quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Ministra quer que grupo apure tortura em prisão


O GLOBO – PAÍS
Maria do Rosário critica sistema carcerário
Ministra diz que "Brasil reconhece a existência da tortura"
Cássio Bruno
A ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário, criticou ontem o sistema carcerário brasileiro. Após participar de um evento em homenagem ao Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto, no Palácio do Itamaraty, no Rio, ela disse que espera contar com o apoio do Congresso para aprovar o projeto de lei que cria um grupo de peritos destinado a investigar denúncias relacionadas à prática de tortura em presídios e em cadeias.

Até junho do ano passado, segundo o Ministério da Justiça, a população carcerária era de 494.237 presos. O déficit de vagas é de 194.650.

- Nenhum preso brasileiro é condenado a passar por essas humilhações, torturas, violência dentro das prisões - disse Maria do Rosário.

Para a ministra, o "Brasil reconhece a existência e a presença da tortura" no sistema penitenciário:

- Quando o Brasil é criticado por essa questão, ele assume que esse é um grave problema nacional. O governo está tomando medidas, como construções de novas penitenciárias.

Como O GLOBO revelou ontem, o grupo responsável por apurar as torturas contra presos será formado por 11 peritos de várias áreas com autonomia para entrar em prisões, cadeias e penitenciárias sem autorização prévia dos diretores desses estabelecimentos ou de outras autoridades. O texto do projeto será enviado este ano ao Congresso.
 
FOLHA DE S. PAULO – COTIDIANO
Ministra quer que grupo apure tortura em prisão
RODRIGO RÖTZSCH
A ministra Maria do Rosário (Direitos Humanos) disse ontem no Rio que pretende enviar neste ano ao Congresso projeto para a criação de uma comissão de prevenção e combate à tortura em presídios e manicômios judiciais.
Uma das principais propostas é criar uma comissão de peritos de diversas especialidades que terá o acesso às penitenciárias, independentemente da autorização prévia.

"O Brasil reconhece a existência e a presença da tortura nas suas instituições, seja pelos maus-tratos impostos às pessoas que estão ali sob a tutela do Estado, seja pelas penas adicionais que são impostas como a superlotação, a dificuldade de acesso à Justiça", afirmou, após participar de homenagem às vítimas do Holocausto, no Palácio Itamaraty.

Para José Carlos Dias, ex-ministro da Justiça do governo FHC, a iniciativa é louvável e não encontra empecilhos legais.

"Em princípio, eu sou plenamente favorável, desde que haja uma representatividade séria, independente, e não aparelhamento pelo governo."
 
FOLHA DE S. PAULO – COTIDIANO
Entre a necessidade e a situação de caos, já aparece uma luz
ANÁLISE
JOSÉ DOS REIS SANTOS FILHO
 Superpopulação, corrupção, tortura, prostituição e doenças estão entre as constantes na realidade do sistema penitenciário.

De fato, o sistema carcerário tornou-se um problema endêmico e de enorme complexidade. Enfrentá-lo expõe, entre outras coisas, um jogo de omissões cujo efeito é a reprodução permanente do caos.

A atuação do Conselho Nacional de Justiça rompe parcialmente com a inércia. Em tese, sua intervenção seria redundante. Há órgãos em nível estadual e federal que deveriam estar cumprindo com as funções atribuídas a seus departamentos de fiscalização do sistema carcerário.

É, no entanto, um caso de duplicação cujos resultados são significativos. Principalmente pela importância que dá ao acompanhamento e proposição de soluções para as irregularidades.

Com atitude pró-ativa, o conselho diagnosticou situações há muito conhecidas. Com um diferencial: transforma sua avaliação em resoluções e orientações.
Um exemplo: há muito sabemos que os distritos policiais abrigam milhares de presos em condições sub-humanas.

Hoje, o Poder Judiciário atua em favor de um programa de desativação das carceragens em delegacias. Outra conduta necessária e, diga-se de passagem, óbvia: que "cada órgão cumpra suas atribuições e fiscalize o cumprimento das dos demais".

Em um país com aproximadamente 500 mil presos e precisando construir quase 400 prisões, isso é, certamente, alvissareiro.


JOSÉ DOS REIS SANTOS FILHO é sociólogo da Unesp de Araraquara e coordenador do Núcleo de Estudos sobre Situações de Violência e Políticas Alternativas da instituição
 
FOLHA DE S. PAULO – COTIDIANO
Vistoria aponta cadeias em ruínas e jovens em presídios
Maior problema, superlotação de prisões potencializa outras falhas, diz CNJ
Fiscalização em 13 Estados constatou falta de opções de trabalho e educação, celas sujas e denúncias de tortura

FELIPE LUCHETE
FÁBIO FREITAS
 Presos em contêineres, adolescentes em presídios, estruturas precárias e pessoas doentes misturadas a sadias são parte do retrato do sistema prisional brasileiro traçado por relatórios do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), órgão de controle externo do Poder Judiciário.

A superlotação é a maior falha e potencializa outros problemas, diz o conselho.
Desde 2008, o órgão visita presídios, centros de detenção e delegacias em 24 Estados -só em 2010, foram 13. SP, RS e RO aguardam na fila.

O CNJ constatou falta de opção de trabalho e educação, celas sujas e escuras, denúncias de tortura e até um jogo de futebol entre presos e policiais, sem muro de proteção, numa delegacia do AM.

Para a OAB, alguns Estados até têm políticas para recuperar os detentos, mas não em número significativo. "Falta uma política continuada", afirma o presidente da Ordem, Ophir Cavalcante.

A Folha teve acesso a 12 relatórios de 2010. Todos os Estados têm unidades precárias -a exceção é o DF.

Em MG, a cadeia de São João da Ponte (565 km de Belo Horizonte) estava em ruínas. A situação do presídio de Parintins (24 km de Manaus) foi descrita como "calamitosa": grades soltas, paredes balançando, infiltrações e esgoto a céu aberto.

Embora o sistema prisional do ES tenha avançado após discussões na ONU, ainda mantém "masmorras medievais", diz o CNJ. Em MT e PA, foram constatados contêineres usados como celas.

Os 12 relatórios citam prisões estaduais com mais presos do que vagas. Há relatos de doentes misturados a pessoas sadias na penitenciária Francisco D"Oliveira Conde (AC) e de detentos dormindo no chão da cozinha na cadeia de Tocantinópolis (TO).

O CNJ encontrou também cerca de 200 adolescentes detidos irregularmente em presídios de MG.

O conselho não aplica sanções, mas firma acordos de melhoria com os Estados. Os dados podem ainda servir de base para Tribunais de Justiça e Ministério Público.

Os relatórios também mostram pontos positivos, como unidades no DF com terminais de autoatendimento para consulta a processos, prisões geridas pela sociedade civil em MG e presídio feminino em RR com berçário e brinquedoteca.
 
FOLHA DE S. PAULO – COTIDIANO
Maioria dos Estados diz que busca melhorias
OUTRO LADO
A maioria dos Estados vistoriados diz que tem investido em reformas e novas unidades. Em MG, prisões precárias foram reformadas, e metade das celas de São João da Ponte foi desativada.

Segundo o governo, agora são menos de cem os adolescentes em presídios e há 9.000 presos trabalhando (60% mais que há um ano).

AM afirmou que está criando unidades no interior e que as redes hidráulica e de esgoto do presídio de Parintins foram reformadas. PR disse que planeja criar 6.000 vagas e uma Defensoria Pública.

AM e do PR não se manifestaram sobre as delegacias.
RR afirmou que não há indícios de tortura e toda unidade tem equipe de limpeza. Prometeu 680 vagas em 2011.

No AC, o governo disse que vai abrir neste semestre 800 vagas e que prisões com problemas no abastecimento de água foram reformadas.

MT afirmou que os contêineres-celas são ventilados e respeitam a "necessidade humana" e que duas prisões serão entregues até julho.

PA preferiu não se manifestar antes de concluir estudo próprio. Em AL, a estrutura precária de unidades se deve a danos em rebeliões e superlotação, diz o governo.
TO disse ter como prioridade reformular o sistema.

ES informou que investiu R$ 420,5 milhões no sistema. PI e DF não se pronunciaram.

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