"A única proteção que temos é um guarda que mal sabe atirar"
"Caso estivesse sendo ameaçado, teria dificuldades para ter alguém do meu lado. A única proteção que temos é um vigia que mal sabe atirar".
A afirmação não é de um camponês intimidado por madeireiros num distante assentamento da Amazônia, mas do principal responsável por apurar mais um caso de assassinato na região mais sensível do estado onde mais ocorreram mortes de lideranças rurais em conflitos do campo no país: o procurador da República em Marabá (PA), Tiago Modesto Rabelo.
O sudeste do Pará, região onde os extrativistas José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva foram mortos na terça-feira 24, é o epicentro de conflitos no campo no país, que culminaram na morte de 621 pessoas nos últimos 25 anos, incluindo lideranças comunitárias como Dorothy Stang. A cada dez assassinatos de lideranças rurais ocorridos no país, mais de três aconteceram no estado.
Dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) apontam ainda que, neste mesmo período, 1.614 indivíduos foram assassinados em todo o Brasil em conflitos no campo.
"A policia infelizmente não conta com efetivo para poder prestar esse tipo de serviço a todas as pessoas ameaçadas na região. É um problema de nível nacional, que nessas regiões mais carentes ocorre com mais frequência", disse Rabelo em entrevista a CartaCapital.
E foi com a companhia de um vigia que "mal sabe atirar" em sua sala na sede do Ministério Público Federal em Marabá que ele atendeu a reportagem, por telefone, um dia após a morte dos ambientalistas
Intimidações
Tiago Modesto Rabelo diz não ter conhecimento das intimidações sofridas pelos líderes assassinados na véspera da entrevista. "No procedimento que existia aqui, em nenhum momento, eles colocaram nos autos que vinham sofrendo ameaças", afirma o procurador.
Os ambientalistas mortos num assentamento da região de Marabá defendiam o manejo sustentável da floresta e denunciavam casos de extração irregular de madeira, desmatamento e carvoarias ilegais. Durante uma palestra, em 2010, José Cláudio registrou que queriam fazer com ele "a mesma coisa que fizeram" no Acre com Chico Mendes e com a irmã Dorothy.
Há cerca de um mês, a propriedade dos extrativistas teria sido invadida por um grupo, que disparou para o alto e contra animais.
Segundo o procurador, no entanto, o incidente não chegou ao MPF. "Se noticiaram esses fatos foi no âmbito das polícias".
Segundo Rabelo, José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva se recusaram a entrar no Provita, programa de proteção a testemunhas da Secretaria Especial de Direitos Humanos. As informação foram rebatida pelo advogado da CPT José Batista Afonso, que trabalhava com o casal havia 10 anos. "Não conheço nenhum documento assinado por eles com essa negativa", diz o advogado. "Sempre [as vítimas] diziam que precisavam de proteção", afirma Batista, segundo quem as queixas eram apresentadas em órgãos como Ibama, Incra, Ministério Público Federal e Polícia Civil.
Nas acusações, o casal fazia menções a empresas que estariam retirando madeira ilegalmente, mas o Ibama não conseguia autuar indivíduos específicos pelos crimes ambientais.
Batista ainda afirma que as diversas denúncias dos ambientalistas jamais foram analisadas seriamente pelas autoridades. "O Ibama virava as costas, a Polícia Federal nunca indiciou nenhum dos madeireiros pelos crimes", relata. "A responsabilidade das mortes recai sobre esses órgãos e o estado, que nunca fez uma investigação para prevenir os crimes".
Bate-cabeça
No início de 2010, Rabelo solicitou à Polícia Federal uma investigação sobre eventuais irregularidades na região onde vivia o casal, mas ouviu que "os assuntos não eram de interesse federal". Ele relata que teve de insistir para que o órgão iniciasse um inquérito.
Para o advogado da pastoral, "não há dúvidas de que a responsabilidade por essas ações é da PF, Ibama e Incra".
Andamento do caso
A investigação do caso segue algumas teses, mas o vínculo direto dos assassinatos com as denúncias dos ambientalistas ainda não foi confirmado pelas autoridades. "Requisitei as investigações da Polícia Federal local, porque em tese é possível que haja essa ligação, mas temos que investigar. Nessa fase não há como afirmar isso em concreto", reitera o procurador.
José Batista Afonso, no entanto, diz que não há vontade da polícia paraense em solucionar o crime. "Temos enfrentado muita dificuldade em avançar nas investigações no campo com a polícia. Há descaso, outros interesses envolvidos e, em alguns casos, relações políticas", conta. "Fomos avisados de que Polícia Federal auxiliará nas investigações, mas até o momento não soube de nenhum delegado procurando informações".
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