segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Na cela, sem estudo nem trabalho


Fernando Exman

Brasília

O caos do sistema penitenciário nacional revelado por causa do caso da adolescente de 15 anos que ficou presa durante 24 dias em uma cela com cerca de 20 homens no Pará revela, segundo especialistas do setor, que a área carece de investimentos e políticas públicas. O contingenciamento de recursos e a falta de interação entre os governos federal, estaduais e municipais colocaram os 1.116 estabelecimentos penais do país em estado de penúria. Para deputados, defensores públicos e observadores do setor, o desrespeito aos direitos humanos tem como conseqüência o aumento da violência nas prisões e o fortalecimento do crime organizado.


Acuadas pelo escândalo da jovem paraense em Abaetetuba, autoridades foram forçadas a reconhecer a delicada situação do sistema prisional. Em diversos Estados os presos são torturados, e menores de idade ficam detidos com adultos. Mulheres são trancafiadas com homens. Até agora, no entanto, nenhuma proposta foi apresentada para acabar com isso.


- O principal problema é o desprezo do agente público em relação à população carcerária - criticou o relator da CPI do Sistema Carcerário da Câmara, deputado Domingos Dutra (PT-MA). - Cerca de 80% dos detentos não estudam ou trabalham. A maioria não tem nem o dinheiro da passagem para ir para casa quando é libertado.


Para o assessor jurídico da Pastoral Carcerária, Davi Pedreira, a ausência de uma política nacional de ressocialização dos presos é a principal causa dos casos de reincidência. Segundo o advogado, 85% deles voltam a cometer crimes quando ganham a liberdade.


- Dizer que os presos são tratados para se ressocializarem é uma falácia. Eles são presos para serem punidos. São tratados como bichos - argumentou Pedreira. - Se você tratar uma pessoa como bicho, ela vira bicho. E o pior é que, por causa da pressão da violência, a sociedade apóia isso.

Superlotação é tema crucial

Para o relator da CPI, "o nó do sistema" é a ineficiência da defesa dos presos. Enquanto o Ministério Público reestruturou-se e passou a ter mais chances de obter sucesso, comentou o deputado, a Defensoria Pública e os advogados contratados pelos presos apresentam defesas deficientes. Além disso, o Judiciário demora a concluir os julgamentos.


- Como resultado, há penas altas, falta de penas alternativas e superlotação - concluiu Dutra. - A superlotação é a mãe de todas as mazelas: doenças, entrada de celulares nos presídios e o domínio desses estabelecimentos pelo crime organizado.


Em junho, a população carcerária do país era de 419.551, 4,6% a mais do que o verificado em dezembro do ano passado. Não haviam sido julgados ainda 122.320 homens e mulheres.


Outro gargalo do sistema é a saúde. Sujos, úmidos e superlotados, os estabelecimentos penais são ambientes que facilitam a propagação de doenças. Hoje, 22% dos presos estão incluídos no Sistema Único de Saúde (SUS). Os privilegiados são atendidos pelas 148 equipes criadas pelo Plano Nacional de Saúde do Sistema Penitenciário, instituído em 2003. Só Bahia, Ceará, Distrito Federal, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rondônia, São Paulo e Tocantins aderiram ao programa.


Quando todos os Estados assinarem convênios, serão criadas 782 equipes, a um custo de R$ 46 milhões por ano. Atualmente, o governo repassa aos Estados R$ 5,4 mil por mês para o custeio de cada equipe, e mais quantias que variam a cada mês para a manutenção de farmácias básicas. Os demais Estados não participam do plano por falta de recursos humanos ou infra-estrutura.

- Esse programa tem um impacto na saúde da população em geral, pois os estabelecimentos penais são focos de doenças - disse a coordenadora de Políticas de Saúde para o Sistema Penitenciário do Ministério da Saúde, Maria Cristina Fernandes Ferreira.

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