sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Dinheiro preso pelo governo


Apesar da crise no sistema carcerário, União diminuiu de R$ 364 milhões para R$ 212 milhões volume de recursos para o Fundo Penitenciário Nacional

Lúcio Lambranho

Mesmo sabendo que o país caminhava a passos largos para um "apagão" carcerário, o governo federal reduziu em R$ 152 milhões o orçamento do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen). O orçamento de 2006 do Funpen foi de R$ 364 milhões contra R$ 212 milhões deste ano, uma redução de 41,8%.

Além disso, no ano passado, o contingenciamento, corte feito após a aprovação do orçamento pelo Congresso, do dinheiro destinado à construção de novas unidades prisionais chegou a R$ 60,76 milhões.

Revelando que o descaso com a situação nas cadeias não é obra apenas do governo Lula, no acumulado, o contingencimento chega a mais de R$ 1 bilhão desde que o fundo foi criado em 1995.

Superávit

No mesmo período, o governo transferiu para os estados R$ 1,3 bilhão, dinheiro insuficiente para dar conta do aumento da população carcerária e apenas R$ 300 milhões acima do total de cortes feitos durante 12 anos para reforçar o caixa e gerar superávit primário para o governo.

Em 1995, a taxa de encarceramento no Brasil era de 95,5 para 100 mil habitantes. Dobrou em 2003, quando atingiu o patamar 181,6. E, segundo o Terceiro Relatório Nacional de Direitos Humanos, de 2002 para 2005, a taxa aumentou novamente de 178,3 presos por 100 mil habitantes para 198,3, acréscimo de 9,2%.

O próprio Ministério da Justiça admite, na publicação "Funpen em números 2007", que o "contingenciamento vem sendo uma constante no histórico orçamentário" do fundo.

O texto mostra inclusive o percentual de cortes ano a ano: 51,3% em 1995; 66% em 1996; 51,4% em 1997; 58,6% em 1998; 75,4% em 1999; 29,2% em 2000; 8% em 2001, 57% em 2002; 43,8% em 2003; 12,1% em 2004; 29,3% em 2005; e 16,7% em 2006.

Restos a pagar

Esses cortes acabaram gerando um outro problema na execução financeira do fundo: o acumulado dos chamados restos a pagar de um ano para o seguinte.

A prática, de acordo com um técnico em orçamento ouvido pelo site, é nocivo: atrasa a construção de novas cadeias, diminui a transparência nas transferências para os estados e força o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), do Ministério da Justiça, a executar o orçamento do ano anterior, e não os recursos previstos para aquele exercício financeiro.

Entre 1995 e 2006, o Funpen acumulou um total de mais de R$ 315 milhões de restos a pagar. No orçamento de 2006, dos R$ 364 milhões autorizados no orçamento, apenas R$ 194 milhões foram executados em pagamentos de projetos. Desses pagamentos, R$ 75 milhões foram de restos a pagar.

Neste ano, a situação é ainda pior, pois foram pagos até agora apenas R$ 15 milhões do orçamento de 2007 e R$ 144 milhões de restos a pagar de 2006.

Pretos, putas e pobres

Como mostrou este site (leia mais) em junho deste ano, uma ação civil pública do procurador-regional dos Direitos do Cidadão no Distrito Federal (DF), Wellington Divino Marques de Oliveira, pede o fim dos cortes no Funpen.

Além de reclamar o fim do contingenciamento e a devolução das verbas do fundo, o procurador cobra uma indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 100 milhões.

Wellington Divino também ajuizou ações de improbidade administrativa e criminais contra o presidente Lula e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, assim como o primeiro escalão das equipes econômicas e do Ministério da Justiça dos dois governos.

A Advocacia Geral da União (AGU) conseguiu transferir essas ações para a mesma instância federal, que negou a liminar da ação civil pública. O caso ainda não foi julgado em definitivo.

No texto da ação, o procurador diz que, no Brasil, só vão para a cadeia “pretos, pobres e putas”. “É também fato notório que há hoje adolescentes cumprindo internato em alas de presídios”, diz o texto, antecipando o que seria revelado com o caso da menor que sofreu abuso sexual em uma cela masculina em Abaetetuba (PA).


Pressão da opinião pública

Estudo sobre a situação das presidiárias no país, publicado em fevereiro deste ano pela Pastoral Carcerária e mais 11 entidades, mostra que o aumento da taxa de encarceramento de mulheres, entre 2000 e 2006, foi de 135,37%. Índice maior do que o crescimento registrado em relação aos homens, que foi de 53,36%.

Os dados da pesquisa foram apurados a partir das informações do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), ligado ao Ministério da Justiça (MJ).

Mas, mesmo com esses números em mãos, somente após a repercussão nacional do caso da adolescente paraense presa numa cela com mais de 20 homens, é que o governo decidiu reagir. Na terça-feira (4), o ministro da Justiça, Tarso Genro, anunciou a liberação de R$ 14 milhões para construção de presídios no Pará.

Uma análise na execução financeira do Funpen revela que as maiores liberações aconteceram quando o governo foi pressionado pela opinião pública.

Em 2001, ano da segunda maior liberação do fundo, o governo transferiu recursos para a desativação do complexo do Carandiru, em São Paulo. Naquele mesmo ano, a execução financeira do Funpen chegou a R$ 265 milhões. Em 2005, após os ataques do Primeiro Comando da Capital (PCC) à capital paulista, foram transferidos cerca de R$ 200 milhões.

Situação crítica

Por enquanto, existe apenas a promessa da equipe econômica de que não haverá um novo contingenciamento no orçamento de 2008, com previsão de R$ 220 milhões, ainda abaixo do autorizado em 2006.

O governo também promete um reforço de R$ 150 milhões para a construção de uma penitenciária feminina em todos os estados e de cadeias masculinas nos 11 estados inscritos no Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci). “É isso que nós estamos aguardando, além de outros projetos de construção que deverão ser assinados ainda este ano”, diz o deputado Neucimar Fraga (PR-ES), presidente da CPI do Sistema Carcerário na Câmara.

"A situação é crítica, o horizonte é sombrio e o dinheiro é muito pouco. Se os estados não injetaram mais recursos, não vai adiantar nada. Constitucionalmente, a responsabilidade do sistema prisional é dos estados", admitiu ao Congresso em Foco o diretor-geral do Depen, Maurício Kuehne.

Segundo o diretor-geral do Depen, são necessários R$ 5 bilhões para reduzir a zero o déficit de 160 mil vagas no sistema prisional brasileiro. Esse valor, diz Kuehne, é apenas a conta feita para a construção de novas penitenciárias sem contar a contração de pessoal e a compra de equipamentos. "É muito dinheiro e nós não temos", avisa (leia mais).

Kuehne também garantiu ao site que os recursos do Funpen não serão novamente contingenciados. "Devemos chegar bem próximo dos 80% de execução, e nos três anos anteriores chegamos bem próximo dos 100%. Já temos plano diretor nessa área em oito estados", prevê o gestor do Funpen.

"Há um pacto no governo, na equipe econômica e nas comissões do Congresso para que não se tenha mais contingenciamento de verbas da segurança pública", assegura.

“Conversa para boi dormir”

Representantes dos movimentos sociais ligados à questão carcerária reagiram com desconfiança à promessa do governo de não cortar recursos do Funpen. O ceticismo tem motivo, considerando-se que a mesma promessa foi feita no orçamento de 2006, e mesmo assim, houve um corte de 16,7%, mais de R$ 60 milhões.

O coordenador da assessoria jurídica da Pastoral Carcerária, padre Davi Pedreira de Souza, disse ao site que não confia mais em promessa do governo. "Há uma boa intenção dos técnicos e dos diretores, mas o Depen vive chorando miséria", disse Pedreira.

O advogado da Pastoral Carcerária também não se convence com a promessa de mais recursos para o sistema por meio do Pronasci. "Isso é conversa para boi dormir, o governo está preso ao pagamento dos juros da dívida e ao superávit primário", avalia Pedreira.

“O Pará não é um caso isolado. Se fizerem um levantamento, vão achar mulheres presas junto com homens em vários estados. Aqui no Paraná, menores infratores são separados de adultos por apenas uma porta de madeira”, revela o representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Conselho Nacional dos Direitos Humanos, Dálio Zippin Filho.

Segundo o advogado, dos 22 mil presos do Paraná, 10 mil são provisórios, a maioria aguardando julgamento em delegacia. “Tem cela no Paraná que cabe 22 e tem 120. Medimos o espaço ocupado numa delegacia e cada preso ocupava 0,60 centímetro, o espaço entre os ombros”, revela.

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