quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Psiquiatras fazem lobby para ampliar uso da 'eletrochoque'

02/02/2011 - 10h59

Psiquiatras fazem lobby para ampliar uso da 'eletrochoque'

GUILHERME GENESTRETI
DE SÃO PAULO
"É injusto. Cardiologistas são heróis quando dão choque no peito, nós somos carrascos porque damos choque no cérebro". A frase do psiquiatra Moacyr Rosa, pesquisador da Universidade Duke, ilustra a polêmica em torno da eletroconvulsoterapia.
Essa técnica é usada para tratar formas graves de depressão e transtorno bipolar, além de esquizofrenia catatônica (quando a pessoa fica prostrada por muito tempo) e outros casos que não respondem à medicação.
A tecnologia do "eletrochoque" (o termo é considerado pejorativo) se modernizou nas últimas duas décadas, mas ele ainda é alvo do que seus defensores chamam de preconceito.
"Há pessoas que não admitem a aplicação de técnicas mais contundentes", diz o psiquiatra Sérgio Paulo Rigonatti, diretor do serviço de eletroconvulsoterapia do Hospital das Clínicas. Lá são feitas cerca de 25 aplicações diárias dessa terapia.
Uma sessão custa cerca de R$ 650 em clínica particular de São Paulo. Em geral, o tratamento inclui de 10 a 12 aplicações, em dias intercalados.
A eletroconvulsoterapia tem pouca semelhança com as imagens que a tornaram famosa em filmes como "Um Estranho no Ninho".
Moacyr Rosa diz que os procedimentos atuais para a aplicação do "eletrochoque" são bem mais seguros. "A quantidade de eletricidade é muito menor. Os aparelhos permitem monitorar a atividade cerebral e cardíaca."
Mesmo as convulsões causadas pela eletricidade são hoje contidas por anestésicos e relaxantes musculares.
Mas, segundo Antônio Mourão Cavalcante, professor titular de psiquiatria da Universidade Federal do Ceará, não se justifica substituir os remédios tradicionais pela eletroconvulsoterapia.
"A melhora com antidepressivos é mais duradoura. E, muitas vezes, não há diagnóstico certo para encaminhar pessoas a essa técnica."
Cavalcante também elenca os problemas de memória como efeito colateral.
O psiquiatra José Alberto Del Porto, da Unifesp, discorda: "A perda da memória com a eletroconvulsoterapia é, de fato, mais intensa do que a que pode ocorrer com antidepressivos, mas não deixa de ser passageira".
Cavalcante diz que a técnica pode render receita extra para os médicos. "É bom para o médico e para os planos de saúde, mas não sabemos se é bom para o paciente."
REGULAMENTAÇÃO
Na quinta-feira, um comitê da FDA (agência que regula remédios nos EUA) reuniu apoiadores da técnica, como a American Psychiatric Association, e opositores, como entidades de defesa dos pacientes, para decidir a redução da classificação de risco da eletroconvulsoterapia.
Por margem estreita de votos, os conselheiros mantiveram o procedimento como de risco 3, o mais alto. Mas a decisão final cabe à FDA, que vai definir o tipo de controle sobre a venda dos aparelhos.
No Brasil, a eletroconvulsoterapia passou a ter controle mais rígido em 2002, quando o Conselho Federal de Medicina definiu várias regras para a técnica, entre elas a necessidade de anestesia geral, e estabeleceu as principais indicações.
Mas Cavalcante não descarta a possibilidade de haver indicações inadequadas.
O psiquiatra Sérgio Lima, da Unifesp, concorda. "Já atendi dependentes de drogas que contaram ter passado pelo procedimento. Correram risco sem ter benefício."

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Editoria de Arte/Folhapress

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