Provita promove reinserção social de pessoas que cooperam com a Justiça.
Baseado na ação de ONGs, modelo brasileiro é alvo de questionamentos.
Do G1, em São Paulo
O Programa de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas (Provita), importante instrumento de combate ao crime organizado no país, completa 15 anos em meio a problemas e questionamentos sobre o modelo de proteção adotado no Brasil.
Entre os gargalos que persistem estão a descontinuidade no repasse de recursos públicos às ONGs que executam o programa, a lentidão da Justiça para julgar processos com testemunhas protegidas e dificuldades na reinserção social dos usuários.
Quem soou o último alerta foi a própria ONG fundadora do programa, o Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop), de Pernambuco.
Se prestamos algum serviço, fazemos ajudando a colocar na cadeia o ladrão de galinha"Jayme Benvenuto membro do Gajop, ONG fundadora do Provita. Em audiência no Congresso em outubro de 2009, a entidade anunciou sua renúncia à execução do programa federal de proteção (vigente nos oito estados sem programas estaduais) e ao monitoramento nacional dos programas estaduais. Passou a manter apenas a execução do programa em Pernambuco.
“Esse modelo [de proteção a testemunhas] já não dá conta da grande criminalidade que existe hoje no país. Se prestamos algum serviço, nós o fazemos ajudando a colocar na cadeia o ladrão de galinha”, disse na ocasião Jayme Benvenuto, presidente do conselho deliberativo da ONG.
Benvenuto criticava o que vê como incapacidade de o programa absorver testemunhas de crimes complexos, como fraudes financeiras e lavagem de dinheiro. Limitação também identificada pelo procurador da República Alexandre Gavronski, que atuou por oito anos no programa em São Paulo e em Mato Grosso do Sul.
"O tipo de testemunha de crimes de 'colarinho branco' são pessoas de maior instrução e poder econômico. Essas pessoas, de boas condições econômicas e culturais, acabam não se adaptando às regras bastante restritivas do programa", diz Gavronski.
O responsável pelo programa no governo federal, Fernando Matos, defende a eficácia do modelo brasileiro de proteção, baseado na participação da sociedade civil.
Diretor de Defesa dos Direitos Humanos da Secretaria de Direitos Humanos (SDH) da Presidência da República, Matos, que já trabalhou no Gajop, disse que as críticas da ONG sobre o modelo são isoladas. Afirmou que o Provita está atento a críticas e tem buscado diálogo permanente com os envolvidos no programa. "Não vejo no Brasil as entidades da sociedade civil questionando esse modelo", diz.
Histórico e funcionamento
O Provita é gerenciado pelo governo federal, por meio da SDH. A execução, contudo, é descentralizada. A União fecha convênios com os estados, que firmam parcerias com ONGs que tocam os programas. As entidades contratam técnicos (advogados, psicólogos, assistentes sociais) e gerenciam a rede de voluntários que ajuda no acolhimento às testemunhas.
Embora o governo federal forneça a maior parte dos recursos, os programas estaduais são autônomos. A União monitora os programas estaduais e mantém, também em execução terceirizada, um programa federal em estados que não possuem seus programas. Há ainda um programa federal específico para proteção a crianças e adolescentes ameaçados de morte e outro de proteção a defensores de direitos humanos.
De 1997 a 2009, o Provita recebeu cerca de R$ 90 milhões em recursos federais e R$ 30 milhões em contrapartida dos estados. Mas a descontinuidade nos repasses é um dos principais problemas do programa. Muitas vezes a burocracia atrasa a renovação dos convênios dos estados com as ONGs e o dinheiro não chega em tempo.
“Já passamos até sete meses sem repasse de recursos. É muito conveniente para o estado, que sabe que pelo caráter militante das ONGs elas manterão o programa funcionando”, disse ao G1 o presidente do conselho deliberativo do Gajop, ao defender um modelo com maior participação estatal.
Salários baixos, regime de 'plantão permanente' e trabalho sob pressão contribuem para a alta rotatividade das equipes técnicas do programaEquipes sob pressão
Diagnóstico semelhante tem Luis Carlos Cintra, coordenador do Provita do Maranhão. Cintra chama atenção para o baixo salário médio de técnicos que, sob pressão e em regime de "plantão permanente”, recebem, segundo ele, de R$ 2.500 a R$ 3.000, considerando a média nacional.
“Se fosse no serviço privado você teria hora extra, adicional noturno, coisas que não existem no programa e que impõem ônus ao empregador”, diz Cintra, sem deixar de defender a importância da iniciativa.
A questão trabalhista foi o estopim da saída do Gajop do programa federal e do monitoramento nacional. Um ex-funcionário obteve na Justiça o direito a receber R$ 80 mil em ação trabalhista, e o Estado não assumiu a dívida, o que a ONG hoje contesta em segunda instância.
Há ainda questões como a ausência, na maioria dos estados, de documentos de identificação funcional com nomes fictícios e de equipes de segurança específicas para os técnicos do programa.
Somados, esses problemas explicam a alta rotatividade nas equipes técnicas de proteção, aponta o procurador da República Alexandre Gavronski.
“É um problema de consequências nefastas ao programa. Às vezes não há contratação regular pela CLT, porque as entidades têm medo de ser responsabilizadas [em eventuais ações]”, diz Gavronski, ressaltando que em São Paulo, estado que paga os melhores salários do Provita no país (aproximadamente o dobro da média nacional), foi constituído um fundo específico estatal para pagamento de passivos trabalhistas.
Matos, da SDH, afirma que o governo federal tem feito o que pode para evitar os atrasos, como repassar recursos aos estados em cota única. Diz ainda que os convênios do Provita são menos burocráticos em razão da natureza do programa - podem ser fechados, por exemplo, em período eleitoral. "Mas se os projetos vêm incompletos ou os estados têm problemas com a União, são causas [de atraso] intransponíveis", diz.
Sobre a questão trabalhista, ele afirma que os direitos sociais, como 13º e férias, começaram a ser pagos aos técnicos do programa justamente no início do governo Luiz inácio Lula da Silva, em 2003. Diz que a União orientou as ONGs executoras a acertar contratos de trabalho com os técnicos para definição de questões como pagamento de horas extras. "Se as instituições não estão seguindo essa orientação, aí é com as entidades."
Programa ainda não registrou gastos com treinamento de equipes em 2010, mas governo federal diz que investimento em capacitação é permanenteCapacitação não recebeu investimentos em 2010
Embora auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) tenha reconhecido “diversas ações voltadas ao treinamento” de pessoal no Provita, o programa ainda não registrou pagamentos nessa área em 2010, apontam dados do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi) compilados pela ONG Contas Abertas a pedido do G1.
E m 2009, o gasto na rubrica “Capacitação e Formação de Agentes Operadores dos Serviços de Proteção” foi de R$ 144,5 mil. Desde 2001, apontam os dados do Siafi, a despesa somou R$ 2,43 milhões.
Matos diz que o programa ainda não registrou gastos em 2010 porque uma oficina de treinamento que realiza periodicamente ficou para dezembro. Afirmou ainda que desde 2009 há cursos de especialização online para as equipes técnicas, além das ações de capacitação promovidas pelos estados.
Nova vida esbarra em problemas de gestão
Desde 1998, ano em que, após três anos de existência, passou a ter chancela federal, o Provita protegeu mais de 2.000 pessoas, das quais mais de 850 testemunhas. Desde então não há registro de homicídios contra usuários do sistema.
Mas o processo de reinserção social, que é um dos pilares do programa, enfrenta dificuldades. Como a mudança de nome oficial só é feita em casos excepcionais, matrícula em escolas ou atendimento em hospitais públicos podem gerar quebra de sigilo, como apontou a auditoria do TCU, realizada em 2004. Desde então, o programa foi monitorado outras duas vezes.
“As atividades oferecidas para a reinserção social dos beneficiários têm sido prejudicadas pela precariedade da articulação com órgãos e programas de governo, feita geralmente de forma pessoal. O acesso a serviços de saúde, educação e assistência social, por exemplo, não é garantido de forma institucional, podendo ser interrompido em caso de mudança de gestores estaduais e municipais”, registrou o TCU ao avaliar o programa.
O diretor da SDH afirmou que o desafio da inserção da testemunha em serviços públicos sem prejuízo ao sigilo vai ser discutido por uma comissão intersetorial com participação de 20 ministérios e da Caixa Econômica Federal, constituída recentemente.
Governo tenta obter prioridade a processos com testemunhas protegidas
A lentidão dos processos em que há testemunhas protegidas é outro desafio ao sistema no Brasil. “A impunidade acaba penalizando a vítima duplamente”, diz Gilson Cardoso, coordenador nacional do Movimento Nacional de Direitos Humanos.
Em 2007, o governo enviou ao Congresso projeto de lei que prioriza a tramitação de inquéritos e processos com testemunhas protegidas. A proposta foi aprovada na Câmara, mas aguarda votação na Comissão de Constituição e Justiça do Senado desde junho de 2009.
Matos diz que enquanto a iniciativa não é aprovada o governo busca incentivar o Judiciário a adotar normas internas para priorizar os casos com testemunhas protegidas, como já ocorre, por exemplo, em São Paulo.
O diretor da SDH afirma que o próprio governo reconhece a necessidade de maior envolvimento estatal no programa, mas defende como eficaz e "único no planeta" o modelo brasileiro baseado em parcerias com a sociedade civil. "Pela complexidade do tema, que é a proteção a vidas humanas, [contra o] crime organizado, estamos tendo êxito", afirma.
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