A face urbana do trabalho escravo
Vergonha fashion |
Autor(es): Gustavo Henrique Braga e Cristiane Bonfanti |
Correio Braziliense - 28/08/2011 |
Exploração ilegal de mão de obra chega às grandes cidades, principalmente no setor de confecção de roupa, como no caso envolvendo a grife Zara, em São Paulo. Pelo menos 20 mil pessoas, muitas estrangeiras, são obrigadas a produzir sem as mínimas condições de higiene, segurança, e pior, sem qualquer salário.
Bolivianos escravizados por uma confecção terceirizada da Zara são apenas um dos vários casos envolvendo grifes e redes de lojas conhecidas no Brasil. Autoridades alertam que crime tem avançado nos últimos anos e afeta pelo menos 20 mil pessoasNotíciaGráfico
O resgate de bolivianos em uma confecção de São Paulo, terceirizada pela cadeia produtiva da grife internacional Zara, descortinou uma nova face da escravidão no Brasil. Associado, geralmente, às áreas rurais e isoladas, os fiscais comprovaram que, na verdade, esse tipo de problema é cada vez mais comum nas cidades. Em galpões de metrópoles nacionais, exércitos de trabalhadores, entre eles adolescentes e crianças, se sacrificam para sustentar o glamour e a ostentação dos desfiles de moda de grandes marcas. Não à toa, estão em andamento, pelo menos, mais 15 investigações contra grifes de roupas. Os nomes não são revelados, pois os processos correm em sigilo. O Correio confirmou, contudo, que um deles diz respeito às Casas Pernambucanas. Em abril último, uma oficina na Zona Norte de São Paulo foi flagrada com bolivianos que viviam e eram explorados em condições de escravidão. Eles costuravam peças da coleção outono/inverno da Argonaut, uma das marcas de roupas da linha jovem da Pernambucanas. Agora, a rede está sob investigação. O próximo passo será a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). Procurada, a Pernambucanas se defendeu sob a alegação de exigir "que suas empresas fornecedoras adotem certificações reconhecidas no que diz respeito às melhores práticas de trabalho". Adriano Dutra, especialista em auditorias trabalhistas da Tgestiona/Saratt alerta, entretanto, que a gestão e o monitoramento eficaz de toda a cadeia de terceiros e fornecedores são responsabilidade de qualquer empresa. Com a economia em ritmo de expansão, o Brasil funciona hoje como um polo atrativo de imigrantes vindos de países vizinhos em busca de uma oportunidade. Sozinhas em território estrangeiro e com medo de serem deportadas, essas pessoas são alvo fácil dos criminosos, a exemplo do que ocorre, há décadas, com africanos na Europa e latinos nos Estados Unidos. "A situação dos imigrantes está entre as mais vulneráveis. Como estão irregulares no país, têm medo de recorrer às autoridades, o que dificulta a atuação dos fiscais", explica Luiz Machado, coordenador de combate ao trabalho escravo da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Casos como o da Zara e da Pernambucanas se tornaram comuns no país ao longo dos últimos anos. Em fevereiro do ano passado, a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo (SRTE-SP) aplicou 43 autos de infração a diversos agentes da cadeia produtiva, começando pelos aliciadores e se estendendo até a uma grande rede nacional de lojas, com passivos superiores a R$ 630 mil. Registrada como Indústria de Comércio e Roupas CSV, a oficina de costura ligada à rede foi flagrada com 17 trabalhadores imigrantes em condições análogas à escravidão. Também no ano passado, foram resgatados, em um galpão no Bairro Casa Verde, em São Paulo, 15 imigrantes subcontratados pela F. G. Indústria e Comércio de Uniformes e Tecidos para produzir coletes usados pelos recenseadores do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A empresa venceu a licitação de R$ 4,3 milhões com o intuito de produzir 230 mil peças e, entre as imposições degradantes, forçava jornadas extenuantes, sob alegação de "prazo exíguo" para a entrega dos coletes. É importante que as pessoas estejam atentas, até para fazer escolhas enquanto consumidoras conscientes", recomenda Ronaldo Lira, procurador do MPT de Campinas (SP). Além das punições legais, os empregadores condenados têm os nomes incluídos na "lista suja", com a qual as empresas se comprometem a romper qualquer tipo de vínculo. Atualmente, 249 infratores são citados. Entre as cenas comuns estão os alojamentos feitos de lona e de chão batido. Faltam banheiros e condições de higiene adequadas. "O que vemos nas fiscalizações é que eles bebem, muitas vezes, a mesma água dos animais. No passado, o escravo era uma moeda de troca, tinha valor. Hoje, vulnerável, ele é tratado como algo descartável", descreve Paula de Ávila e Silva Porto Nunes, procuradora do Trabalho da 10ª Região e vice-coordenadora de erradicação do trabalho escravo do Ministério Público do Trabalho (MPT). Apesar da realidade assustadora, o Brasil avançou ao longo dos últimos anos. Dados do Ministério do Trabalho (MTE) mostram que, entre 2000 e 2010, o valor de indenizações pagas pelos empregadores flagrados chegou a R$ 62,2 milhões. O montante se refere a pagamentos devidos aos funcionários, que incluem saldo de salários, de férias e 13º, entre outros direitos. Quando são resgatados, o governo federal paga a eles um seguro-desemprego no valor de um salário mínimo, durante três meses. "Na maioria das vezes, é o primeiro momento da vida em que se sentem cidadãos", diz. Luiz Machado, da OIT, revela que, em muitos casos, os trabalhadores explorados vivem em uma miséria tão intensa que nem sequer se consideram vítimas de trabalho escravo. "Há pessoas que só conhecem essa realidade", diz. Em outras situações, os explorados sentem ter perdido a dignidade e são tomados por uma vergonha tamanha que temem voltar para casa de mãos vazias, sob a pecha de "fracassados" e, só conseguem retomar uma vida normal com ajuda de assistentes sociais. Falsas promessas |
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