direitos humanos, como a tortura, durante o período de exceção. Na última quarta-feira, Jobim afirmou que o assunto estava "absolutamente superado".

Vanucchi voltou a dizer no debate que nem ele nem Tarso propuseram a revisão da Lei da Anistia e que foram tratados como "recuantes" quando tentaram se explicar. "Nos atribuem um ataque não fizemos e depois um recuo O que dissemos é que não havia definição de que a Lei de Anistia tinha poder, força, para encobrir, soterrar as violações sistemáticas de direitos humanos, as torturas, a ocultação de cadáver, as violações sexuais", disse.

Câmara aprova projeto que endurece pena para crime de extermínio



Ivan Richard
Repórter da Agência Brasil


Brasília - A Câmara dos Deputados aprovou hoje (20) o substitutivo ao projeto do deputado Luiz Couto (PT-PB) que tipifica o crime de extermínio, aumentando a pena. O texto ainda será analisado pelo Senado.


Hoje, o acusado de crime com características de extermínio é julgado por homicídio doloso ou culposo. De acordo com o projeto aprovado, as penas para homicídio e lesão corporal serão aumentadas de um terço à metade se o crime for praticado com a intenção de "fazer justiça pelas próprias mãos", satisfazer pretensão própria ou de outra pessoa ou sob o pretexto de oferecer serviços de segurança.


O texto também estabelece reclusão de quatro a oito anos para quem constituir, integrar ou custear organização paramilitar, milícia particular, grupo ou esquadrão destinados à prática de crimes. E detenção de um a dois anos para quem oferecer ou prometer serviço de segurança sem autorização legal.


“Tipificamos esse crime colocando elementos que identifiquem o crime de extermínio, dando condições para que o Poder Público não venha enterrar as vítimas sem que haja exames para comprovação do extermínio”, comemorou o autor da proposta Luiz Couto.


“Acho que para quem mata, tem um grupo organizado, ganha dinheiro com isso, está a serviço do crime organizado, merece uma pena maior. Vamos esperar que seja aprovado pelo Senado, depois sancionado pelo presidente e então possamos alterar alguns dispositivos”, acrescentou.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

ONU inspecionará reserva em RR

O ESTADO DE S.PAULO


Hoje relator terá encontros em Brasília; dentro do governo brasileiro iniciativa é considerada de “alto risco”


O relator especial para os direitos indígenas da ONU, o americano James Anaya, visitará a reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, para avaliar a situação em que vivem os indígenas. A viagem está sendo considerada dentro do governo brasileiro como de “alto risco”. A entidade há meses avisa o governo que não está satisfeita com a situação e cobra resultados na proteção dos direitos dos povos indígenas.

Anaya inicia sua visita hoje, em Brasília, com encontros na Fundação Nacional do Índio (Funai), no Ministério da Justiça e possivelmente com o chanceler Celso Amorim. O relator, que também atua como professor de direito internacional nos EUA, acaba de ser eleito para o posto e escolheu o Brasil como primeiro destino, diante da gravidade da situação em Roraima.

No governo brasileiro, os mais céticos advertem que a visita da ONU, ainda que seja para defender os direitos dos indígenas, pode acabar tendo efeito contrário. O temor de parte da diplomacia é de que a visita acabe resultando em um sentimento no Supremo Tribunal Federal (STF) contra qualquer intromissão estrangeira no caso. O STF julga neste momento a demarcação das terras na Raposa Serra do Sol.


A preocupação foi passada ao relator, que optou por realizar a viagem sem alarde. Oficialmente, orientou seu escritório em Genebra a avisar que não dará conferências de imprensa nem antes nem durante seus 12 dias pelo Brasil. Ao fim da missão, aceitou conceder um tempo aos jornalistas.

COBRANÇAS

Esta não é a primeira vez que a ONU demonstra preocupação com a reserva em Roraima. Em 2007, uma série de comunicados foram enviados pelos relatores de direitos humanos das Nações Unidas ao governo brasileiro, alertando sobre as violações que os indígenas estariam sofrendo. As cartas pediam que o governo garantisse a paz na região.

No entanto, o ex-relator da ONU para o direito a moradia Miloon Khotari afirmou ao Estado que o governo não havia respondido aos pedidos de explicação. O então responsável da ONU pelo direito a alimentação, Jean Ziegler, também mandou um comunicado ao governo cobrando esclarecimentos.

O Estado teve acesso a documentos da ONU que ainda relatam reuniões a portas fechadas entre diplomatas brasileiros e a entidade. O assunto é considerado crítico dentro das Nações Unidas.


Nos últimos meses, os Índios brasileiros voltaram a ser notícia na Europa. Auxiliados e até financiados por ONGs estrangeiras, líderes dos grupos indígenas de Roraima estiveram com representantes dos governos de Espanha, Bélgica, Itália, França e Reino Unido para pedir apoio a sua causa.

Em junho, o auge do lobby ocorreu quando o papa Bento XVI os recebeu em audiência privada na sede da Santa Sé, em Roma. Ele prometeu ajudar os Índios de Roraima.

Agora, Anaya promete levar o caso aos países da ONU. O relator fará uma avaliação da situação e apresentará parecer ao Conselho de direitos humanos da entidade.

Além da reserva, Anaya visitará os ianomâmis e grupos indígenas em Manaus. Outra preocupação dele é com a situação dos guaranis na região de Dourados (MS). Ele irá a Mato Grosso do Sul antes de concluir sua missão.

Fichas policiais que vieram das cinzas

VALOR ECONÔMICO – OPINIÃO, 14/08/08


Os Centros de Informação do Exército, da Marinha e da Aeronáutica disseram ter incinerado todas as informações de que dispunham sobre o período autoritário, quando a ministra Dilma Rousseff, da Casa Civil, cobrou das Forças Armadas a obediência à determinação de governo, de que todos os arquivos do período fossem encaminhados ao Arquivo Nacional.

Apenas a Abin, que está submetida ao governo, obedeceu as ordens de seus superiores. A um pedido da ministra, para que os ministérios apresentassem os protocolos de incineração, os militares responderam que também eles haviam sido queimados.
Não se sabe de que pilha de cinzas, portanto, emergiram as "fichas" dos ministros Tarso Genro e Paulo de Tarso Vannuchi, que foram lidas para os cerca de 500 oficiais que se reuniram no Clube Militar, na semana passada, numa manifestação de apoio à impunidade, segundo eles garantida, pela Lei de Anistia de 1979, aos militares que torturaram e mataram adversários políticos entre 1961 a 1985 (período abarcado pela lei promulgada pelo último general-presidente, João Figueiredo).
O general reformado Sérgio Augusto de Avellar Coutinho leu, para uma seleta platéia de oficiais, a ficha corrida da militância política dos dois ministros de um governo legitimamente constituído. No que o general da reserva Gilberto Figueiredo, presidente do Clube Militar, sentenciou: "Vivemos num grande país que se apequena com essas discussões".
A revisão da lei de anistia não deve ser vista como uma discussão, mas como um debate. É assustador para quem está do lado de fora do Clube Militar, todavia, que decorridos 23 anos do fim da ditadura, nada que envolva as Forças Armadas consiga superar o patamar da "discussão" e ascender o do "debate". Ao longo desse período de poder civil, todas as vezes que esse tema foi colocado, provocou reações explícitas ou implícitas dos quartéis - e um recuo correspondente do governo eleito.
Sociedade deve decidir reencontro com passado
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva errou feio na tentativa de mediação entre os perseguidos políticos da ditadura e os militares. Conseguiu desagradar a ambos, no discurso que fez na União Nacional dos Estudantes (UNE), onde assinou, na terça-feira, o projeto em que reconhece o envolvimento de agentes do Estado no incêndio, em 1964, da sede da instituição na Praia do Flamengo, no Rio. "Queria dizer que precisamos tratar um pouco melhor os nossos mortos. Toda vez que falamos dos estudantes, dos operários que morreram, nós falamos xingando alguém que os matou. Quando na verdade, esse martírio nunca vai acabar se a gente não aprender a transformar nossos mortos em heróis, não em vítimas, como a gente costuma tratar, várias vezes", disse. A tradução da frase é meio esquisita: Lula disse (é o que parece) que a sociedade deve promover a heróis os mortos da ditadura e suprimir a história, simplesmente desconhecendo que, se eles morreram, alguém os matou. Nem o relato dos martírios que santificaram personagens da Igreja Católica conseguiu tal sublimação.
Governo e militares estão pautando um debate que não é necessariamente deles. É a sociedade que deve definir quais são os pressupostos de uma reconciliação com o seu passado. O papel do Estado, nesse caso, é dar à sociedade todos os elementos de avaliação - e o primeiro direito do cidadão, nesse caso, é à informação. O Ministério Público Federal propôs ação civil pública, reclamando a abertura dos arquivos e argüindo a legitimidade de manter impunes os agentes do Estado que torturaram, com base no fato de que o Brasil integra a comunidade internacional de direitos humanos - e assinou acordos internacionais - que define o crime de tortura, assim como os demais crimes contra a humanidade, como imprescritíveis. Talvez seja o caso de, na ineficácia da ação do governo junto às forças militares para que elas abram os seus arquivos, o MP inquiri-las diretamente sobre a origem das fichas dos ministros lidas para o público militar e pedir à Justiça que determine a abertura desses arquivos que emergem das sombras.
A anistia de 1979 foi, de fato, a anistia possível naquele momento. Mas, como diz o manifesto público que está recebendo maciço apoio de juristas de todo o país, "não se pode esquecer o que não foi conhecido, não se pode superar o que não foi enfrentado". E quem tem que decidir até onde vai esse debate não são os chefes militares, nem o presidente do Clube Militar, nem o presidente Lula, nem o presidente do STF, Gilmar Mendes. Nesse momento, é a sociedade, sem mediações, que faz um importante movimento de encontro com o seu passado. Que nos deixem conhecer o nosso sofrimento.
Maria Inês Nassif é editora de Opinião. Escreve às quintas-feiras

Debate sobre direitos individuais de acusados é mais amplo

Um par de algemas


Editorial da Folha de S.Paulo

Foi unânime a decisão do Supremo Tribunal Federal limitando a circunstâncias de "evidente perigo de fuga ou agressão" o emprego de algemas pelas autoridades. Diferentemente do que possa parecer à primeira vista, o julgamento não foi desencadeado pelas espetaculares detenções dos investigados na Operação Satiagraha. Foi um pedreiro de Laranjal Paulista, condenado por homicídio em 2005, o autor da ação.

Seus advogados argumentavam que o fato de estar algemado diante do júri reforçava a impressão de sua culpabilidade. Determinando a realização de novo julgamento nesse caso, os ministros do STF reafirmaram a idéia de que todo réu é inocente até prova em contrário.

A menos que se queira viver sob um regime de permanente arbítrio e delação totalitária, o princípio não tem como ser contestado —embora, nos últimos tempos, mostre-se importante relembrá-lo.Se o tema ganhou repercussão, isso se deve menos ao caso específico examinado no STF do que à série de críticas suscitadas pelo espalhafato policial na repressão aos crimes do colarinho branco.

Nesse contexto, os ministros decidiram editar uma súmula, ainda a ser votada em plenário, para que a orientação quanto ao uso de algemas seja seguida nas instâncias judiciais inferiores. Tratada com louvável sensatez no plano jurídico, a questão das algemas assumiu, entretanto, um destaque desproporcional nas atenções da opinião pública se levarmos em conta uma realidade muito mais vasta, e que cabe classificar de hedionda, no que diz respeito aos direitos dos acusados e dos presos no país.

Nem sequer é preciso mencionar o cotidiano de intimidações policiais vivido pelos habitantes das periferias, onde a barbárie do crime organizado é a maior, mas não a única, violência contra os direitos do cidadão.

No plano mais circunscrito da Justiça formal, é certamente incalculável o número dos réus que, sem assistência jurídica adequada, esperam presos um julgamento a que teriam direito de aguardar em liberdade.

Ainda mais grave é o caso daqueles que, com penas já cumpridas, permanecem encarcerados pela ineficiência e pela complicação do sistema judicial.Para corrigir este abuso -bem mais cruel e revoltante do que o uso das algemas- noticia-se, já não sem tempo, a iniciativa de criar mutirões organizados pelo Conselho Nacional de Justiça, com funcionamento previsto a partir de setembro.

Não se trata, evidentemente, de confundir a defesa dos direitos individuais com qualquer tipo de benevolência com o crime. A impunidade dos delinqüentes e o abuso das autoridades são faces da mesma moeda.

Qualquer que seja a classe a que pertençam, a ineficiência do sistema ajuda os culpados e prejudica os inocentes. Lentidão e desigualdade manietam as ações da Justiça no país; um par de algemas invisível, na verdade, do qual não há súmulas capazes de libertá-la a curto prazo.

[Editorial publicado na Folha de S.Paulo, 10 de agosto].

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

NOTA PÚBLICA

Justiça Global

- 08 de agosto de 2008 -

Crime de tortura não é “picuinha”

A busca de responsabilização dos torturadores da ditadura militar é passo indispensável para a consolidação de uma sociedade verdadeiramente democrática e de um Estado comprometido com os direitos humanos.

A distorção – praticada de maneira desleal por alguns membros das Forças Armadas e por parte da imprensa - das declarações dos ministros Tarso Genro (Justiça) e Paulo Vanucchi (Secretaria Especial de Direitos Humanos) foi, de fato, um “desserviço ao país”. Ao contrário do que se afirmou, a revisão da Lei de Anistia de 1979 não foi posta em discussão em momento algum. A argumentação dos ministros baseia-se na acertada assunção de que os crimes de tortura e de desaparecimento forçado não podem ser considerados crimes políticos, uma vez que seus autores são agentes públicos que extravasaram o mandato dado pelo Estado, podendo, portanto, serem responsabilizados individualmente.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA e tratados internacionais, ratificados pelo Brasil, determinam que os crimes de tortura são imprescritíveis. Querer mantê-los escondidos debaixo de uma imposição dolorosa é jogar os cacos para debaixo do tapete e louvar a impunidade no Brasil. É impedir o resgate de nossa memória e negar às futuras gerações o conhecimento detalhado de nossa história. O povo brasileiro tem direito à verdade.

“Fora de propósito” num Estado democrático de direito é a incitação à prática de crime por um parlamentar, o que configura evidente quebra de decoro. Da mesma forma que é “extemporânea”, numa democracia, a ameaça velada de depor um ministro da Justiça proferida por ex-integrante de um Tribunal Superior.

O custo de varrer a memória e a verdade histórica de um país é muito alto. A Justiça Global considera que, somente quando o país responsabilizar efetivamente os torturadores do passado, conseguirá superar a violência institucional e combater a impunidade dos crimes praticados por agentes públicos nos dias de hoje.

Justiça Global
(55 21 2544-2320)
www.global.org.br

Vanucchi diz ter antecipado à AGU posição de secretaria sobre crimes de tortura

LUISA BELCHIOR
colaboração para a Folha Online, no Rio

O ministro Paulo Vanucchi (Direitos Humanos) negou nesta sexta-feira ter orientado a AGU (Advocacia Geral da União) a admitir a existência de crimes de tortura na ditadura militar, como informou reportagem da Folha desta sexta-feira, mas reconheceu ter comunicado ao órgão a posição da Secretaria dos Direitos Humanos.

"Orientar não é a palavra correta [...] Eu antecipei à AGU a posição da secretaria, mas disse também que o governo vai definir qual é a posição na hora de responder com a AGU, consultando quem ela considerar que é preciso consultar", declarou o ministro, durante seminário da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) na sede do Rio, no centro da cidade, nesta sexta-feira.

"Comuniquei à AGU que a posição da Secretaria de Direitos Humanos é que a União aceite a posição que o Ministério Público Federal oferece, que é deixar de ser ré para se tornar proponente ativa. Mas essa é a posição da secretaria, e acataremos o que governo decidir, mesmo que seja diferente."

A AGU é alvo de uma ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal que pede que os militares reformados Carlos Alberto Ustra e Audir Santos Maciel, comandantes do DOI-Codi nos anos 70, sejam responsabilizados pessoalmente por desaparecimento, morte e tortura de 64 pessoas.

Vanucchi voltou a defender a abertura dos arquivos da ditadura e disse que não haverá reconciliação enquanto isso não for feito.

"Não nos peçam para fazer reconciliação sem o direito à memória e à verdade. O tema terá que ser resolvido em algum momento. Não pode haver reconciliação em torno de qualquer idéia de que não houve tortura no Brasil, de que o jornalista Vladimir Herzog cometeu suicídio, de que o [deputado] Rubens Paiva nunca foi preso."

Durante o seminário na OAB, Vanucchi afirmou ainda desconhecer a existência de uma suposta ficha de arquivos do Exército atribuindo crimes a ele e ao ministro Tarso Genro (Justiça). O suposto documento foi lido nesta quinta-feira (7) pelo general da reserva Sérgio Coutinho, em evento no Clube Militar do Rio.

"Se existe uma ficha, essa ficha é de algum arquivo, algum documento? Se isso [suposta ficha lida por Coutinho] for verdade, cabe essa pergunta, porque é possível que exista arquivos que, oficialmente, a resposta é que todos foram queimados, então não deveria existir fichas de ninguém", disse.

Tarso disse não ter nada para esconder. "Minha ficha é aberta e eu me orgulho muito dela", declarou o ministro, durante ato em favor da lei seca no Sindicato dos Médicos do Rio, na manhã desta sexta-feira.

Lula avalia punição a oficiais do Alto Comando do Exército


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva discutirá com o ministro da Defesa, Nelson Jobim, eventual punição aos oficiais da ativa que participaram de ato na quinta-feira (07/08) no Clube Militar. No evento, militares da reserva atacaram a revisão da Lei da Anistia e integrantes do governo, como o ministro Tarso Genro (Justiça).

Lula também manterá a orientação para que a AGU (Advocacia Geral da União) reconheça que houve tortura na ditadura militar (1964-1985). Tarso e o ministro Paulo Vanucchi (Direitos Humanos) orientaram a AGU a reconhecer crimes de tortura na ditadura na defesa formal à Justiça Federal q ue a União deve fazer em virtude de ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal.

Nas palavras de um auxiliar de Lula, o governo não vai negar a realidade: houve tortura na ditadura. Segundo ele, o governo já assumiu isso quando lan çou um livro no ano passado, no qual foram relatados crimes de tortura, de seqüestros e de assassinatos cometidos pelo governo militar contra militantes políticos. Daí a AGU reconhecer a tortura no parecer à Justiça Federal.

De volta à eventual punição que Lula analisará: dois integrantes do Alto Comando do Exército participaram do evento de quinta no Clube Militar, entidade que reúne militares fora da ativa. Foram eles: o chefe do Comando Militar do Leste, general-de-Exército Luiz Cesário Silveira Filho, e o diretor de ensino do Exército, Paulo César de Castro.

Lula, que estava em Pequim, deixou para lidar com o imbróglio militar no retorno. Ele chegou ontem. O mais provável é que presidente trate do assunto amanhã, segunda-feira (11/08), em reunião normal de trabalho no Palácio do Planalto.

Uma eventual punição ao chefe do Comando Militar do Leste poderá ser a antecipação de sua ida para a reserva. No governo, diz-se que o ge neral Silveira Filho está prestes a se aposentar. Uma eventual retaliação do presidente pode ser uma retirada antecipada.

Não inflar o problema

A cúpula do governo não deseja dar ar de crise à tensão com os militares. No entanto, avaliou como provocações a presença dos oficiais da ativa no ato do Clube Militar e a publicação na página oficial do Comando Militar do Leste na Internet de um texto em defesa da ação dos militares na ditadura.

Um auxiliar direto do presidente disse que, tecnicamente, os militares da ativa tomaram cautelas para tentar evitar punição. Foram sem farda ao ato do Clube Militar e se mantiveram calados. Em tese, estiveram lá como pessoas físicas.

A mensagem no site do Comando Militar do Leste, um texto escrito por um general em 1983, teve, na visão do Palácio do Planalto, conteúdo de provocação.

Na cúpula do governo, também se reconhece que palavras de Tarso a favor da revisão da Lei da Anistia (1979), das quais o ministro já recuou publicamente, deram o gás inicial à tensão entre as Forças Armadas e duas pastas do governo --Justiça e Direitos Humanos.

Não interessa a Lula aumentar a crise. O presidente ficou incomodado com declarações de Tarso que contrariaram as Forças Armadas. Lula as julgou desnecessárias e fora de hora. No entanto, o ministro da Justiça tem crédito com o presidente por ser um dos auxiliares que defendem publicamente o governo em momentos difíceis, como no episódio do dossiê anti-FHC.

Tarso está certo

O ministro da Justiça pode ser acusado de não possuir habilidade política para lidar com assuntos espinhosos. Muitas vezes, fala mais do que deve para alguém em sua posição. Isso tem um lado bom. Tarso diz o que pensa.

Pode haver cálculo político, o que é normal na sua atividade profissional. Mas, se há mesmo tal cálculo, ele geralmente lhe tira força política. É besteira achar que Tarso bombardeia a eventual candidatura presidencial da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Ele já aceitou que Dilma é a candidata de Lula. Para o presidente, ela é o melhor nome para ganhar ou também para perder.

Tarso está coberto de razão ao dizer que a Lei da Anistia não perdoou crimes de tortura. Na guerra entre militares e militantes políticos, os primeiros representavam o Estado. Foi o Estado brasileiro quem cometeu crimes de tortura, seqüestro e assassinato até hoje nebulosos.

É preciso fazer um ajuste de contas com o passado. Lula ganharia historicamente se o fizesse, mas perderia na política ime diata. Uma pena. Quem tem a popularidade do presidente deve comprar brigas que valem a pena ser compradas, e não varrê-las para baixo do tapete.

É desproporcional acusar agentes da repressão e militantes de esquerda da mesma forma. Como já foi dito, os primeiros representavam o Estado. Cabe à Justiça dar a palavra sobre a cobertura ou não da Lei de Anistia aos crimes de tortura.

Responsabilidade ampla

As Forças Armadas dizem que os arquivos da ditadura foram queimados. Sempre com sujeito indeterminado. É preciso responder quem queimou, por ordem de quem, sob o comando de quem.

O coronel da reserva Carlos Alberto Brilhante Ulstra tem razão em estar contrariado. Afinal, não foi o único torturador da ditadura. Não agiu sozinho. Seus superiores sabiam o que ele fazia. Os generais-presidentes sabiam. E muitos setores da sociedade civil sabiam e apoiaram.

Há uma culpa do Estado que ainda precisa ser reparada. Faltam respostas para que pais, mães, irmãos, irmãs, maridos, esposas, namorados, namoradas, amigos e amigas possam enterrar os restos mortais de seus entes queridos ou, no mínimo, obter do poder público uma satisfação sobre o que exatamente aconteceu com quem desapareceu nos anos de chumbo.

Kennedy Alencar, 40, é colunista da Folha Online e repórter especial da Folha em Brasília. Escreve para Pensata às sextas e para a coluna Brasília Online, sobre os bastidores da política federal, aos domingos. Também é comentarista do telejornal "RedeTVNews", no ar de segunda a sábado às 21h10.

E-mail: kalencar@folhasp.com.br

CNJ cria Comissão de Acompanhamento do Sistema Prisional

Terça, 05 de Agosto de 2008

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu criar a Comissão Temporária de Acompanhamento do Sistema Prisional para analisar questões relacionadas ao sistema penitenciário e à execução penal. A Comissão vai propor medidas para melhorar a prestação dos serviços de justiça nas varas de execução penal.

A grave situação carcerária no Brasil é apontada como motivo para a criação da Comissão, segundo justificativa na portaria nº 236 do CNJ publicada nesta sexta-feira (01/08) no Diário de Justiça Eletrônico do Conselho. Além do conselheiro Jorge Maurique como presidente, os conselheiros Felipe Locke Cavalcanti, Marcelo Nobre, Rui Stoco e Técio Lins e Silva são integrantes do grupo.

A criação da Comissão foi motivada por decisão do CNJ em abril deste ano, após exame do Procedimento de Controle Administrativo 2008100000002397, cujo relator foi o conselheiro Jorge Maurique, que agora presidirá o grupo. Ao examinar a questão relacionada às condições penitenciárias de São Paulo, o conselheiro considerou que "Não se pode ignorar a grave situação enfrentada pelas casas prisionais não apenas em São Paulo, mas em todos o país". Segundo ele, o Brasil possui atualmente uma população carcerária de 422.590 presos, conforme dados do Sistema Nacional de Informação Penitenciária, levantados em 2007 pelo Departamento Penitenciário Nacional, órgão vinculado ao Ministério da Justiça.

domingo, 10 de agosto de 2008

Justiça exige que Funai notifique donos de áreas que vistoriará em Mato Grosso do Sul

Vinicius Konchinski
Repórter da Agência Brasil



São Paulo - A Justiça vai exigir que a Fundação Nacional do Índio (Funai) notifique os proprietários de áreas que serão vistoriadas durante o estudo para demarcação de territórios indígenas em Mato Grosso do Sul. A determinação consta de decisão liminar do juiz Clorsivaldo Rodrigues dos Santos, da 1ª Vara da Justiça Federal em Campo Grande.

No processo, o juiz acatou o pedido de mandado de segurança feito ontem (8) pela Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Famasul). Segundo o vice-presidente da Famasul, Eduardo Riedel, a liminar vai impedir “a Funai de fazer uma invasão nas propriedades de forma arbitrária, para expropriar um patrimônio legítimo".

Desde o início do mês, seis grupos de trabalho constituídos pela Funai trabalham em 26 municípios do estado para identificar territórios tradicionalmente ocupados por índios guarani-kaiowá e que, mais tarde, deverão ser transformados em reserva.

Riedel disse que existem 19.980 propriedades rurais nestes municípios. Para ele, é preciso que os proprietários de terras reivindicadas por índios, pelo menos, saibam que os pesquisadores da Funai vão vistoriar sua fazenda em busca de vestígios de ocupações. Segundo ele, na liminar, está previsto que a notificação seja feita com, no mínimo, dez dias de antecedência.

De acordo com Riedel, a Famasul está estudando novas ações para tentar barras os estudos para demarcação. Ele informou que a sociedade civil, parlamentares e o governo estadual também têm analisado formas de impedir que “terras produtivas sejam tomadas”.

Na terça-feira (5), o governador André Puccinelli e deputados estaduais foram recebidos pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, para tratar das demarcações no estado. No encontro, eles solicitaram que a Súmula 650, que determina que territórios de aldeamentos extintos não sejam considerados terras indígenas, seja considerada uma súmula vinculante. Dessa forma, a súmula valeria para os processos judiciais sobre o tema e basearia também a ação de órgãos do estado no que diz respeito ao assunto.

Conforme informativo divulgado pelo STF, na reunião, o governador André Puccinelli informou que a situação criada pelo início dos estudos para demarcação de terras indígenas em Mato Grosso do Sul é de “extrema tensão”. Puccinelli também alertou Mendes para a possibilidade de confrontos entre índios e agricultores. “Nosso caminho é o do não-confronto, mas parece que a Funai o ignora”, afirmou o governador.

A Funai foi procurada pela Agência Brasil para comentar a decisão judicial em favor da Famasul. Contudo, nenhum funcionário da assessoria de imprensa do órgão foi encontrado nesta tarde.