O Conselho Nacional de Justiça anunciou, por iniciativa de seu presidente Ministro Gilmar Mendes, a criação de um Fórum para tratar de assuntos fundiários e para acompanhar processos que envolvam questões agrárias. Também adotou a Recomendação 22, de 04 de março de 2009, orientando Juízes, Varas e Tribunais a priorizar e monitorar os processos judiciais envolvendo conflitos fundiários.
A iniciativa do CNJ, em primeira análise, pode parecer coerente com uma reivindicação antiga da sociedade brasileira, que há muito tempo percebeu a necessidade e a urgência de haver maior responsabilidade do Poder Judiciário com a realização da Reforma Agrária, a garantia dos direitos territoriais dos povos indígenas e comunidades tradicionais, no combate à grilagem de terras públicas e à impunidade que caracteriza a violência contra trabalhadores rurais. Para a Terra de Direitos, o Poder Judiciário também deve incluir na agenda do Fórum os conflitos fundiários urbanos.
Mas por enquanto, as declarações do presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, reforçaram a estratégia de criminalização dos movimentos sociais, lançando preocupações sobre o tratamento democrático e comprometido com a efetivação dos direitos humanos, que o Poder Judiciário deve ter também com as questões fundiárias no Brasil.
Se o Fórum recém criado é justificado porque o ministro Gilmar Mendes considera que “a atividade judiciária é essencial para a pacificação dos conflitos sociais”, é fundamental que o CNJ responda a seguinte questão: suas prioridades recairão sobre todos os processos envolvendo questões fundiárias urbanas e rurais, inclusive aqueles que tratam do grave problema da grilagem de terras públicas, ou apenas os que tiverem como réus camponeses sem terra, militantes e lideranças de movimentos sociais? Este Fórum enfrentará o problema da concentração de terras no Brasil, onde cerca de 3% do total das propriedades privadas rurais ocupam 56,7% das terras agricultáveis? É fundamental discutir ainda mecanismo de efetivação do princípio constitucional de função social da propriedade (e da posse), que tem sido ostensivamente ignorado por juízes e tribunais no julgamento de ações possessórias.
É preciso que o Fórum reconheça que, embora o Poder Judiciário seja um ator chave na democratização do acesso à terra, na prática há claras evidências de que sua intervenção tem agravado os conflitos fundiários. Dados do INCRA mostram que, em 2007, havia 157 processos de desapropriação tramitando no Judiciário, o que envolve 15 mil famílias que esperavam - e ainda esperam -decisões judiciais para ter efetivado seu direito à terra. Os conflitos coletivos pela posse da terra são encarados por setores do Judiciário como conflitos meramente individuais e raramente os juízes estão preparados para aplicar os instrumentos apropriados de mediação. De acordo com a Comissão Pastoral da Terra, em 2007, 14.221 famílias sofreram despejo por ordem judicial e 4.340 foram expulsas pela ação das milícias privadas.
Amplos setores do Judiciário agem com eficiência na proteção da grande propriedade privada, mas quando se trata de combater a violência contra trabalhadores rurais, a regra tem sido a impunidade. De 1985 a 2006 foram assassinados 1.464 trabalhadores rurais, sendo que apenas 71 executores e 19 mandantes foram condenados (dados CPT). Em razão da impunidade, dos conflitos no campo e da inércia do Judiciário, tramitam na Comissão e na Corte Interamericana da Organização dos Estados Americanos mais de vinte casos contra o Estado Brasileiro.
Além de enfrentar estas questões, o Poder Judiciário também precisa entender que os movimentos sociais, através de suas lutas, mobilizações e reivindicações, são fundamentais para construir uma democracia real no Brasil. Não são eles os promotores dos conflitos fundiários, mas sim parte fundamental para a solução dos problemas gerados pela injusta concentração fundiária, a pobreza e a exclusão social.
Assim, para que o Fórum criado pelo CNJ realmente contribua para o cumprimento da missão constitucional de construção de uma sociedade livre, justa e solidária, ele deve enfrentar o desafio de promover a democratização do próprio Poder Judiciário, garantindo a ampla participação da sociedade na busca de soluções para os conflitos fundiários e apresentando respostas concretas para maior agilidade dos processos de desapropriação, para o combate à grilagem de terras públicas, para a impunidade que marca os processos que apuram assassinatos de trabalhadores rurais. Estes são alguns dos requisitos necessários para garantir a efetivação dos direitos humanos no campo brasileiro.
Curitiba (PR)/Brasil, 13 de março de 2009
Terra de Direitos
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