O ESTADO DE S. PAULO – NACIONAL
Dilma quer ''time'' nos direitos humanos
Para aprovar Comissão da Verdade, presidente determina que ministros envolvidos com a área abandonem conflitos e atuem em equipe
Roldão Arruda
O presidente Fernando Henrique Cardoso criou a Comissão de Mortos e Desaparecidos e estabeleceu o direito à indenização aos perseguidos pela ditadura militar. Seu sucessor, Luiz Inácio Lula da Silva, continuou pagando reparações, abriu arquivos e preparou o projeto de lei que cria a Comissão Nacional da Verdade, para esclarecer violações de direitos humanos naquele período. A meta de Dilma Rousseff agora é conseguir a aprovação do projeto no Congresso e terminar o mandato com a comissão funcionando.
A estratégia do governo para atingir esse objetivo já foi delineada. Em primeiro lugar acertou-se que os ministros envolvidos com o assunto deverão trabalhar juntos, evitando a discussão presenciada no governo anterior entre Paulo Vannuchi, de Direitos Humanos, Nelson Jobim, da Defesa, e, por tabela, Tarso Genro, da Justiça. O trio atual, formado por Maria do Rosário, Jobim e José Eduardo Martins Cardozo toca afinado, com a seguinte orientação: a comissão é um projeto do governo e não deste ou daquele ministério, portanto, todos devem atuar como um time.
O segundo ponto estabelecido é que se deve defender o projeto de lei do jeito que está, sem alterações no texto que Lula enviou ao Congresso em maio, após debates entre Jobim e Vannuchi. Teme-se que, se for aberto para emendas, que podem vir tanto de parlamentares à esquerda do espectro político, quanto à direita, a tramitação se arraste indefinidamente e a discussão fique cada vez mais partidarizada.
Estratégia. O governo Fernando Henrique utilizou o mesmo esquema com o projeto da Comissão de Mortos e Desaparecidos. Hoje também não está descartada a possibilidade de se requerer pedido de urgência, com o intuito de acelerar a tramitação do texto.
O terceiro ponto da estratégia governista é fugir do tom revanchista no debate. O erro de Vannuchi ao apresentar a ideia da Comissão da Verdade teria sido associar a questão do esclarecimento das violações à responsabilização das pessoas envolvidas.
O governo insistirá que o foco do projeto é a recuperação da memória e o esclarecimento de fatos. Isso ajudaria na localização dos restos mortais de 144 desaparecidos políticos, cujas famílias reivindicam há quase 30 anos o direito de pranteá-los e enterrá-los de forma digna.
Genoino. Uma das figuras estratégicas na condução desse processo é o ministro Jobim, que, após uma sondagem nas Forças Armadas, verificou que o foco de resistência à comissão está entre os militares mais velhos, já na reserva, e não entre os da ativa. Para ajudá-lo nas negociações com o Congresso ele deverá contratar como assessor o ex-guerrilheiro José Genoino.
A contratação está prevista para fevereiro, quando ele deixa a Câmara dos Deputados.
PARA LEMBRAR
Projeto causou duros embates entre ministros
O projeto de lei que cria a Comissão da Verdade, destinada a investigar violações aos direitos humanos ocorridas no regime militar, foi enviado ao Congresso em maio do ano passado. Provocou duros embates entre os ministros Nelson Jobim e Paulo Vannuchi, que chegaram a ameaçar demissão dos cargos por conta das divergências. Segundo o projeto, a comissão visa a "promover a reconciliação nacional" e "o esclarecimento circunstanciado dos casos de torturas, mortes, desaparecimentos forçados, ocultação de cadáveres e sua autoria". Também prevê identificação e divulgação das "estruturas, locais, instituições e circunstâncias" relacionadas a violações dos direitos humanos.
O ESTADO DE S. PAULO – NACIONAL
Um tema que sempre esteve na agenda da presidente
Roldão Arruda
O tema da comissão da verdade é muito caro à presidente Dilma Rousseff, que foi perseguida e torturada no anos do regime militar. Foi sob sua batuta, quando chefiava a Casa Civil, que boa parte da documentação relativa àquele período que se achava sob o controle do governo foi transferida para o Arquivo Nacional. Ela influiu na redação do texto do projeto de lei da Comissão da Verdade que foi enviado ao Congresso, no qual se diz, entre outras coisas, que ela ficará vinculada à Casa Civil.
A preocupação da presidente é não ficar sob os holofotes durante o debate, nem parecer revanchista. Sob esse aspecto lembra sua colega de cargo Michelle Bachelet, que presidiu o Chile entre 2006 e 2010, e também enfrentou momentos dramáticos no período da ditadura do general Augusto Pinochet: seu pai, um militar que apoiava o presidente deposto Salvador Allende, foi preso e morreu no cárcere; e ela também enfrentou perseguições e torturas.
Na presidência, Bachelet deu força às instituições que já haviam sido criadas com o intuito de esclarecer fatos da ditadura, evitando, no entanto, o tom revanchista.
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