quarta-feira, 4 de março de 2009

04/03/2009

Justiça, estrangulada, asfixia o sistema carcerário

04/03/2009

A contar pelas conclusões do 2ºCongresso Nacional do Judiciário, que aconteceu no dia 17 de fevereiro, em Belo Horizonte, a Justiça vive um estrangulamento e, em consequência, exerce uma asfixia sobre o sistema carcerário. Segundo estimativa do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, que também é presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), cerca de um terço de uma população carcerária de 446 mil detentos, ou seja, 147 mil desse total, está presa indevidamente, "ou porque já cumpriu pena, ou porque não deveria ter sido recolhido". Do total de presos, 191 mil estão sob prisão provisória.

Segundo disse o juiz Erivaldo Ribeiro dos Santos no mesmo encontro, em 11 Estados o número de presos provisórios supera o daqueles que têm sentença condenatória. Em Alagoas, 77% dos detidos no sistema penitenciário são provisórios.

Embora essa não seja uma questão nova, é novidade que os juízes estejam assumindo, cada vez mais, as suas responsabilidades sob um sistema carcerário caótico, que hoje tem um déficit de 328 mil vagas. A relação entre os dois problemas é clara. Ao elevado número de presos provisórios no sistema, somam-se 67 milhões de ações em trâmite no país, sendo que de 40 milhões a 50 milhões desses processos foram distribuídos antes de 31 de dezembro de 2005.

Como nenhum preso provisório encontra-se nessa situação sem uma decisão judicial, atesta-se uma tendência generalizada da Justiça de optar pelo encarceramento mesmo sem uma sentença definitiva. Isso coloca o Brasil entre os países com maior taxa de encarceramento - na América Latina perde apenas para o Chile e para o Panamá, num mundo onde ocorre uma discussão cada vez mais intensa sobre a capacidade do sistema carcerário de promover a recuperação dos criminosos, da forma como está constituído.

Aí entra a responsabilidade do Estado, que não tem conseguido separar os presos provisórios dos definitivos, nem os presos de alta e baixa periculosidade. Os presídios, sobrecarregados por lentos processos judiciais, por baixos investimentos do Estado e pela prevalência da filosofia de que a prisão apenas protege a sociedade dos criminosos, mas não tem a obrigação de ressocializá-los, assumem a vocação de escolas de crime.

Como essa é uma questão complexa e envolve a responsabilidade de diversas instituições e atores sociais, uma solução depende da inter-relação e cooperação entre eles. O presidente do STF sugeriu como meta aos juízes presentes no encontro que se julgue, até o final do ano, as ações distribuídas até 31 de dezembro de 2005. É possível duvidar da viabilidade da proposta de Mendes, levando em consideração que, em 2007, foram julgados 20,4 milhões de processos. É preciso que se proporcione aos juízes condições práticas para que realizem a parte que lhes cabe nesse esforço, sem imaginar que o Judiciário, nas condições atuais, pode fazer uma mágica e, de repente, livrar todos os presos indevidamente no sistema carcerário. Também não se pode depositar esperanças na eficiência de um sistema judicial que tem manifestado uma tendência à concentração nas mãos da mais alta Corte, com condições limitadas para exercer rapidamente a última palavra nesses milhares de processos. Mas, de qualquer forma, deve-se elogiar o fato de que o Judiciário, enfim, tenta assumir a sua parcela de responsabilidade sobre o problema.

No início desse mês, o STF, por sete votos a quatro, decidiu que a execução da pena só pode ocorrer quando a sentença transitar em julgado. Esse seria o outro extremo da realidade de hoje, se entendida ao pé da letra: abolir simplesmente a prisão preventiva. Mendes diz que isso não é verdade, mas que ela ficaria limitada a presos provisórios cuja detenção não careça de fundamentação jurídica. Se esse entendimento for assumido em todos os níveis de Justiça, os juízes seriam obrigados a imprimir maior agilidade nas suas decisões, uma vez que apenas poderiam executar a pena após o trânsito em julgado da sentença, isto é, a condenação em última instância. Somente o futuro dirá do acerto da decisão do STF. E ela só será eficiente se acompanhada de medidas efetivas que imprimam maior agilidade ao sistema.

Fernando Matos

"Crê nos que buscam a verdade. Duvida dos que a encontram." André Gide

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