O juiz espanhol Baltasar Garzón, que se destacou por seus processos contra crimes durante períodos de ditadura na América Latina, disse nesta quarta-feira que o Brasil pode usar as leis internacionais contra os torturadores que atuaram durante a ditadura (1964-1985) e estão protegidos pela Lei de Anistia. "A Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) já se pronunciou sobre várias normas de anistia ao longo dos últimos anos em outros casos", afirmou Garzón, em uma conferência no Rio de Janeiro, diante de dirigentes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
"Temos um causal de referência que pode servir como guia para interpretar a Lei de Anistia de outra forma", disse o juiz espanhol, suspenso cautelarmente de suas funções na Audiência Nacional da Espanha por ter aberto uma investigação pelos crimes e desaparecimentos durante a ditadura de Francisco Franco.
A OAB lançou recentemente uma campanha para exigir o esclarecimento de vários crimes ocorridos durante o regime militar e a punição de agentes acusados de torturar e matar opositores, além dos responsáveis pelo desaparecimento de várias pessoas. A campanha, porém, sofreu um revés em abril, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou uma reivindicação para que fosse revisada a Lei de Anistia de 1979 e permitir que fossem julgados os torturadores da ditadura.
Para Garzón, no entanto, os precedentes dos tribunais internacionais permitem revisar a Lei de Anistia. "Do ponto de vista dos direitos das vítimas, que se transformaram atualmente no motor do direito internacional humanitário, não é admissível que haja normas que amparem a impunidade", afirmou o magistrado, que tem em seu currículo a ordem de deter o ditador chileno Augusto Pinochet. Garzón citou o caso da Argentina, onde, após a abolição de normas similares à brasileira, foram abertos cerca de 600 processos, com algumas pessoas já condenadas.
O secretário de Direitos Humanos da Presidência, Paulo Vannuchi, afirmou que espera que esses argumentos sejam a base da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre o caso aberto pela Corte da Organização dos Estados Americanos contra o Brasil pelo suposto desaparecimento forçado de 70 pessoas entre 1972 e 1975, no marco de uma operação para erradicar a chamada guerrilha do Araguaia.
Os familiares das vítimas apresentaram um processo em 1982 perante a Justiça brasileira e, como nunca foram atendidos, em 1995 recorreram à CIDH, que em 2008 emitiu um relatório de recomendações no qual solicita, além do reconhecimento das vítimas por parte do governo brasileiro, a abertura dos arquivos da ditadura e o pagamento de uma compensação financeira aos parentes das vítimas.
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