OAB-PE: "Só punição acabará com ofensas contra o Nordeste"
Eliano Jorge
O mais recente capítulo de ofensas a nordestinos na internet será novamente combatido judicialmente pela Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional de Pernambuco (OAB-PE). Na noite desta quarta-feira (12), a desclassificação do Flamengo pelo Ceará na Copa do Brasil iniciou uma enxurrada de mensagens discriminatórias e generalizadas contra a região Nordeste do país.
O presidente da OAB-PE, Henrique Mariano, promete tomar as mesmas medidas que a entidade adotou logo após as últimas eleições presidenciais, quando internautas promoveram uma campanha depreciativa ao atribuírem aos nordestinos a vitória da petista Dilma Rousseff. Cerca de 600 pessoas foram identificadas e denunciadas ao Ministério Público Federal por crime de racismo e/ou incitação pública à pratica delituosa. O caso caminha sob segredo de Justiça.
A estudante de Direito paulista Mayara Petruso simbolizou a série de hostilizações por pregar o assassinato de nordestinos. Se condenada por racismo, sua pena pode variar de dois a cinco anos de reclusão. "A lei é dura, é um crime inafiançável, imprescritível", assinala Mariano em entrevista a Terra Magazine.
No Twitter, Amanda Régis reiniciou os ataques coletivos nesta quarta-feira
(foto: Reprodução)
Outra sequência de manifestações contra o Nordeste ocorreu em junho de 2010, por ocasião das enchentes em Alagoas e Pernambuco. Para o representante dos advogados pernambucanos, essas agressões só terminarão a partir de castigos exemplares.
- Vejo isso com muita preocupação. É decorrente da impunidade. A gente precisa dar um exemplo concreto. (...) Até quando não houver uma efetiva punição a uma pessoa dessa para ser condenada pela prática de crime de racismo, isso não terá uma solução - afirma Henrique Mariano.
Leia a entrevista.
Terra Magazine - O senhor acompanhou a nova onda de ataques discriminatórios contra nordestinos nas redes sociais, na noite desta quarta-feira (11)?
Henrique Mariano - Acompanhei, estamos acompanhando, estamos fazendo uma força-tarefa para adotar medidas dentro da nossa competência.
Como está aquele caso da estudante Mayara Petruso, logo após as eleições?
Oferecemos uma notícia-crime ao Ministério Público Federal em São Paulo contra aquela estudante Mayara e depois contra todas aquelas pessoas que também postaram igual mensagem ofensiva e caracterizadora do crime de racismo.
Quantas pessoas foram listadas, ao todo?
Foram mais de 600 pessoas que coletamos. Botamos tudo num CD e encaminhamos todas as informações ao Ministério Público Federal em São Paulo, que requereu à Justiça Federal a quebra do sigilo cibernético de todas aquelas pessoas. O juiz decretou o sigilo deste inquérito. Este processo está tramitando em segredo de justiça para preservar a fidelidade dessas informações e evitar que as partes interessadas ocultem eventuais provas.
Estamos esperando que o Ministério Público Federal em São Paulo conclua essa investigação para que sejam oferecidas essas ações penais públicas incondicionadas contra aquelas pessoas. A partir daí, elas vão responder, cada uma, pelo crime de racismo. A ação penal só vai ser oferecida depois que houver a conclusão do inquérito de investigação para apurar a identificação de cada pessoa que compõe aquele grupo.
Existe previsão de quanto tempo demora isso? São tantas pessoas.
Não posso lhe precisar o tempo porque isso, infelizmente, não está na competência da OAB de Pernambuco. Oferecemos ao Ministério Público Federal, naquela oportunidade, todas as informações que coletamos na internet, foi um vasto material. A gente sabe que existe uma peculiaridade nestes crimes cibernéticos que é a dificuldade de identificar as pessoas pelo fato de elas postarem e logo depois tirarem do ar (as mensagens). Mas existe no Ministério Público Federal uma equipe especializada que trata desses crimes cibernéticos e ela está fazendo esta investigação.
Essas providências legais e as reações contrárias àquelas mensagens não inibiram essa nova sessão de ofensas.
Pois é, exatamente. Infelizmente. Esse efeito inibidor só vai efetivamente ocorrer quando houver uma punição de, ao menos, uma pessoa pela prática deste crime de racismo. Porque a lei é dura, é um crime inafiançável, imprescritível. Só vai haver esse efeito pedagógico quando houver a efetiva punição de uma ou mais pessoas. E é para isso que a OAB está lutando.
Provavelmente hoje vamos adotar, contra essa pessoa lá de Santa Catarina, esse mesmo procedimento. Vamos oferecer a notícia-crime, que é o máximo que podemos fazer no momento, no âmbito da OAB. Já estamos preparando as peças e vamos oficiar à Polícia Federal, que também tem uma equipe especializada contra crimes cibernéticos.
Precisamos contar com a colaboração do Ministério Público Federal e dos ministérios públicos estaduais, no caso específico de hoje de Santa Catarina, para que eles impulsionem este processo.
A notícia-crime se refere não só à menina que iniciou isso, mas também às pessoas que deram continuidade, não é?
Não tenha dúvida. Parte (dos indiviíduos) já apagou, como sempre. Mas identificamos vários, já imprimimos e estamos fazendo a coleta dessas informações para provocar oficialmente o Ministério Público Federal e o Ministério Público Estadual de Santa Catarina, vamos oferecer essa notícia-crime, que é a comunicação, à autoridade competente, da existência de uma prática criminosa. Aí cabe ao órgão ministerial, que é o Ministério Público, adotar as providências de investigação de conclusão de inquérito para que haja oferecimento da ação penal.
Temos esta ansiedade e este desejo. Quando oferecemos a notícia-crime contra aquela estudante Mayara Petruso, informamos toda a identificação dela: endereço, CPF, RG, toda qualificação dela. Como existiram inúmeras outras mensagens, também coletamos e oferecemos ao Ministério Público Federal.
Como funciona a coleta, já que, como o senho falou, é efêmera a duração destas mensagens publicadas? Quem fica atento a isso? São ONGs, há uma equipe da OAB?
Quando postam estas mensagens e são retuitadas, a gente imprime e aquilo fica como prova. Porque uma hora, duas horas depois, a pessoa pode retirar.
Existe uma ONG em São Paulo, chamada Safernet, com uma equipe que coleta isso tudo. Mas fazemos pela própria assessoria de imprensa da OAB, que imprime isso. Vamos gravar tudo num CD e oferecer ao Ministério Público Federal em Santa Catarina.
Que riscos o senhor aponta nesta prática aparentemente cada vez mais frequente de publicação de mensagens discriminatórias?
Vejo isso com muita preocupação. É decorrente da impunidade. A gente precisa dar um exemplo concreto. É para isso que a OAB de Pernambuco vem lutando desde o ano passado. Até quando não houver uma efetiva punição a uma pessoa dessa para ser condenada pela prática de crime de racismo, isso não terá uma solução.
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