Segunda, 9 de março de 2009, 10h40 Atualizada às 14h11
Livianu: Gilmar Mendes é antípoda ao MP
Marcela Rocha
Especial para Terra Magazine
As declarações espinhosas entre o procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza e Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal, continua a provocar reações. "As declarações do ministro fizeram generalizações. Isto é extremamente perigoso", afirma o promotor de justiça Roberto Livianu, também presidente do Ministério Público Democrático, uma ONG cujos membros - procuradores da República, promotores de Justiça e procuradores de Justiça - fazem parte do Ministério Público de todo o Brasil.
O estopim das acusações do ministro se deu quando, em Pernambuco, quatro seguranças da fazenda Jabuticaba foram assassinados por integrantes do MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. A partir de então, o presidente do STF começou a se posicionar contra a suposta verba cedida pelo governo ao movimento.
Na avaliação de Livianu, o presidente do STF, Gilmar Mendes precipitou-se ao vir a público emitir suas impressões sobre a relação do MST com o governo. As acusações do ministro foram rebatidas pelo procurador geral da república Antônio Fernando de Souza.
A imparcialidade de uma figura pública é fundamental, acredita Livianu. Ainda mais caso ela esteja à frente do Poder Judiciário, que precisa "preservar a imparcialidade". O "chefe da corte se manifestou de maneira amplamente valorativa, com uma carga de conceitos já declarados", analisa.
Alguns comentários do presidente do STF foram "imprecisos" na visão de Liviano. Quanto às acusações de que o MST estaria recebendo dinheiro do governo, o presidente do MPD explica:
- Em primeiro lugar, não é o MST que recebe a verba federal, mas entidades credenciadas junto ao governo federal. O Poder Executivo e não o Judiciário deve fiscalizar o que se está fazendo com essa verba. Não podemos permitir o desequilíbrio entre os poderes.
Ao ser questionado sobre a relação do Ministério Público com o ministro, Livianu não titubeia: "Difícil". E justifica:
- O ministro está em posição antípoda às defendidas pelo MP.
Assunto "preocupante" ao MP é o cerco feito ao juiz Fausto De Sanctis, responsável pelo acompanhamento das investigações da Operação Satiagraha, da Polícia Federal, que acabou por prender e indiciar o banqueiro Dandiel Dantas.
"Ele se contrapôs a gente muito poderosa" e, segundo avalia Livianu, "por conta disto, pode ser retaliação". Com mais cautela, o promotor faz uma ressalva: "Não se pode afirmar peremptoriamente, mas a impressão é esta, porque se percebe um vigor investigativo contra ele, o que não é muito comum, nem corriqueiro".
Leia na íntegra a entrevista com Roberto Livianu:
Terra Magazine - Como o senhor avalia as declarações do ministro do Supremo Tribunal Federal sobre as verbas repassadas ao MST?
Roberto Livianu - Temos muitos aspectos que nos preocupam nessa declaração: generalizações e questões relacionadas à Constituição. Chama atenção que, quando falam dos movimentos sociais principalmente do MST, há uma carga de criminalização deles. Isso é um discurso perigoso que fere a constituição. As pessoas que violam a lei precisam ser responsabilizadas individualmente. Criminalizar e generalizar situações e condutas leva à negação do Estado Democrático de Direito. A função social da propriedade é prevista na Constituição e o latifúndio improdutivo a viola. É preciso que os movimentos sociais se organizem e façam pressão para o cumprimento da Constituição. As declarações do ministro fizeram generalizações. Isto é extremamente perigoso.
E mais, o Poder Judiciário precisa preservar a sua imparcialidade como elemento central de sua essência. Como vamos imaginar essa preservação quando o presidente desse Tribunal emite opiniões carregadas de subjetivismos e valorações. E se essas questões batem às portas do Supremo? Como preservar a imparcialidade se o próprio chefe da corte se manifesta dessa maneira amplamente valorativa, com uma carga de conceitos já declarados? Onde fica a imparcialidade do juiz?
Era o melhor momento para ser feita uma declaração?
A precipitação de opiniões pode ser muito nociva ao interesse público. Acho isso profundamente temerário que tenham sido feitas antes de uma decisão formal. Quem exerce função pública tem que respeitar certos parâmetros e referências. É o caso do promotor público, por exemplo, que precisa pensar no melhor momento e o melhor jeito para falar sem que comprometa as investigações. Mas nunca falar sobre uma situação que ainda está indefinida, por ser resolvida. E acho que isso vale para os agentes públicos em geral.
E as declarações do procurador Antônio Fernando de Souza?
O Procurador Geral da República foi muito feliz em suas declarações porque a bem da verdade, se fizermos um exame do Ministério Público, jamais diremos que é uma instituição omissa frente a essas situações mais recentes. Existem providências que precisam ser tomadas quando eclodem essas coisas. Cito como um exemplo de MP, o de Minas Gerais.
É legal o repasse de dinheiro a movimentos sociais como o MST, por exemplo?
É preciso tomar cuidado com alguns comentários do presidente. Imprecisos. Em primeiro lugar, não é o MST que recebe a verba federal, mas entidades credenciadas junto ao governo federal. O Poder Executivo e não o Judiciário deve fiscalizar o que se está fazendo com essa verba. Não podemos permitir o desequilíbrio entre os poderes. Veja, muitas vezes o governo dá dinheiro para empresários e banqueiros como Edmar Cid Ferreira nas barras dos tribunais. Vamos agora dizer que é ilegítimo financiar atividades econômicas de banqueiros? Dizer que essas transferências são criminosas e ilegítimas? Não, porque toda generalização pode levar a distorções. Quando se trata de dinheiro para movimento social, atiram os cães. E por que quando se fala de dinheiro para banqueiro que praticam crimes do colarinho branco, não tem importância? Por que dois pesos e duas medidas?
Como é a relação do Ministério Público com o ministro Gilmar Mendes?
Difícil. Existem várias questões que ao longo do tempo aconteceram. Em diversas oportunidades o ministro se colocou como um antípoda em relação a posições do ministério público. Isto, várias vezes. Cito como exemplo recente o poder de investigação do Ministério Público. Na ocasião, o ministro Gilmar Mendes externou uma opinião em relação a este tema, na qual ele se colocava diametralmente contra o poder de investigação num País em que temos tanta corrupção e tantos assuntos sociais relevantes que precisam de investigações profundas e claras de todas as organizações que puderem fazê-las com pleno vigor. De qualquer maneira, este é um assunto que ainda precisa ser desenvolvido. Na época o então ministro exerceu outras funções, advogado geral da União. Inclusive, muitas pessoas disseram que foi um dos responsáveis pelo projeto da Lei da Mordaça, que proibia autoridades públicas de externar opiniões. Algumas coisas que foram acontecendo ao longo do tempo colocaram o ministro nessa posição antípoda às defendidas pelo MP. Isto é público.
Como o senhor avalia o cerco ao juiz De Sanctis?
Preocupante. Talvez o juiz não tenha tido a melhor forma e estratégia de tomar decisões e posicionamentos. Fica no ar uma impressão de estar havendo retaliações. Há uma preocupação forte porque ele se contrapôs a gente muito poderosa e, por conta disto, pode ser retaliação. Não se pode afirmar peremptoriamente, mas a impressão é esta, porque se percebe um vigor investigativo contra ele, o que não é muito comum, nem corriqueiro. Ainda mais pelo fato de o juiz De Sanctis ter um histórico de uma atitude correta no exercício da função dele, um estudioso do crime do colarinho branco e de lavagem de dinheiro. Um juiz sempre tido como um magistrado corajoso.
Terra Magazine
Fernando Matos
"Crê nos que buscam a verdade. Duvida dos que a encontram." André Gide
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