JORNAL O GLOBO
'Não eximo a governadora de responsabilidade'
Vannuchi critica Ana Júlia pelo caso da menina presa no Pará, mas também o Judiciário, que foi omisso, diz
O ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, fez duras críticas às instituições do Pará pelo caso da menina presa com 20 homens numa cela do estado. E não poupou nem a governadora Ana Júlia, do PT, partido do governo Lula. Para ele, ela acertou ao afastar os delegados envolvidos no caso, mas demorou muito a agir. Afirma que, como cinéfilo, gostou do filme "Tropa de Elite". Mas não vê nada de glamouroso no Bope real. Nem na ação da polícia no Rio, em junho, no Complexo do Alemão, que deixou 19 mortos. Vannuchi critica a política do governador Sérgio Cabral no Rio. "A boa polícia não é a do "Tropa de Elite"", diz.
Como o senhor avalia o episódio do Pará?
PAULO VANNUCHI: Foi estarrecedor. Não estou entre as autoridades públicas que ficam colocando pano quente, tentando livrar a cara de quem quer que seja, mesmo sendo do governo federal. A culpa incide no estado, no Executivo, no Judiciário estadual, o mais omisso nesse momento.
O que o governo federal fez nesse caso?
VANNUCHI: Agimos prontamente. E tomamos todas as providências. Nos antecipamos, mas não foi intervenção. Não faríamos isso com o Sérgio Cabral (governador do Rio), com o José Serra (governador de São Paulo), e não fizemos com a Ana Júlia (governadora do Pará). Direitos humanos é cooperar.
Até a chegada da equipe da secretaria, pouco coisa havia sido feita.
VANNUCHI: Foi lamentável chegar lá e ver que, no âmbito estadual, ninguém tomou as providências mais comezinhas, que era proteger a menina e sua família. Não se pode admitir tamanha omissão.
Deputados do PT que estiveram no Pará eximiram a governadora de culpa.
VANNUCHI: A responsabilidade compete a todas autoridades públicas. Entendo que a do Executivo é menor, mas ela existe e é grande. Não eximo a governadora de responsabilidade. Acho que foi correta a atitude dela de afastar os delegados, mas foi pouco. Disse isso a ela. As respostas poderiam ter sido mais rápidas.
Delegados demonstraram espírito corporativo e disseram que prendem, mas não vigiam.
VANNUCHI: Esse corporativismo existe e tem que ser enfrentado. Agem muitas vezes ao arrepio da lei. São reiterados casos de truculência, desmandos, abuso de autoridade. No caso do Pará, foi um erro cavalar.
O ideal é uma polícia que não mate muito?
VANNUCHI: A boa polícia, que não é a do "Tropa de Elite", é a capaz de ser eficiente, de combater o crime organizado e que, quando mata, mata em combate. Não mata com tiro na nuca. Foi o tema do nosso encontro com o Sérgio Cabral. Fizemos uma perícia alternativa (caso do Complexo do Alemão). Nossos peritos detectaram tiro na nuca. Isso é execução. O governador e o secretário de Segurança Pública (José Mariano Beltrame), em vez de se irritarem, poderiam dizer que temos duas conclusões colidentes e que, então, vamos fazer uma terceira, por algum organismo internacional. Aí não tem choro. Se o governador está enfrentando a violência no Rio e está sendo aplaudido, e as pesquisas mostram grande apoio popular, não basta. Se a polícia sobe o morro para enfrentar bandido não pode deixar um saldo de 19 mortos.
O senhor condenou aquela ação da Polícia do Rio?
VANNUCHI: Não podemos entrar na idéia de que qualquer método é válido. E apoio popular é bobagem. O nazismo também teve grande apoio popular. Não havia descontentamento na população alemã durante o extermínio nazista. E o governador Sérgio Cabral sabe disso.
Quem defende direitos humanos é criticado e acusado de proteger bandido.
VANNUCHI: Não somos sonhadores. Direitos humanos não querem dizer colher de chá pra bandido. E esse enfrentamento não se dá com flores. Tem que ser feito com bala, com equipamento policial, com investigação. Mas as pessoas têm direito à vida, de não serem atingidas por uma bala perdida.
O senhor acha que essa é a opinião da população?
VANNUCHI: Não temos pesquisa para avaliar. Direitos humanos: é bom ou ruim? Desconfio que a resposta preponderante será que direitos humanos é defesa de bandido, de preso.
O senhor viu "Tropa de Elite". O que achou?
VANNUCHI: Não achei fascista, como disseram. Como cinéfilo, achei um bom filme. Quando assistia a filme brasileiro antigamente, levantava e ia embora. Era tão malfeito. No "Tropa de Elite", a câmera é móvel, é tiro o tempo todo. Acaba o filme e seu coração fica batendo acelerado por mais três ou quatro horas. Não acho que seja apologia à tortura. Soube que aplaudiram essas cenas. É um filme que tem um olhar desencantado.
Como assim?
VANNUCHI: Ali nada se salva. Não é a mensagem de que o Bope é uma coisa boa. Ali, ninguém vai se reconhecer. O filme é importante porque mostra coisas que existem. Não saio do filme achando que o Bope é algo elogiável. Acho que o Bope retratado ali é melhor do que o real, mais glamouroso. No dia-a-dia, não tem esse charme todo não.
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